Economia

Cura e prevenção

Se todos cortam gastos, realizam superávits e pretendem se tornar líquidos ao mesmo tempo, o resultado só pode ser a queda da renda e do emprego e o crescimento do peso das dívidas

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Na europa do euro 2012, os mercados de dívida soberana transferem a turbulência para os bancos. Depois dos gregos, os espanhóis entraram na dança. Os italianos tiritam às portas do baile sinistro. Quanto aos franceses e alemães, financiadores dos irmãos periféricos, é só aguardar. A crise financeira europeia chega ao seu estágio supremo.

Tudo começou quando os sopradores da bolha imobiliária perderam o fôlego em 2008, sufocados pela queda dos preços dos imóveis e pela desvalorização dos ativos financeiros originados e distribuídos a partir dos pacotes de créditos hipotecários. Na posteridade do colapso, escancarou-se um estoque de endividamento “excessivo” das famílias gastadoras e das instituições financeiras montadas em estruturas “alavancadas”.

No caso das famílias espanholas, por exemplo, o peso da dívida tornou-se insustentável, quer calculado em relação aos fluxos esperados de rendimentos, quer comparado ao valor cadente das residências. Por um lado, o avanço do desemprego anunciava a queda da renda dos devedores e, portanto, o aumento da inadimplência. Por outro, o patrimônio das famílias (o preço das casas) despencava ladeira abaixo.

A dívida dos governos engordou cevada pela queda das receitas, pela ampliação automática das despesas e pelo socorro aos bancos moribundos. Aliviadas da carga de ativos podres do setor privado – graças à ação dos bancos centrais – as instituições financeiras, num primeiro momento, acolheram mais dívida soberana em seus balanços. Logo depois partiram para a desalavancagem agressiva: trataram de acumular reservas excedentes e de evitar novos empréstimos aos privados, até mesmo às suas congêneres.

As famílias com patrimônio negativo e as empresas sobrecarregadas de capacidade correm para os confortos da liquidez e do reequilíbrio patrimonial. Os países e as regiões se engalfinham: uns para reverter os déficits externos, outros para manter seus superávits. Os governos – os europeus germanizados e os americanos atormentados pelas tolices republicanas – adotam políticas de austeridade fiscal.

A essa gente e a seus acólitos no resto do mundo não ocorre pensar que tais decisões são “racionais” do ponto de vista microeconômico e virtuosas sob a ótica da gestão das finanças domésticas, mas perversas para o conjunto da economia. Se todos pretendem cortar gastos, realizar superávits e se tornar líquidos ao mesmo tempo, o resultado só pode ser a queda da renda, do emprego e o crescimento do peso das dívidas, cujo valor está fixado em termos nominais. É o paradoxo da desalavancagem, também conhecido como o inferno das boas intenções, cujas chamas crepitam no conhecido, mas sempre descuidado território das falácias de composição. Se bem interpretadas, as falácias poderiam nos aconselhar a discernir os fundamentos macroeconômicos da microeconomia.

Keynes escreveu a Teoria Geral para explicar um momento de “ruptura de expectativas” – a Grande Depressão – e não a ocorrência de simples flutuações cíclicas da economia capitalista. Nas flutuações cíclicas, a contração do investimento e do consumo deprime a acumulação interna das empresas e a renda das famílias, suscitando problemas de endividamento e risco que podem ser resolvidos com mudanças suaves na política monetária e na velocidade e intensidade do gasto público.

Nas crises, ocorre o colapso dos critérios de avaliação da riqueza que vinham prevalecendo. As expectativas de longo prazo capitulam diante da incerteza e não é mais possível precificar os ativos. Os métodos habituais que permitem avaliar a relação risco-rendimento dos ativos sucumbem diante do medo do futuro. A obscuridade total paralisa as decisões e nega os novos fluxos de gasto.

Na perspectiva keynesiana, a estabilização do investimento e a regulação da finança – com o propósito de impedir as crises deflacionárias e a queda abrupta da renda e do emprego – deveriam estar inscritas de forma permanente nas políticas do Estado. Diz Keynes numa resposta irada a James Meade: “Você acentua demais a cura e muito pouco a prevenção. A flutuação de curto prazo no volume de gastos em obras públicas é uma forma grosseira de cura, provavelmente destinada ao insucesso”.

