Economia
Com Selic a 10,75%, BC joga balde de água fria no crescimento do País, diz economista
Inflação por ‘choque de oferta’ e efeitos da seca não se combatem com juros mais altos, avalia Fernando Sarti


A decisão do Comitê de Política Monetária do Banco Central de elevar a Selic de 10,5% para 10,75% ao ano parte de argumentos equivocados sobre as características da inflação e dos melhores instrumentos para combatê-la, afirmou a CartaCapital o economista Fernando Sarti, livre docente do Instituto de Economia da Unicamp.
Em seus dois encontros anteriores, o Copom optou por conservar o índice de 10,5%, encerrando um ciclo de cortes iniciado em agosto de 2023.
No comunicado em que anunciou o novo resultado, o comitê indicou se tratar do início de um ciclo de alta na Selic. O BC divulgará na semana que vem a ata com os detalhes da reunião.
Ao justificar a elevação dos juros, o Banco Central mencionou um ambiente externo “desafiador”, devido a dúvidas sobre os ritmos de desaceleração e desinflação nos Estados Unidos.
No cenário doméstico, alegou que “o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho tem apresentado dinamismo maior do que o esperado”.
Conforme o mais recente Boletim Focus, por meio do qual o BC reúne as projeções de mais de 100 instituições financeiras, a expectativa de inflação em 2024 passou de 4,30% para 4,35% – a meta é de 3%, com uma tolerância entre 1,5% e 4,5%.
A projeção do Produto Interno Bruto deste ano também cresceu: de 2,68% para 2,96%.
Esse cenário, porém, não serve para justificar o início de um nova sequência de altas na Selic, segundo Fernando Sarti. Ele avalia que a inflação aumentará por um “choque de oferta” e mencionou os efeitos da seca histórica que castiga o Brasil.
“Isso não se resolve com taxa de juros, ao contrário. É realmente jogar a criança fora com a água do banho”, resume o economista.
O crescimento próximo a 3%, por sua vez, decorrerá de uma trajetória sólida e abarcará diversas atividades, ressalta Sarti. “Estão jogando água fria, abortando um crescimento que traria no médio e no longo prazos, inclusive, a possibilidade de atrair novos investimentos produtivos importantes para o País.”
Para Fernando Sarti, o Brasil precisa se viabilizar como uma plataforma relevante no reposicionamento global entre Estados Unidos e China.
“Abrir mão dessa oportunidade que vai determinar o País para os próximos 10 anos me parece um um diagnóstico absolutamente equivocado”, criticou. “O que não podia era ter abortado tão rapidamente o ciclo de redução. Na pior das hipóteses, uma manutenção para observar o impacto da redução nos Estados Unidos e em outras economias. Estamos na contracorrente.”
Com a nova decisão do Copom, o Brasil fecha esta quarta-feira com a segunda maior taxa real de juros do mundo.
Em primeiro lugar no ranking da taxa real, que desconta a inflação projetada para os próximos 12 meses, está a Rússia, com 9,05%. Com o aumento de 0,25 ponto na Selic, o Brasil chegou a 7,33%, ante 5,47% da Turquia, a terceira colocada. O monitoramento é da consultoria MoneYou.
Completam a lista dos 10 primeiros México (5,45%), Indonésia (4,37%), Índia (3,08%), África do Sul (2,96%), Colômbia (2,37%), Tailândia (2,03%) e Hungria (1,91%).
O Brasil seria o segundo colocado no ranking da taxa geral ainda que o Copom optasse por manter a Selic em 10,5% ao ano – neste caso, o País registraria um índice real de 7,08%.
A Confederação Nacional da Indústria afirmou receber o aumento da Selic “com total indignação”. De acordo com a entidade, o nível anterior era “mais do que suficiente” para manter a inflação sob controle – agora, por outro lado, o índice prejudicará a criação de emprego e renda.
“É emblemático que no mesmo dia em que os Estados Unidos decidem baixar a taxa básica após meses, o Brasil resolva o contrário”, disse o presidente da CNI, Ricardo Alban. “Torna a nossa diferença de juros reais ainda mais grave e cria condições desfavoráveis ao investimento no País. Até que ponto a especulação do mercado futuro de juros influencia as narrativas da expectativa de inflação futura?”
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