Economia
Com o acentuado recuo do Índice Bovespa, empresas recompram as próprias ações
Para estrategista, o cenário atual da Bolsa é ‘irracional’


Sinal forte de que a Bolsa brasileira está “barata” é o movimento de recompra de ações por parte das empresas. Foram 53 desde o início do ano, 36 só no segundo semestre, justamente quando o mercado de ações começou a despencar, com o Índice Bovespa caindo do pico de 130.776 pontos, em 7 de junho, para 100.775 no primeiro pregão deste mês – queda de 23% em sete meses. “Quando a empresa faz isso, ela sinaliza ao mercado que o papel não vale o que está precificado no mercado”, diz a professora de Finanças Cláudia Yoshinaga, da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas, coautora de um estudo sobre os retornos das ações objeto de recompra por parte das próprias companhias emissoras. Segundo Yoshinaga, em momentos de baixa, como na crise do subprime, em 2008, e no início da pandemia, em 2020, ocorreram movimentos semelhantes.
No estudo A Sub-reação a Recompras de Ações no Mercado Aberto Yoshinaga e o colega Henrique Castro, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, verificaram que, entre os 412 casos de recompra ocorridos entre 2003 e 2014, foi “possível perceber que a quantidade de anúncios no período não flutua muito, mas que há um pico em 2008, quando 15,8% dos anúncios que fazem parte da amostra foram realizados. Uma quantidade grande de anúncios foi realizada no quarto trimestre de 2008, logo após o auge da crise do subprime”. Também se destacam os anos de 2013, com 45 programas, e 2014, com 49 recompras.
Viegas, da Genial Investimentos: “O mercado acionário está irracional”
A economista explica que o preço das ações embute expectativas futuras, como, entre aspas, numa “aposta”, uma crença de que a empresa tem boas ou más perspectivas no horizonte. “Daí o mercado normalmente entender que o anúncio de um programa de recompra constitui uma informação importante sobre a empresa, porque, a rigor, quem tem mais informação sobre a possibilidade de que novos projetos podem trazer é a própria companhia.”
A leitura dos anúncios de recompra de ações por parte das empresas deixa claro que a motivação mais comum invocada pelas companhias reside em “gerar mais valor para o acionista”, clichê para informar que a administração entendeu que os preços das ações estão aviltados e que vale mais a pena fazer uma distribuição de caixa e diminuir a quantidade de papéis em circulação, para melhorar o preço relativo dos remanescentes. Os programas de recompra perpassaram praticamente todos os segmentos do mercado, incluindo desde empresas tradicionais, como Vale e CSN, até estreantes, como a operadora de internet Unifique, que fez seu IPO no fim de julho, passando por bancos (Bradesco, Itaú e Santander). “Quando uma empresa anuncia um programa de recompra intensivo, ela emite dois sinalizadores interessantes para o aumento de preço da ação”, concorda Filipe Ferreira, diretor-financeiro da empresa de análises e educação financeira Comdinheiro. O primeiro indica que, se a companhia for gerar o mesmo lucro dali para a frente e com menos ações em circulação, sobra mais lucro por ação, logo haveria um motivo para o preço dos papéis subir quando há uma recompra intensiva. A outra sinalização é que a empresa acha que suas ações estão baratas. “É o contrário de um follow on”, detalha Ferreira. “Quando a empresa vende ações para conseguir caixa, ela acha que elas estão bem precificadas, logo é um bom momento para revender seus papéis. Quando recompra, é o contrário, ela acha que os papéis estão baratos, vale a pena comprar, agora, com caixa e quando os papéis eventualmente subirem, a companhia os recoloca no mercado.”
Fonte: Valor Data
Programas de recompra de ações são permitidos no Brasil desde 1976, pela Lei das S.A., que inclui dois métodos. O primeiro é a oferta pública de aquisições de ações (OPA), no qual a administração define o número de ações que pretende recomprar, a data de expiração da oferta e o preço que pretende pagar. É o método utilizado, dentre outras razões, para o cancelamento do registro de companhia aberta, aquisição ou alienação do controle. O segundo consiste na recompra de ações da própria companhia no mercado aberto, agindo como qualquer investidor, com algumas restrições, como a limitação a 10% dos papéis em circulação.
Filipe Viegas, estrategista da Genial Investimentos, lista dois motivos básicos que levam as companhias a recomprar suas ações no mercado. “Se a empresa tem caixa disponível e não encontra nenhuma grande oportunidade de investimento, naquele momento, não vê uma taxa de remuneração justa para aquele capital que está a risco zero, ou no Tesouro ou num CDB de grande liquidez, e a empresa precisa remunerar o capital, que está barato, ela vai ao mercado recomprar suas ações. Se é para ser conservador, que seja com os próprios papéis”, diz. “Outro motivo é a empresa, implicitamente, querer passar a mensagem de que suas ações estão tão baratas, tão atrativas, que vai ao mercado fazer essa recompra.”
Para o estrategista, o cenário atual da Bolsa é “irracional”. Resultado de uma piora das expectativas econômicas iniciada entre junho e julho e acentuada em agosto com o início das discussões do Auxílio Emergencial, PEC dos Precatórios e abandono do teto de gastos. A isso se juntam uma aceleração inesperada da inflação e a subsequente alta das taxas de juro – o que atrai investidores da renda variável para a renda fixa e pressiona os fundos de investimento a liquidar posições em Bolsa, ampliando a desvalorização das ações. “O mercado ficou irracional, deixou de ponderar se o preço é relevante, se os fundamentos das empresas eram relevantes. Então, você encontra um cenário em que a empresa olha e diz: ‘Isto aqui está irracional, isto aqui não faz sentido’. É uma janela de oportunidade para empresas que estão bem de caixa, como é o caso das brasileiras, tanto as mais antigas quanto as mais novas, que fizeram IPO, por exemplo, recomprarem suas ações.” •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1187 DE CARTACAPITAL, EM 9 DE DEZEMBRO DE 2021.
CRÉDITOS DA PÁGINA: SUAMY BEYDOUN/AGIF/AFP
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