Economia

Como os bancos dos EUA preparam sua próxima crise

A regulamentação foi afrouxada, não há supervisão para valer e as instituições assumem cada vez mais riscos, alerta o economista Gerald Epstein

A ganância sempre supera a prudência
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Os bancos dos Estados Unidos e o Congresso afrouxaram a regulação do sistema financeiro e com isso preparam uma nova crise semelhante àquela de 2007-2008, alerta o economista Gerald Epstein, diretor do Instituto de Pesquisa em Política Econômica (PERI, na sigla em inglês), PhD em economia da Universidade de Princeton e autor de publicações sobre bancos centrais e finança internacional.

No atual ambiente regulatório, diz, os bancos fazem empréstimos cada vez em maior quantidade e mais arriscados e “ninguém está cuidando disso”. Epstein e outros economistas reafirmaram nas últimas semanas a existência desse risco em várias entrevistas, conferências e artigos.

No fim de maio, o Congresso revogou partes da lei federal Dodd-Frank, de 2010, criada para aumentar a transparência e a proteção aos clientes do sistema financeiro, com o argumento de que isso permitiria maior flexibilidade na administração do capital das instituições do setor.

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O afrouxamento do controle seria, segundo banqueiros e políticos, condição para promover a competição e o crescimento econômico e abriria caminho para os pequenos bancos e corretoras concorrerem com as grandes corporações. A argumentação é semelhante àquela que conduziu à desregulamentação propiciadora da crise eclodida em setembro de 2008.

A aproximação de um novo abalo não deveria surpreender, destaca Epstein, pois “o capitalismo tem crises financeiras a cada sete ou oito anos, conforme assinalou o grande economista e historiador Charles Kindleberger”.

O economista prossegue: “A razão é que a atividade bancária é por natureza extremamente arriscada. Bancos tomam empréstimos no curto prazo e repassam no longo prazo e nada e ninguém pode predizer o futuro. É usual os bancos, quando as coisas vão bem, assumirem mais e mais riscos. Captam volumes sempre maiores de recursos e fazem empréstimos de riscos crescentes. É isso o que acontece periodicamente no curso da história. Marx e Keynes falaram sobre isso”.

O problema principal, diz, é quão grave a crise é, o quanto se espalha pelo país e planeta. Isso depende de inúmeras interconexões de diversas instituições, quanto risco elas tomaram, quão especulativas e loucas são as apostas que elas fizeram.

“O tipo de crise ocorrida em 2007-2008 não é trivial, mas de uma variedade muito severa. E o que me preocupa é esse ambiente de desregulamentação financeira atual onde ninguém está vigiando os bancos. Não há ninguém realmente supervisionando eles de forma muito rigorosa, e a vigilância será cada vez menor com o passar do tempo. Assim, eles vão começar a assumir mais e mais riscos, como costumam fazer, e ninguém tentará impedir isso. Temo que, com o tempo, isso possa levar a outra crise de grandes proporções.”

O colapso não será exatamente igual ao de dez anos atrás porque a cada momento há algo diferente, com novas tecnologias e inovações, mas os impactos podem ser “muito severos”, insiste Epstein. Apesar das boas notícias sobre o crescimento da economia, a exemplo da queda do desemprego e do aumento dos salários, é preciso considerar também que os empréstimos e o endividamento estão subindo rápido, por uma série de razões.

Em primeiro lugar, enquanto há alguns sinais positivos na economia, os salários e a renda da maioria nos EUA e em outras partes do mundo ainda estão estagnados.

Muitos pensam que o futuro parece melhor porque há acesso fácil ao crédito sem que ninguém realmente analise com cuidado se os tomadores se encontram em condições de assumir e honrar dívidas. Muitos consumidores estão fazendo empréstimos, mas seus ganhos não têm subido muito. Isso é um problema. Os financiamentos estudantis ainda são extremamente altos e embora haja maior probabilidade de encontrar emprego, os salários, quando não estagnaram, aumentaram pouco. Os estudantes que tomaram um grande volume de empréstimo estão soterrados sob 1,4 trilhão de dólares de dívida e isso é complicado, descreve.

“Os bancos estão começando a usar os mesmos tipos de trapaças com empréstimos para automóveis e ao consumidor feitas antes da crise de 2007-2008, fatiando-os e cortando-os, securitizando-os e tomando emprestado para especular sobre eles. Significa que esse mercado de empréstimos está sujeito aos mesmos tipos de manipulação que tivemos antes no mercado imobiliário. Isso tudo está acontecendo nos EUA, mas se olharmos para o âmbito global, os bancos europeus ainda são muito fracos, não têm muito capital, e eles também começaram a se envolver novamente em muitas aventuras arriscadas, como fusões e aquisições e outros tipos de atividades como essas”.

Na medida que esses problemas se acumulam, analisa o economista, se houver algum tipo de choque significativo para a economia mundial, uma séria batalha comercial ou uma guerra irrompendo em algum lugar, ou ainda um rápido aumento nas taxas de juros pelo Federal Reserve, tanto essas dívidas como a alavancagem e a especulação podem acelerar significativamente. “A reunião de todos esses fatores sugere que pode haver alguns problemas sérios pela frente.”

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