Economia
De operário a patrão
Altair Vilar, ex-sindicalista, foi da demissão da Usiminas ao comando de um negócio de 3 bilhões de reais


O sindicalista metalúrgico que virou empresário Altair Vilar não quer saber de investidores no Cartão de TODOS e na sua rede de clínicas Amor Saúde. “Trazer investidor para participar, não vou. Se tivesse investidor, não teria condições de continuar com 24 reais a consulta. Poderia passar a 70 reais, mantendo a mesma quantidade de afiliados, mas não é esse o objetivo”, assegura. “O motivo de existir de uma empresa é suprir uma necessidade da comunidade, da sociedade.”
Vilar encontrou na necessidade de uma alternativa acessível entre os planos de saúde e o SUS o segredo para prosperar no disputado mercado de atendimento médico de base. Sua rede concorre com companhias do porte do Dr. Consulta, da clínica SIM (Fortaleza) e da Dr. Tudo (Rio de Janeiro), todas bafejadas com vultosos investimentos de firmas de capital de risco, entre elas a Monashees e a Kaszek, líderes nos aportes em healthtechs na América Latina. Em 2021, em plena pandemia, a TODOS Empreendimentos teve faturamento estimado em 3,2 bilhões de reais, praticamente o dobro do valor de 1,6 bilhão do ano anterior. A companhia que começou com 5 mil afiliados, em 2001, chegou a 1,9 milhão em 2018 e hoje tem 5 milhões de clientes ativos, ou seja, aqueles em dia com suas mensalidades e usuários recorrentes dos serviços do cartão. A pandemia quase fez a empresa fechar as portas, mas Vilar impôs uma campanha de afiliações ultra-ambiciosa à sua força de vendas de 4,5 mil funcionários – “todos com carteira assinada”, frisa. Resultado: no dia D, em 21 de abril de 2020, o número de novas afiliações saltou da média de 1,8 mil a 1,9 mil para 10 mil. Em outubro, foram 182 mil afiliações no mês, recorde absoluto desde a fundação do negócio há exatos 21 anos, quando Vilar foi demitido da Usiminas assim que deixou seu segundo mandato como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Ipatinga, no Vale do Aço de Minas Gerais.
O operário adquiriu a expertise em negócios e finanças como presidente do clube de investimentos dos funcionários da siderúrgica. Como presidente do sindicato, desfiliou-se da Força Sindical e uniu-se à Central Única dos Trabalhadores. A inspiração do cartão TODOS (Trabalhadores Orientados em Defesa da Organização Social, mote da oposição metalúrgica de Ipatinga, em 1985) veio das visitas ao Ig Metall, o maior sindicato metalúrgico do mundo, com 2,27 milhões de filiados na Alemanha, e seu modelo assistencialista. “O mais difícil de alcançar foi a afiliação das primeiras 5 mil famílias em Ipatinga”, recorda. Nos anos seguintes, o projeto foi expandido para as cidades vizinhas e, depois, para todos os estados do País, tornando-se um dos maiores cartões de descontos do Brasil. O carro-chefe é a clínica popular AmorSaúde, com 376 unidades que oferecem atendimento primário, de baixa e média complexidade, exames médicos em associação com alguns dos maiores laboratórios do País e serviços odontológicos. Emprega 8,5 mil médicos, 4,5 mil dentistas e cerca de mil paramédicos. Os afiliados são famílias que pagam mensalidades de 27,50 reais, não importa o número de dependentes. A consulta com um clínico geral custa 24 reais. As especialidades custam 32 reais, e os exames, de 8 a 14 reais – valores congelados desde novembro, quando a mensalidade era de 25 reais.
A TODOS oferece planos de saúde acessíveis às classes C e D
Vilar também expandiu o leque de serviços do cartão de descontos para a área educacional. Oferece 1,2 mil cursos (a maioria profissionalizantes) para 226 mil alunos, a 9,99 reais. Outra vertente é uma incubadora de franquias, que constituem, aliás, um dos pilares da expansão do cartão TODOS. As franquias são de propriedade mista: as próprias e aquelas em regime de parceria, onde a empresa mantém 20% da sociedade. Nesse caso, a parceria é com a iniciativa privada, com empresários próximos ao quadro societário (médicos, administradores e outros), que investiram e fomentaram o crescimento da rede. O projeto Minha Franquia, Meu Negócio existe há cerca de cinco anos, com uma média de 15 a 20 colaboradores anualmente escolhidos para se tornarem empresários e franqueados da rede. “Incentivamos o empreendedorismo: é melhor ter um parceiro do que um empregado”, assinala o ex-metalúrgico.
O segredo da rentabilidade está no cartão de descontos, aceito em cerca de 11 estabelecimentos no País, e que fez a companhia ficar conhecida. “A margem por consulta é muito apertada e você precisa achar outras formas de ganhar dinheiro. O que o Cartão de Todos faz? Cobra mensalidade para dar desconto nas consultas e isso dá recorrência”, afirma Luís Mazzarella, sócio da JK Capital. “Se você pensar que o Brasil tem 47 milhões de vidas nos planos de saúde, eles são muito grandes.”
Vilar credita o crescimento do TODOS à soma de alta escala e baixo preço, cerne de sua “administração solidária” (título de seu livro que mescla autobiografia com a história do País desde os anos 1950 e doutrinas consagradas de administração, como gerência por objetivo, do guru do management Peter Drucker). “Praticamos o modelo de precificação chinesa: cobrar pouco e vender muito”, resume. Colecionador de corujas, com cerca de 2 mil peças, o empresário está de olho no mercado internacional e na classe E. Já instalou 13 unidades em Bogotá, postos experimentais no Chile e nos Estados Unidos, e até o fim do ano pretende entrar no México. O maior desafio é, no entanto, estender seu cartão de descontos aos 20 milhões de brasileiros da classe E, que não têm condições de assumir uma mensalidade de 27,50 reais, mais consulta, exames, remédios, que somam um ônus de 375 reais, em média. “Tentamos elaborar algo específico. Esse é um dos maiores desafios nossos: ver como ampliar o atendimento às camadas mais necessitadas, o que podemos fazer, de fato, sem enganar os clientes. Estamos empenhados e acreditamos piamente que o ano que vem será um ano de soluções, que o Brasil todo vai ter soluções”, afirma. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1224 DE CARTACAPITAL, EM 7 DE SETEMBRO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “De operário a patrão”
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