Economia

assine e leia

Cupom vs. Copom, Parte II

Até agora não entenderam o que o nosso Banco Central está fazendo

Cupom vs. Copom, Parte II
Cupom vs. Copom, Parte II
O regime de metas é uma ficção construída por uma teoria macroeconômica interestelar, porque vive de crença – Imagem: LucasFilm Ltd
Apoie Siga-nos no

Na saga Star Wars, temos os Jedi, antiga ordem de cavaleiros que usam a Força para manter a paz e a justiça na galáxia, sempre agindo pelo lado luminoso. Os amantes da arte cinematográfica vão lembrar o Jedi mais famoso, Obi-Wan Kenobi, que dizia sempre: “Eu tenho a força!”

A regra de Taylor entende que o Comitê de Política Monetária seria uma espécie de Jedi: eu tenho a força e a independência de determinar a taxa de juros básica.

Guerra nas Estrelas é uma obra de ficção científica, assim como o regime de metas é uma ficção teórica construída por uma teoria macroeconômica inter­estelar, porque vive de crenças, não do mundo em que o capitalismo sobrevive.

Nessa economia não há exportações, importações nem fluxos de capital internacionais. Não há taxa de câmbio e a taxa de juros é fixada com total independência. Hoje, o regime de metas prevalece na maioria dos países, à exceção da China e dos Estados Unidos da América.

O economista John Taylor espalhou o vírus do regime de metas mundo afora. Quando a inflação está acima da meta, aumenta a taxa de juros; quando está abaixo da meta, diminui. A força da suposta racionalidade afasta qualquer opinião contrária. Os Jedais da Força decidem se a meta deve ser de 3%, 4% ou 5%.

Diz Ron McKinnon: “Só existe um ­país verdadeiramente independente que pode definir sua política monetária: os Estados Unidos”.

As outras moedas estão subordinadas ao dólar. Acreditar que qualquer Banco Central no mundo determina sua taxa de juros como se fosse o Federal Reserve é acreditar no Obi-Wan Kenobi.

No regime de metas, só existe a ­moe­da doméstica e, assim, o Banco Central tem a Força. Essa concepção acredita que o país não mantém relações comerciais e financeiras com o exterior.

O Brasil tem câmbio flutuante desde 1999, com a abertura da conta de capitais. Desde o Plano Real, os capitais forâneos entram e saem livremente.

A taxa de câmbio é o elemento crucial na formação de preços, e determina a taxa de juros interna, não o contrário. É de um maquiavelismo rasteiro dizer que a atual gestão incentiva o rentismo, mais formidável ainda é a vastidão de opi­niões na mídia daqueles que até agora não entenderam o que o nosso Banco Central está fazendo.

O amaldiçoado rentismo está no DNA do capitalismo: é congênito ao sistema. Não há essa troca entre produção e rentismo; nesse sistema, vive-se o dilema da incerteza do futuro, que afeta as decisões entre investir e buscar liquidez imediata.

No mundo das finanças, o risco das empresas é definido assim: exposição a variações de taxas de câmbio, de juros, receitas e custos. Isso confere extrema importância à gestão de riscos, mediante o uso de opções, hedges e swaps. Em um dia normal, a B3 negocia cerca de 300 bilhões de dólares nos contratos de dólar futuro que são denominados em reais e 1 trilhão de reais na taxa DI, taxa futura de juros do mercado interbancário.

Mais uma vez, há que esclarecer: os contratos futuros de dólar na B3 são ativos financeiros negociados em reais. O dólar é a moeda (ativo) subjacente. O contrato de cupom cambial indica ao mercado se vale a pena ficar posicionado na compra ou na venda de dólar futuro. Apostar contra ou a favor do real em relação à moeda norte-americana é tomar posição sobre a valorização ou a desvalorização do real em relação ao dólar.

A internacionalização das carteiras impõe formidáveis desafios aos países de moeda não conversível

Claudio Borio, economista do Banco de Compensações Internacionais, já desvelou a verdade que a maioria dos analistas se esforça por esconder sob a rica tapeçaria de seus inefáveis saberes fiscalistas. A morfologia dos movimentos de capitais é intrinsecamente pró-cíclica em sua recorrência maníaca. Vai da abundância de grana estrangeira às paradas súbitas, momentos de fuga para a praça financeira dos Estados Unidos, o Senhor da Moeda

Esse “eterno retorno do mesmo” (Nietzsche, tenha piedade) está determinado pela interação entre a liberalização das contas de capitais das economias “emergentes”, polos eventuais de atração da movimentação financeira e o papel dos Estados Unidos como provedores de ativos líquidos de “última instância”, os títulos do Tesouro norte-americano.

A interpenetração financeira suscitou a diversificação dos ativos à escala global, o inchaço dos mercados futuros de câmbio e juros e, assim, impôs a “internacionalização” das carteiras dos administradores da riqueza, o que coloca formidáveis desafios às políticas monetárias dos países de moeda não conversível.

Diante da enxurrada de capitais empenhados na arbitragem promovida pelo diferencial de juros entre os mais fortes e os mais fracos, os emergentes levam surras periódicas dos agentes da finança, dizem, dotados de expectativas racionais.

Num ambiente internacional de livre movimentação de capitais, os Bancos Centrais dos países de “moeda fraca” encontram dificuldades em manter, simultanea­mente, boas condições de crédito doméstico e a estabilidade de suas moedas.

O controle da liquidez em moeda forte é, portanto, crucial para a sempre precária combinação entre estabilidade e crescimento nas economias de ­moeda não conversível. Os países periféricos mais bem-sucedidos, como a China, preferiram manter controles seletivos e pragmáticos de câmbio e de capitais. Acumulam reservas elevadas em moeda forte (dólares ou euros) com o propósito de evitar “choques de desvalorização” que possam afetar negativamente os preços, o que impõe a elevação da taxa de juros doméstica.

Diante de frequentes episódios de aguçamento da instabilidade cambial, as vozes de sempre descarregaram as culpas sobre os ombros das “condições internas”. Proclamam – sempre e sempre – os danos do “risco fiscal”, exibido como um pecado irremissível. Ignoram que os países de moeda não conversível se dilaceram entre o objetivo de manter a inflação sob controle e o de não prejudicar o crescimento.

Seja como for, a sucessão de episódios de valorização/desvalorização demonstra que a almejada correção dos chamados desequilíbrios globais vai exigir regras não compatíveis com o sistema monetário internacional em sua forma atual. O movimento dos BRICS revela a reação de um conjunto de países diante dos percalços a eles causados por uma estrutura financeira global monetariamente hierarquizada, comandada pelo poder do dólar. •

Publicado na edição n° 1389 de CartaCapital, em 26 de novembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Cupom vs. Copom, Parte II’

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo