Economia

Desigualdade patrimonial é pior que a de renda

É o que indica estudo inédito. Apoiado por futuro ministro do Planejamento, projeto de lei tenta expor a situação

Os números indicam que nem todos conseguem ficar ricos trabalhando
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A riqueza gerada pela economia mundial é de cerca de 75 trilhões de dólares por ano. Se fosse distribuída por igual entre os habitantes do planeta, cada um teria uns 870 dólares mensais. Pelo câmbio atual, 2,2 mil reais. A realidade econômica varia pelo globo, então pode-se viver melhor ou pior com tal renda, dependendo do país e das ambições individuais, claro. Mas uma coisa parece certa. É ilusão achar que todo mundo pode enriquecer trabalhando: a produção diária de riqueza é insuficiente. Criar empregos tem, portanto, um efeito limitado na melhoria de vida das pessoas.

Para distribuir mais a renda, a solução parece ser a busca de fontes alternativas à riqueza gerada cotidianamente. Por exemplo: o patrimônio acumulado ao longo dos tempos pelos milionários. Imóveis, terrenos, ações, aplicações financeiras, artigos de luxo poderiam ser mais taxados pelos governos e repartidos com as populações na forma de serviços públicos. Isso permitiria aliviar os impostos cobrados no consumo, punitivos dos mais pobres. É mais ou menos o caminho sugerido pelo economista do momento, o francês Thomas Piketty, autor do badalado livro O Capital no Século XXI.

O Brasil tem uma resistência histórica a tributar o patrimônio e até mesmo a debater o tema. Já despontam, no entanto, iniciativas capazes de ao menos estimular a discussão. Um estudo inédito feito por um economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) oferece pistas de que a desigualdade patrimonial brasileira supera – e muito – a de renda. Uma lei discutida no Congresso tenta expor a situação e encontra um simpatizante no futuro ministro do Planejamento, Nelson Barbosa.

Embora não haja dados oficiais sobre a desigualdade nacional a incluir o patrimônio no cálculo, o pesquisador André Calixtre, do Ipea, fez um esforço para tatear a situação. Ele analisou 480 mil declarações de bens entregues à Justiça eleitoral por todos os candidatos a prefeito e vereador na campanha de 2012. A base de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não é uma representação perfeita da sociedade, reconhece Calixtre. Há razões também, diz, para desconfiar da sinceridade das informações prestadas pelos candidatos – parecer muito rico pode não pegar bem junto ao eleitorado, além de chamar a atenção da Receita. Muitas declarações continham erros também.

Feitas estas ressalvas, o economista apurou que o índice de desigualdade patrimonial entre os candidatos era de 0,81, considerando-se inclusive os postulantes que disseram não ter bens. E de 0,70, excluindo-se a turma de patrimônio zero. Os dois índices estão bem acima da desigualdade calculada pelo IBGE só com base na renda. Em 2012, este índice, conhecido como Gini, era de 0,49. Quanto mais perto de um, maior é a desigualdade. “A análise da base de dados do TSE sugere que a desconcentração de renda ocorrida nos últimos anos foi acompanhada de uma concentração da propriedade, como aconteceu na Coreia do Sul”, afirma Calixtre. “A desigualdade patrimonial no Brasil é muito maior do que na renda. Precisamos tributar mais os mais ricos.”

O estudo Nas fronteiras da desigualdade brasileira será publicado em breve por uma fundação ligada ao Partido Social Democrata alemão, a Friedrich Ebert. Tem potencial para ajudar no debate de uma lei proposta em junho na Câmara dos Deputados que quer o obrigar o governo a produzir anualmente um Relatório sobre a Distribuição Pessoal da Renda e da Riqueza dos brasileiros. Uma radiografia patrimonial da população, algo existente mundo afora mas desconhecido por aqui. Seria elaborado a partir das declarações de renda recebidas pela Receita Federal, com o compromisso de preservar o sigilo individual dos contribuintes. Conteria números, não nomes.

O documento permitiria ao País saber mais sobre si e, a partir daí, discutir propostas de melhoria da distribuição de renda via taxação das fortunas. Sua ausência foi a razão para o Brasil ter ficado de fora do livro de Piketty. “A sociedade brasileira não dispõe de informações sobre a distribuição da riqueza e dos efeitos da tributação vigente em reduzir as desigualdades”, diz o autor do projeto, deputado Claudio Puty (PT-PA). “Assim, torna-se imperioso que sejam produzidas informações estatísticas de qualidade para guiar políticas públicas efetivas em reduzir as desigualdades.”

O País possui uma tradição de pouco tributar a propriedade e a riqueza. Ao contrário do que ocorre pelo globo, prefere bancar políticas e funcionários públicos com dinheiro arrecadado no comércio de bens e serviços. A opção afeta os mais pobres, pois eles não conseguem economizar e pagam impostos em todas as suas compras – de carne, de roupa, de celular. No Brasil, 44% da arrecadação nasce no consumo. Nos Estados Unidos, são 18%. Na França, 25%. Nos EUA, o peso dos tributos sobre a renda e sobre o patrimônio no total arrecadado é o dobro daqui: 56% a 27%.

Os números acima são da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade internacional a congregar países ricos. Foram usados pelo futuro ministro da Fazenda, Joaquim Levy, em um artigo publicado em setembro sob o título de Robustez fiscal e qualidade do gasto como ferramentas para o crescimento. No texto, ele diz que a taxação do consumo no Brasil “é muito maior do que na maioria dos países, inclusive desenvolvidos, e tem efeitos negativos sobre a distribuição de renda”.

Companheiro de Levy na futura equipe econômica, Nelson Barbosa publicou um mês antes o artigo Para conhecer melhor a distribuição de renda e riqueza no País, mostrando-se um entusiasta da lei de Puty. Até propôs reforçar o orçamento da Receita Federal, para os técnicos poderem estudar mais este tipo de assunto. “Nos últimos anos, o Brasil foi uma das poucas grandes economias do mundo em que a desigualdade da distribuição de renda do trabalho caiu. Já está na hora de ampliarmos nossos estudos sobre o tema para a renda do capital e a riqueza.”

Será que vamos mesmo?

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