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Desenvolvimento para quem?

Projeto de terminal portuário de combustíveis ameaça o meio ambiente e comunidades tradicionais

Imagem: iStockphoto
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Um projeto no litoral nordestino oferece sérios riscos ambientais, além de ameaçar comunidades locais de pescadores, marisqueiras, quilombolas e indígenas. A obra, estimada em mais de 800 milhões de reais e de responsabilidade da empresa Tabulog Tabu Logística, é para a instalação de um terminal portuário de combustíveis na Praia de Pitimbu, na Paraíba, na divisa com Goiana, em Pernambuco. Cabe à Superintendência de Administração de Meio Ambiente (Sudema) paraibana e ao Conselho de Meio Ambiente da Paraíba dar aval ao empreendimento, que promete abrir 224 postos de trabalho e gerar impostos para o município.

“Novamente, nos vemos obrigados a escolher entre o desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente. No momento em que acontece a ­COP-27, todo mundo preocupado com as mudanças climáticas globais, querendo diminuir o uso de combustíveis fósseis no mundo, esse projeto vai sacrificar pescadores, que sobrevivem do que a natureza oferece”, critica o antropólogo Pedro Castelo Branco Silveira, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco. “Quais são as vantagens previstas? Com certeza o empreendedor terá benefícios financeiros. Mas quantos milhares de pescadores podem ter as suas atividades centenárias prejudicadas por conta desse empreendimento? As populações mais vulneráveis colhem os prejuízos, enquanto os lucros ficam para os empresários. Isso é um caso clássico de injustiça e racismo ambiental.”

Pescadores, marisqueiras, quilombolas e indígenas arcarão com os prejuízos do empreendimento

O Terminal Portuário Tabulog terá como atividade principal o armazenamento e distribuição de combustível líquido. O ponto servirá de embarque e desembarque de navios de grande e médio portes, oriundos de vários países e estados brasileiros, que devem operar no local para encher e esvaziar os tanques por um período entre 24 e 30 horas. Segundo o Estudo de Impacto Ambiental, o empreendimento seria construído em três fases, a partir de várias estruturas de tanques modulares instalados tanto no mar quanto em terra. “A particularidade desse projeto, do ponto de vista ambiental e também de engenharia, é que ele não é um porto convencional. Tem uma estrutura de boia que fica a 16 quilômetros da costa e isso traz o impacto ambiental tanto na terra quanto no lado marinho”, explicou Leonardo Steiner, engenheiro ambiental responsável pelo documento, durante audiência pública ocorrida na sexta-feira 18, em Pitimbu.

O estudo contratado pela própria ­Tabulog Tabu Logística apresenta o impacto devastador da obra, capaz até de introduzir no litoral brasileiro predadores da vida marinha, como o coral-sol e o peixe-leão, que chegariam com os navios vindos de outros países. Além disso, alerta o documento, existe o risco de vazamento de combustível e haverá, de imediato, a diminuição da área de aproveitamento turístico e de uso da praia para a pesca, uma vez que em mais de 500 metros no entorno do terminal o acesso seria restringido. “Caso aconteça algum tipo de acidente, você vai ter uma redução de recursos pesqueiros e uma perda do hábitat marinho”, admitiu Steiner, sugerindo ações mitigatórias para tais problemas. “Você cria os planos e programas para poder diminuir esse impacto e o que não consegue mitigar, compensa.” Em 2019, o litoral nordestino foi fortemente impactado por toneladas de petróleo vindas do alto-mar, causando um efeito devastador na vida marinha e em manguezais, com grande prejuízo para quem vive da pesca. Até hoje o desastre segue causando problemas para as comunidades afetadas.

Impacto. O ponto atrairá navios de grande porte, com reflexos na vida marinha – Imagem: Redes sociais

Segundo Severino dos Santos, educador social e secretário do Conselho Pastoral dos Pescadores de Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, caso o terminal portuário seja instalado, o empreendimento vai afetar drasticamente a pesca da lagosta. “Com a previsão de atracação de navios petroleiros, a área de exclusão da pesca pode chegar a 2 quilômetros e a boia vai ficar exatamente onde há a pesca da lagosta. Temos 150 embarcações lagosteiras e um total de 750 pescadores que terão ­suas áreas afetadas”, denuncia. “O estudo prevê a geração de, aproximadamente, 3 mil empregos na fase de implantação e 224 quando o empreendimento estiver em funcionamento, mas desconsidera o desemprego na atividade pesqueira que deverá provocar. Esses trabalhadores devem migrar para outras regiões.”

A geração de empregos e a arrecadação de impostos foram os principais argumentos apresentados por Geraldo Lucena, representante da Tabulog Tabu Logística, na audiência pública. “Durante a execução da obra, a gente vai gerar 10,3 mil empregos diretos e indiretos e, na conclusão do projeto, teremos 224. Vai ter também um aumento de arrecadação previsto de ICMS da ordem de 429 milhões de reais ao ano e de ISS 4,4 milhões de reais no período, além da movimentação econômica e do crescimento do município”, discursou. Também presente na audiência, a promotora pública Miriam Vasconcelos recomendou que a Sudema não emita parecer favorável ao empreendimento enquanto o Ibama, o ICMBio e a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) não se pronunciarem. Ela entende que é de competência da União conceder a licença para a implementação do projeto, e não do governo da Paraíba, e afirmou que iria enviar um relatório do Ministério Público para o órgão estadual, oficializando a posição contrária à obra.