A geração de déficits monumentais e as políticas exasperadas de liquidez são “formas grosseiras” e danosas de sustentação do lucro macroeconômico e de proteção dos portfólios privados. Mas, diante da fuga desatinada para a liquidez e para a segurança, tornam-se inevitáveis o desequilíbrio fiscal, a ampliação do espectro de ativos privados a serem absorvidos pelo balanço do Banco Central e o crescimento do débito público na composição dos patrimônios privados.

Na europa do euro 2012, os mercados de dívida soberana transferem a turbulência para os bancos. Depois dos gregos, os espanhóis entraram na dança. Os italianos tiritam às portas do baile sinistro. Quanto aos franceses e alemães, financiadores dos irmãos periféricos, é só aguardar. A crise financeira europeia chega ao seu estágio supremo.

Tudo começou quando os sopradores da bolha imobiliária perderam o fôlego em 2008, sufocados pela queda dos preços dos imóveis e pela desvalorização dos ativos financeiros originados e distribuídos a partir dos pacotes de créditos hipotecários. Na posteridade do colapso, escancarou-se um estoque de endividamento “excessivo” das famílias gastadoras e das instituições financeiras montadas em estruturas “alavancadas”.

No caso das famílias espanholas, por exemplo, o peso da dívida tornou-se insustentável, quer calculado em relação aos fluxos esperados de rendimentos, quer comparado ao valor cadente das residências. Por um lado, o avanço do desemprego anunciava a queda da renda dos devedores e, portanto, o aumento da inadimplência. Por outro, o patrimônio das famílias (o preço das casas) despencava ladeira abaixo.

A dívida dos governos engordou cevada pela queda das receitas, pela ampliação automática das despesas e pelo socorro aos bancos moribundos. Aliviadas da carga de ativos podres do setor privado – graças à ação dos bancos centrais – as instituições financeiras, num primeiro momento, acolheram mais dívida soberana em seus balanços. Logo depois partiram para a desalavancagem agressiva: trataram de acumular reservas excedentes e de evitar novos empréstimos aos privados, até mesmo às suas congêneres.

As famílias com patrimônio negativo e as empresas sobrecarregadas de capacidade correm para os confortos da liquidez e do reequilíbrio patrimonial. Os países e as regiões se engalfinham: uns para reverter os déficits externos, outros para manter seus superávits. Os governos – os europeus germanizados e os americanos atormentados pelas tolices republicanas – adotam políticas de austeridade fiscal.

A essa gente e a seus acólitos no resto do mundo não ocorre pensar que tais decisões são “racionais” do ponto de vista microeconômico e virtuosas sob a ótica da gestão das finanças domésticas, mas perversas para o conjunto da economia. Se todos pretendem cortar gastos, realizar superávits e se tornar líquidos ao mesmo tempo, o resultado só pode ser a queda da renda, do emprego e o crescimento do peso das dívidas, cujo valor está fixado em termos nominais. É o paradoxo da desalavancagem, também conhecido como o inferno das boas intenções, cujas chamas crepitam no conhecido, mas sempre descuidado território das falácias de composição. Se bem interpretadas, as falácias poderiam nos aconselhar a discernir os fundamentos macroeconômicos da microeconomia.

Keynes escreveu a Teoria Geral para explicar um momento de “ruptura de expectativas” – a Grande Depressão – e não a ocorrência de simples flutuações cíclicas da economia capitalista. Nas flutuações cíclicas, a contração do investimento e do consumo deprime a acumulação interna das empresas e a renda das famílias, suscitando problemas de endividamento e risco que podem ser resolvidos com mudanças suaves na política monetária e na velocidade e intensidade do gasto público.

Nas crises, ocorre o colapso dos critérios de avaliação da riqueza que vinham prevalecendo. As expectativas de longo prazo capitulam diante da incerteza e não é mais possível precificar os ativos. Os métodos habituais que permitem avaliar a relação risco-rendimento dos ativos sucumbem diante do medo do futuro. A obscuridade total paralisa as decisões e nega os novos fluxos de gasto.

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