Economia

Credibilidade à italiana

A diferença entre a Grécia e a Itália é que a segunda, com Mario Monti, adquiriu uma nova postura, de grande seriedade. Ele mexeu inclusive nos negócios do papa

Segundo Mario Monti, o plano de rigor de 20 bilhões de euros deve permitir à Itália cumprir com sua meta orçamentária de 2013. Foto: AFP
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As pesquisas mostram que metade dos alemães quer que a Grécia abandone o euro – a boa notícia é que a outra metade deseja que ela continue. É preciso compreender que a questão, no fundo, é que os alemães são extremamente virtuosos em política monetária.

Depois que sofreram a hiperinflação nos anos 20 do século XX, eles tomaram horror pela coisa e se tornaram monetaristas estritos. Levam a sério o controle da moeda, são muito organizados e têm excelentes níveis de produtividade. É um país que conseguiu construir uma relação inteligente entre o governo e os sindicatos, de tal forma que consegue administrar os problemas dessa área sensível com bastante tranquilidade.

É um país que tem uma inflação menor e uma produtividade maior do que a dos outros, parceiros e vizinhos. E, finalmente, uma economia em que o custo do trabalho tem crescido muito menos do que nos demais países da Eurolândia.

Este é o ponto central: quando se iniciou a organização da zona europeia, os países integrantes do bloco (creio que eram 15 no início) fixaram as moedas de maneira irretratável e definitiva dentro do euro. Em 1999 começou o jogo em que todos substituíram as suas moedas pelo euro. Parecia que estava tudo sob equilíbrio. O que aconteceu?

Tome-se um caso como o italiano: por que a Itália está nessa situação e a Alemanha não? O custo unitário do trabalho na Alemanha nesses anos todos (de 1999 até 2011) cresceu 5%; o custo unitário do trabalho na Itália cresceu 25%. Como a taxa de câmbio real depende do crescimento do custo unitário do trabalho, significa que a moeda italiana se valorizou enormemente com relação à moeda alemã dentro do euro. Construiu-se um desequilíbrio dentro da moeda comum.

Não foi a Itália que produziu esse desequilíbrio, mas os italianos têm sua culpa em dois sentidos: não aumentaram a produtividade e mantiveram um sistema de gastos superior ao dos outros. Puderam continuar nesse regime porque, tendo entrado no euro, os juros da dívida italiana (uma das maiores do mundo em relação ao PIB), que eram de 7% ou 8%, caíram para 2%.

Na verdade, com essa queda, a sua taxa associou-se à do país mais virtuoso, a Alemanha. O que eles poderiam ter feito? Em condições normais de pressão e temperatura, deviam ter se comportado como os alemães, que flexibilizaram o mercado de trabalho, fizeram as reformas, aumentaram a produtividade, controlaram os sindicatos, cortaram os excessos dos benefícios previdenciários de tal forma que o custo unitário do trabalho na Itália tivesse crescido 5%, como na Alemanha.

Como tiveram essa redução do juro, no entanto, os italianos abriram um espaço para tomar mais dinheiro emprestado e aproveitar o que o sistema financeiro tornava disponível. O que está acontecendo agora é simplesmente o seguinte: quem emprestou quer de volta o que emprestou, com juros.

Tão simples quanto isso, seja com relação a italianos, gregos, portugueses, irlandeses etc. O caso da Grécia é mais dramático, com os detalhes que todos conhecemos já que frequentaram a mídia global por mais tempo do que os demais, em razão não apenas dos sacrifícios que lhes foram impostos, mas também pela indignação popular explícita nas ruas, praças e monumentos. Com o tamanho da explosão, a dívida grega (quase toda com o setor privado) foi cortada pela metade (na verdade um pouco mais do que isso).

A única diferença entre o drama grego e o italiano é que a Itália, com Mario Monti, adquiriu uma nova postura, de grande seriedade. Com muito pouco tempo de governo fez um programa crível de corte de despesas e de aumento de impostos.

Para acrescentar, na última semana fez um movimento fantástico: mexeu no que se imaginava imexível, ao chamar o papa para pagar um pedaço (pouco significativo) da conta. Apresentou um projeto para acabar com os benefícios de isenção de impostos que o Vaticano tem nos seus negócios. Não nos negócios das almas, mas naqueles das coisas terrenas.

