Economia
Clube do petróleo
Sob críticas, o Brasil anuncia a adesão à Opep+. Faz ou não sentido?


Ingressar no cartel dos grandes produtores de petróleo, ainda que na condição de observador, pode pegar mal para qualquer nação em meio à aceleração do aquecimento global. Pior se o novo integrante do clube for o Brasil, potência da energia renovável, que em plena COP28 confirmou sua adesão à Opep+, com poder de voz, mas não de voto. Após a ratificação da decisão pelo presidente Lula, o País recebeu da rede de ONGs Climate Action Network o simbólico Prêmio Fóssil, supostamente “por confundir produção de petróleo com liderança climática”.
Na Opep, formada pelos 13 maiores produtores mundiais de petróleo, os participantes têm obrigações a cumprir, como o aumento ou a redução da produção. O poder do cartel é conhecido de longa data, ao menos desde o embargo orquestrado em 1973, que levou a um choque nos preços do barril e à consequente crise global. As mesmas exigências não se estendem aos integrantes da Opep+, a versão estendida do grupo que inclui outros dez países, entre eles Azerbaijão, Bahrein, Malásia, México e Rússia. “Muita gente ficou assustada com a ideia de que o Brasil vai participar da Opep. O Brasil não vai participar da Opep, vai participar da Opep+, do mesmo modo que participa do G-7, no G-7+. Eu escuto e só falo depois de eles tomarem a decisão, não apito nada,” resumiu Lula.
Na transição energética, o País terá de optar entre afirmar o próprio desenvolvimento ou ficar atrelado a outros interesses
O rótulo irônico aplicado pela Climate Action Network é utilizado para apontar as contradições dos países no processo de descarbonização, mas, no caso do Brasil, o título parece, ao menos em parte, imerecido, pois o País foi um dos poucos, senão o único, a tomarem medidas efetivas no combate às mudanças climáticas, a começar pela redução expressiva do desmatamento na Floresta Amazônica e o combate às organizações criminosas que ganharam terreno na região durante o governo de Jair Bolsonaro. Além da “premiação”, não houve outros dedos em riste dirigidos ao Brasil na COP28, talvez porque todos os países estejam atrasados na redução das emissões de gases de efeito estufa e sabem que não será tão fácil o mundo se livrar da dependência do petróleo.
Lula contribuiu para embaralhar as interpretações daqueles que o viram como traidor da causa ambiental ao colocar em primeiro plano, durante o evento, diante de uma plateia global aflita com a emergência climática tornada diária, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a “voz da Floresta Amazônica”. Ao atribuir proeminência à ministra, considerada pela revista Time, no mês passado, uma das cem lideranças climáticas mais influentes do mundo, Lula ganhou tempo para equacionar impasses internos como o de sancionar ou não a exploração de petróleo na Margem Equatorial da Amazônia, ambicionada pela Petrobras, pelo Ministério de Minas e Energia e por uma extensa fila de políticos, apesar da existência de áreas equivalentes sem o mesmo risco ambiental, de acordo com especialistas.
A Opep determina o preço há décadas – Imagem: Acervo/OPE
Confirmada a adesão à Opep+, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, disse que a estatal deverá começar neste mês um estudo de viabilidade da abertura de uma subsidiária da empresa no Oriente Médio, para fortalecer os laços comerciais da companhia na região do Golfo Pérsico. Lula sinalizou ter sido pego de surpresa pela afirmação de Prates. O presidente da Petrobras fez então um leve recuo e disse que a Petrobras Arábia se dedicará apenas à produção de fertilizantes. O executivo não explicou, contudo, como a subsidiária contribuirá para diminuir a dependência do País em relação às importações de adubos, muito menos de que modo a ação da nova empresa se combinará com o esforço para produção, no Brasil, de fertilizante verde, em substituição àqueles de origem fóssil. O País adquire no exterior 90% dos fertilizantes de fonte fóssil que consome e é o maior importador do planeta. Só de amônia são 35 milhões de toneladas todos os anos, o equivalente, em 2022, a 25 bilhões de dólares em importações, destacou Camila Ramos, CEO da Clean Energy Latin America, em debate sobre o futuro do hidrogênio verde realizado na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. “Esse mercado pode ser atendido por fertilizantes produzidos aqui no Brasil, a partir de hidrogênio verde ou renovável”, ressaltou.