“É um caso clássico de injustiça e racismo ambiental”, denuncia pesquisador da Fundaj

“Recomendamos que não haja licença prévia, enquanto o ICMBio, a SPU e o Ibama não forem oficiados para fazerem um estudo técnico sobre os pontos positivos e negativos do EIA/Rima e ­suas consequências. Afinal de contas, foram mostrados aqui apenas quatro pontos positivos. O resto é tudinho negativo”, afirmou, para alívio dos pescadores e marisqueiras que lotavam o auditório. Consultado pela reportagem, o ICMBio disse que só pode se pronunciar sobre a obra depois de receber um parecer da reserva extrativista da região. Na Sudema, os dados sobre o projeto são analisados pela Comissão de Análise de ­­EIA/Rima. Será elaborado um parecer técnico, o qual será encaminhado ao Conselho Estadual de Meio Ambiental, para que este faça a aprovação ou não do licenciamento ambiental.

“Fomos impactados por um vazamento de petróleo em várias praias em 2019, e até hoje vemos o sofrimento de muitos pescadores causado pelo desastre. Se fizerem esse porto flutuante na nossa praia e houver um derramamento de diesel, de gasolina, de gás, de etanol, como é que vai ficar? Dizem que vão empregar, mas a gente sabe que muitas empresas trazem trabalhadores de fora, o que deixaria a nossa comunidade ainda mais vulnerável. Os pescadores vão morrer de fome”, desabafa Nadiedja Santos, da Associação das Marisqueiras de Acaú, uma das praias de Pitimbu.

Pedro Silveira assina uma nota técnica da Fundaj, na qual critica o ­ EIA/Rima por excluir do limite do empreendimento e dos impactos que deverá gerar as praias localizadas no município do Conde, como a paradisíaca ­Tambaba, e parte do litoral norte de ­Pernambuco, a abranger os municípios de Itamaracá e Itapissuma. A região conta com comunidades quilombolas e de pescadores que não estão sendo ouvidas para discutir a implantação do projeto, uma afronta à Convenção 169 da OIT, que orienta que esses grupos sejam consultados “cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”. Mesmo nas comunidades procuradas pela empresa, relatam pescadores e marisqueiras, não ocorrem consultas públicas, e sim conversas com lideranças, apenas para informá-las sobre o projeto. Na prática, não são ouvidos.

Riscos. Em 2019, a costa nordestina sofreu com um gigantesco derramamento de óleo. O temor da repetição do desastre foi exposto na audiência pública do projeto – Imagem: Redes sociais e Prefeitura de Camaçari/GOVBA

Na nota técnica, Pedro Saraiva diz que o terminal pode gerar graves impactos socioambientais diretos e indiretos, além de riscos de acidentes altos e permanentes, agravando um histórico recente de situações de emergência socioambiental na região e de vulnerabilização das comunidades tradicionais pesqueiras. Com base no EIA/Rima, o documento da Fundaj confirma a existência de alto risco de vazamento de produtos perigosos, afetando a biodiversidade marinha e a pesca artesanal. Na fase da operação, a nota prevê grande produção de resíduos sólidos tóxicos e a introdução de espécies invasoras pelo lançamento de água de lastro dos navios, que inclui aumento do risco de ataques de tubarões na região e o risco de episódios de lavagem ilegal dos tanques dos navios, gerando situações repetidas de contaminação das águas e manguezais para além dos já previstos.

Ao falar na audiência pública, a prefeita de Pitimbu, Adelma Cristina Passos, do PDT, ensaiou defender o empreendimento, justificando o ganho de impostos que, segundo ela, seria uma oportunidade profissional para a população mais jovem, que não pretende seguir os pais na pescaria. “Precisamos preservar? Precisamos. Precisamos cuidar do meio ambiente? Precisamos. Mas precisamos cuidar também e dar qualidade de vida às pessoas. Pitimbu precisa se desenvolver. Só a pesca não é o suficiente para cuidar desse povo, para cuidar das famílias de vocês. Os filhos de vocês hoje não querem pescar, não querem ser marisqueiras. Quantas mães chegam para mim e pedem uma ajuda para um curso, para uma passagem, porque não querem ver a filha nem o filho com a mesma profissão delas?”, discursou a prefeita, sendo interrompida pelos presentes, que não concordavam com o que ouviam. Diante da reação negativa do público, a prefeita concluiu: “Estou falando de modo geral do desenvolvimento. Mas, a Tabulog não é algo que a gente vê com bons olhos, não é boa para o pescador nativo”. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1236 DE CARTACAPITAL, EM 30 DE NOVEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Desenvolvimento para quem? “

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