É essa credibilidade que os demais devedores na Zona do Euro têm de buscar para convencer sua gente de que é possível achar um caminho decente para minimizar o seu necessário sacrifício até que se afastem os piores efeitos da crise.

As pesquisas mostram que metade dos alemães quer que a Grécia abandone o euro – a boa notícia é que a outra metade deseja que ela continue. É preciso compreender que a questão, no fundo, é que os alemães são extremamente virtuosos em política monetária.

Depois que sofreram a hiperinflação nos anos 20 do século XX, eles tomaram horror pela coisa e se tornaram monetaristas estritos. Levam a sério o controle da moeda, são muito organizados e têm excelentes níveis de produtividade. É um país que conseguiu construir uma relação inteligente entre o governo e os sindicatos, de tal forma que consegue administrar os problemas dessa área sensível com bastante tranquilidade.

É um país que tem uma inflação menor e uma produtividade maior do que a dos outros, parceiros e vizinhos. E, finalmente, uma economia em que o custo do trabalho tem crescido muito menos do que nos demais países da Eurolândia.

Este é o ponto central: quando se iniciou a organização da zona europeia, os países integrantes do bloco (creio que eram 15 no início) fixaram as moedas de maneira irretratável e definitiva dentro do euro. Em 1999 começou o jogo em que todos substituíram as suas moedas pelo euro. Parecia que estava tudo sob equilíbrio. O que aconteceu?

Tome-se um caso como o italiano: por que a Itália está nessa situação e a Alemanha não? O custo unitário do trabalho na Alemanha nesses anos todos (de 1999 até 2011) cresceu 5%; o custo unitário do trabalho na Itália cresceu 25%. Como a taxa de câmbio real depende do crescimento do custo unitário do trabalho, significa que a moeda italiana se valorizou enormemente com relação à moeda alemã dentro do euro. Construiu-se um desequilíbrio dentro da moeda comum.

Não foi a Itália que produziu esse desequilíbrio, mas os italianos têm sua culpa em dois sentidos: não aumentaram a produtividade e mantiveram um sistema de gastos superior ao dos outros. Puderam continuar nesse regime porque, tendo entrado no euro, os juros da dívida italiana (uma das maiores do mundo em relação ao PIB), que eram de 7% ou 8%, caíram para 2%.

Na verdade, com essa queda, a sua taxa associou-se à do país mais virtuoso, a Alemanha. O que eles poderiam ter feito? Em condições normais de pressão e temperatura, deviam ter se comportado como os alemães, que flexibilizaram o mercado de trabalho, fizeram as reformas, aumentaram a produtividade, controlaram os sindicatos, cortaram os excessos dos benefícios previdenciários de tal forma que o custo unitário do trabalho na Itália tivesse crescido 5%, como na Alemanha.

Como tiveram essa redução do juro, no entanto, os italianos abriram um espaço para tomar mais dinheiro emprestado e aproveitar o que o sistema financeiro tornava disponível. O que está acontecendo agora é simplesmente o seguinte: quem emprestou quer de volta o que emprestou, com juros.

Tão simples quanto isso, seja com relação a italianos, gregos, portugueses, irlandeses etc. O caso da Grécia é mais dramático, com os detalhes que todos conhecemos já que frequentaram a mídia global por mais tempo do que os demais, em razão não apenas dos sacrifícios que lhes foram impostos, mas também pela indignação popular explícita nas ruas, praças e monumentos. Com o tamanho da explosão, a dívida grega (quase toda com o setor privado) foi cortada pela metade (na verdade um pouco mais do que isso).

A única diferença entre o drama grego e o italiano é que a Itália, com Mario Monti, adquiriu uma nova postura, de grande seriedade. Com muito pouco tempo de governo fez um programa crível de corte de despesas e de aumento de impostos.

Para acrescentar, na última semana fez um movimento fantástico: mexeu no que se imaginava imexível, ao chamar o papa para pagar um pedaço (pouco significativo) da conta. Apresentou um projeto para acabar com os benefícios de isenção de impostos que o Vaticano tem nos seus negócios. Não nos negócios das almas, mas naqueles das coisas terrenas.

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