Em 2050, prosseguiu a executiva, o Brasil será o maior exportador de alimentos do mundo e a demanda de fertilizantes aumentará, mas pode ser suprida internamente, com hidrogênio verde. As aplicações estendem-se a vários setores. Na siderurgia, responsável por 7% das emissões globais de gás carbônico, o hidrogênio verde pode ser utilizado para substituir o coque, no processo de redução do minério de ferro, como fonte de calor, e o uso dessa alternativa reduz as emissões em até 95%. A União Europeia começou a produzir aço verde e o consumo, alavancado pelas metas de redução de emissões, chegará a 25 bilhões de dólares até 2030, e pode ser em boa medida atendido pelo Brasil. “O mercado de e-combustíveis e de combustíveis sintéticos avança. Das principais companhias aéreas, 38 estão comprometidas com metas de emissão zero até 2050 e 30 delas estabeleceram metas de uso, em um setor responsável por 2% das emissões de carbono”, destaca a especialista.
Todas as nações estão atrasadas no combate às mudanças climáticas e sabem que não será fácil substituir o petróleo
As polarizações acentuadas na COP28 em consequência do agravamento da ameaça climática limitaram o espaço à discussão de visões mais abrangentes sobre a transição energética e os interesses envolvidos, tanto de empresas quanto de países. O negócio multibilionário dos combustíveis renováveis no Brasil está, entretanto, em uma encruzilhada, alertam economistas e empresários, com chance tanto de ser conduzido em função dos interesses do País na reindustrialização quanto de enveredar rumo a uma nova reprimarização, conforme os objetivos de outras nações e de várias grandes empresas, em especial de monopólios estrangeiros, que costumam ver o Brasil apenas como supridor de insumos, energia inclusive.
Os desafios no desenvolvimento de alternativas renováveis em função dos interesses internos estão relacionados a custos de capital e ao enfrentamento de grandes programas multibilionários de investimento e descarbonização, como o Inflation Reduction Act, nos Estados Unidos, o European Green Deal e programas semelhantes em implantação na Austrália, no Japão, na Coreia e na China, enumera Luciana Costa, diretora-geral de Infraestrutura, Transição Energética e Mudanças Climáticas do BNDES. Todos os países lançaram ou estão em vias de lançar pacotes bilionários de incentivo à reindustrialização verde. “O Brasil, dentro das nossas limitações, terá de encontrar uma forma de resolver essa equação.” Ter uma estratégia integrada é indispensável para o País ser bem-sucedido na transição, prossegue a economista. Caso contrário, diz, vai replicar o modelo primário-exportador. “Não é isso o que queremos. O País conta com energia renovável supercompetitiva e um portfólio de minerais críticos para a transição energética, mas precisa exportar produtos com alto conteúdo de energia renovável. Tem que ter ambição de produzir e exportar amônia verde, aço verde, HBI (Hot Briquetted Iron), produto à base de minério de ferro com maior valor agregado e que gera baixa emissão de carbono na produção do aço, e energia verde também, porque o mundo vai precisar, e essa é uma grande vantagem do País. Para o hidrogênio verde, teremos mercado local e internacional, mas não podemos ficar só na exportação de energia”, ressalta. O BNDES, acrescenta, tem projetos que estão “quase fechando a conta” com amônia verde. “Quando a gente avança na cadeia, é mais fácil. Temos de pensar nesses incentivos para a produção de produtos verdes com alto conteúdo de energia.”
Ambientalistas criticaram a exploração na foz do Rio Amazonas. Prates, presidente da Petrobras, se reuniu com Al-Ghanis, secretário-geral da Opep – Imagem: OPEP e Engajamundo.org
Segundo o empresário Daniel Ioschpe, vice-presidente da Fiesp, “o Brasil está novamente diante do costumeiro impasse de decidir se faremos um uso o mais benéfico possível das energias renováveis, em especial do hidrogênio verde, para o desenvolvimento econômico e social, ou se jogaremos fora essa oportunidade. O lado positivo é esse, de que há um enorme potencial, inclusive de aumentarmos o crescimento possível do Brasil nos próximos anos. O lado preocupante é o que vamos fazer com essa potencialidade. Trata-se de uma grande oportunidade e uma das melhores alternativas à frente para a geração de empregos acoplada à ideia da neoindustrialização, defendida muito corretamente neste momento pelo governo”. Atingir esse objetivo, afirmou Ioschpe, depende de concatenar financiamento, regras inteligentes para a aceleração desse desenvolvimento e, antes de tudo, um regramento no País, que está em curso, para a questão do crédito de carbono, e ainda, o que é essencial, a comunicação dessas regras com o restante do mundo.
