Economia

Desconfiança estrangeira com governo Bolsonaro alimenta dólar recorde

Segundo analista, investidor internacional não tem a mesma fé ideológica no ministro Paulo Guedes

O ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Fábio Pozzebom/Agência Brasil
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O Brasil vive um paradoxo econômico em 2019. O volume de negócios na bolsa de valores atinge níveis históricos, um sinal de otimismo e confiança com a economia. Ao mesmo tempo, a cotação do dólar atinge um valor recorde, e o Banco Central (BC) registra o maior descompasso entre entrada e saída de moeda americana já visto por aqui, o que indica pessimismo e desconfiança.

Até outubro, o chamado fluxo cambial foi negativo em 21 bilhões de dólares. Em 18 de novembro, a moeda americana valia 4,20 reais, maior preço desde o início do Plano Real, em 1994. As explicações para o descompasso incluem juro do BC no piso histórico, guerra comercial Estados Unidos-China e a decisão de muito exportador de deixar lá fora o que faturou com vendas.

No mercado financeiro, há quem acrescente um outro ingrediente para explicar o fluxo cambial negativo. Um ingrediente por trás do paradoxo econômico de 2019: a desconfiança de investidores estrangeiros com o futuro da economia brasileira diante do que é a agenda neoliberal do ministro Paulo Guedes e do que ela tem sido capaz de produzir até agora.

Um analista do “mercado” que traça cenários político-econômicos para clientes internacionais diz que desde a eleição há uma diferença de postura entre os estrangeiros e os investidores nacionais. Estes últimos são crentes em Guedes e em Jair Bolsonaro, por razões ideológicas. Os internacionais, não. 

O que se vê na bolsa comparado ao que acontece no fluxo cambial é didático sobre essa diferença. O volume de negócios na Bovespa, onde o peso maior é de capitalistas nacionais, atingiu agora em novembro níveis nunca vistos, 108 mil pontos no dia 4. 

Presidente do BC no segundo governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o economista liberal Armínio Fraga tem dito em manifestações públicas que o humor dos capitais estrangeiros com o Brasil tem sido influenciado pela péssima imagem do governo Jair Bolsonaro.

O analista que falou a CartaCapital esteve há algumas semanas no exterior, a conversar com empresas e fundos de investimento. Para ele, a fuga de dólares só não é pior porque os estrangeiros se dizem sem opção de aplicação em países emergentes. Argentina e África do Sul com economias debilitadas, México com um presidente de esquerda menos moderado do que parecia, e por aí vai.

“O Brasil tem um fluxo cambial negativo este ano sem greve de caminhoneiros como em 2018, sem escândalo JBS como em 2017, sem impeachment como em 2016, sem recessão como em 2015, sem eleição radicalizada como em 2014, sem grandes protestos de rua como em 2013”, diz o analista. “E mesmo assim, a bolsa sobe, porque os investidores nacionais dobraram a aposta na política econômica.”

É uma política econômica decepcionante até aqui. O “mercado” calcula crescimento de 0,9% este ano e de 2% em 2020, menos do que estimava em janeiro, 2% e 2,5%, respectivamente. Falta motor ao PIB. O governo pouco investe, por opção ideológica. Idem o empresariado, devido ao consumo morno resultante do desemprego alto. 

 

Em setembro, último dado disponível, o desemprego era de 11,8%, acima do recebido por Jair Bolsonaro (11,6%). Havia 12,5 milhões de brasileiros desocupados e 4,7 milhões que desistiram de procurar vaga. A informalidade e os trabalhadores por conta própria batem recorde. Emprego com carteira virou miragem: 33,1 milhões, 100 mil a menos do que no início da reforma trabalhista, há exatos dois anos. 

Desde a reforma, o salário médio não mexeu, 2,2 mil reais. Quadro que deve mudar pouco com medidas anunciadas pelo governo em 10 de novembro. Firma que contratar jovem de até 29 anos com salário máximo de 1,497 mil não recolherá ao INSS. Trabalho aos domingos sem direitos extras está liberado. Precarização na linha da reforma trabalhista que prometia gerar 2 milhões de empregos e não gerou. 

Com trabalhadores mal pagos e/ou na rua, a inflação está sob controle (2,6% até outubro) mesmo com a menor taxa de juros do BC (5% ao ano). A desigualdade de renda dispara e nem contempla ainda o que acontece em 2019. Metade dos trabalhadores vivia com até 413 reais por mês em 2018, menos da metade do salário mínimo, ao qual Paulo Guedes não quer dar ganho real. 

Acreditar que a economia brasileira irá decolar se mostra um ato de fé por parte dos investidores nacionais.

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