O risco de o Brasil tropeçar na transição energética, em relação à defesa dos seus próprios interesses estratégicos, parece considerável. O histórico recente de decisões do governo e do Congresso, em situações de bola dividida entre o interesse privado e o interesse público, está longe de ser brilhante. Um exemplo gritante é o da aprovação, no governo de Michel Temer, da MP do Trilhão, convertida na Lei 13.586, de 2017, que garante até 2040 benefícios fiscais a empresas petrolíferas que exploram os blocos das camadas pré-sal e pós-sal e estende as isenções à importação de máquinas e equipamentos empregados nas atividades de exploração, em uma bolada total de 1 trilhão de reais. Outro é o Projeto de Lei das eólicas offshore aprovado na Câmara, com excesso de benefícios ao setor elétrico e aumento de custos a consumidores e empresas, de acordo com a Fiesp. Os “jabutis” acrescentados ao PL podem encarecer as contas de luz em 28 bilhões de reais, segundo alguns cálculos.
Vários países lançaram pacotes bilionários de incentivo à reindustrialização verde e o Brasil terá de resolver essa equação
Outra dificuldade na transição decorre de se subestimar o enorme desafio de substituição da colossal infraestrutura e da economia construídas ao longo do predomínio do petróleo, alerta Luciana Costa, que considera a commodity parte da solução. O mundo, cabe acrescentar, precisou de 50 anos para concluir a transição do carvão para o petróleo. “O primeiro ponto a considerar é que um mundo neutro em carbono não é um mundo sem petróleo. O petróleo é energia, e é insumo para a geração de produtos. Conseguiremos fazer a transição para fontes renováveis, mas é preciso entender que a indústria do petróleo nasceu na segunda metade do século XIX e, desde então, se fez a infraestrutura para essa indústria, que possui muita tecnologia embarcada e tem de ser parte da equação. Essa indústria sabe produzir energia, armazenar e transportar. É o que a gente vai ter de continuar a fazer, em novas bases”, ressaltou.
Durante os próximos 30 anos de convívio inevitável entre energias fósseis e energias renováveis, é importante considerar que a produção de hidrogênio tem potencial para permitir a alguns “petro-Estados”, como a Arábia Saudita, entre outros, a diversificação durante a transição energética, anota a newsletter especializada Energy Monitor de maio. Para o presidente do conselho de administração da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Ronaldo Koloszuk, “o Brasil é a bola da vez” e vai produzir o hidrogênio verde mais barato do mundo, pois tem a energia mais barata do planeta e 70% do custo do hidrogênio é eletricidade”. Segundo a consultoria McKinsey, até 2040 está previsto 1 trilhão de reais de investimento no País, em infraestrutura, linhas de transmissão, parques de energia, portos, dutos, armazenagem para produção e transporte de hidrogênio verde, além de bens agregados, como fertilizantes.
O Brasil vai produzir o hidrogênio verde mais barato do mundo, projetam os especialistas – Imagem: Complexo do Pecém/GOVCE
A economia verde, ressalta Koloszuk, é a oportunidade de reindustrializar o País por meio da produção e exportação de aço e cimento verdes, com valor agregado. Um estudo da Associação Brasileira do Hidrogênio Verde projeta um mercado de 7 trilhões de reais até 2050. Até 2030, o produto será 18% mais barato que o hidrogênio cinza, produzido a partir de fonte fóssil, atualmente utilizado nas indústrias. Uma condição importante, sublinha o presidente da Absolar, é perdermos a vergonha da palavra subsídio. “Fizemos isso no passado com o etanol e com o agronegócio. Tem de cortar subsídio onde não faz mais sentido subsidiar, petróleo e carvão. É preciso aproveitar a janela de oportunidade para os investimentos não irem para outro destino. Sem subsídio com começo, meio e fim, para o empurrão inicial, os investimentos irão para outros cantos. Este é o momento de estimular esse mercado e ajudar o Brasil a ser um país desenvolvido.” •
Publicado na edição n° 1289 de CartaCapital, em 13 de dezembro de 2023.
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