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Carga elétrica

A Arrow, montadora 100% brasileira, avança na produção de vans movidas a baterias

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Padilha, diretor comercial: “O corpo e o cérebro são brasileiros” – Imagem: Redes Sociais/Arrow Mobility
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Lembra da Gurgel? A pergunta volta e meia aparece quando se fala de indústria automotiva no Brasil. Por que o País não tem uma montadora nacional de carros de passeio? A resposta costuma vir com um ar de fim de linha, como se a história tivesse parado ali. Ela é, no entanto, mais complexa. O Brasil pode não ter um sedã nacional nas vitrines, mas mantém uma engenharia forte em ônibus, caminhões e veículos especiais, especialmente no Rio Grande do Sul, de onde vêm a Marcopolo, a Agrale e a Randon, entre outras.

Com essa bagagem técnica, dois engenheiros decidiram dar um passo além da rota tradicional e criar uma fabricante de vans elétricas 100% nacional. A ­Arrow Mobility tem nome estrangeiro, mas DNA brasileiro, e quer provar ser possível fazer um veículo elétrico competitivo, pensado, desenhado e fabricado em território nacional.

A empresa nasceu em 2020, em plena pandemia, quando o transporte de passageiros parou e o e-commerce passou a ditar o ritmo das cidades. Os fundadores vinham da indústria de ônibus em Caxias do Sul, polo tradicional da mobilidade. O delivery crescia em ritmo inédito, com falta de segurança e frotas improvisadas no last mile. Nesse momento, a Arrow deixou de ser apenas uma casa de projetos e assumiu o risco de se tornar uma montadora de utilitários voltados à logística urbana.

O primeiro passo, conta o diretor-comercial Claude Padilha, foi definir um conceito próprio de veículo. Ele seria elétrico desde o início, não uma adaptação de um modelo a combustão. “Em pleno 2021, não dava para pensar em algo novo.” O desenho teria de partir do uso real e das ruas brasileiras. O Arrow One, van elétrica de grande porte para o transporte urbano, resultou desse conceito. Em pouco mais de um ano, a empresa projetou o modelo, construiu o protótipo e homologou o veículo. As primeiras dez unidades foram produzidas em modo quase artesanal. Depois, com os primeiros contratos, a montadora migrou para uma planta em Caxias do Sul com capacidade instalada para fabricar até 2 mil veículos por ano em três turnos. Atualmente, ainda entrega cerca de cem unidades anuais, mas já organiza a produção para otimizar a capacidade da fábrica.

Chegar até aqui exigiu persistência. Antes de conseguir o primeiro investidor, a Arrow fez 150 apresentações. Nas primeiras 149, recebeu um sonoro não. O sim veio na rodada seguinte, quando a Localiza topou entrar como investidora e cliente. O primeiro veículo produzido em série foi direto para a frota da locadora. Na sequência, o Mercado Livre passou a utilizar as vans da marca. Com o tempo, os Correios e outras empresas também começaram a testar o modelo em rotas de última milha. Em poucos anos, a empresa de Caxias empregava 60 funcionários e tinha passado a dividir espaço com importados nas operações de logística urbana.

A meta é produzir 2 mil unidades por ano

O desenho do Arrow One foi desenvolvido internamente e rendeu três patentes. Mais da metade dos componentes vem de fornecedores nacionais, o que garante ao veículo o status de fabricado no Brasil. A carroceria é montada em Caxias do Sul. A parte de tração é desenhada pela própria Arrow e montada no exterior, com baterias de lítio ferro fosfato fornecidas pela chinesa CATL. Os conjuntos chegam prontos para a fábrica, onde são integrados à estrutura do veículo. “Na prática, o coração elétrico vem de fora, mas o corpo e o cérebro são brasileiros”, diz Padilha. A produção alimenta uma cadeia de fornecedores de metal, vidro, acabamento, chicotes elétricos e serviços de engenharia, além de manter empregos em uma região acostumada a desenvolver veículos. A autonomia é de 200 quilômetros com carga máxima, ar-condicionado ligado e trânsito pesado.

A empresa aposta agora na diversificação. O Arrow One segue como modelo de maior porte. Sobre essa plataforma, a companhia desenvolveu o Arrow Refrigerado, direcionado ao transporte de alimentos, medicamentos e outros produtos sensíveis à temperatura, com opções de placas eutéticas ou sistema elétrico dedicado. Em paralelo, lançou o Arrow Two, veículo de entrada no segmento de carga elétrica. Com capacidade entre 5 e 7 metros cúbicos, mil quilos de carga útil e a mesma autonomia de 200 quilômetros.

Com apoio de uma linha de financiamento da Finep de 10 milhões de reais, a empresa iniciou o desenvolvimento da SmartVan, veículo elétrico autônomo voltado à logística urbana. Em parceria com empresas de robótica e visão computacional e com o suporte da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o projeto prevê um utilitário capaz de se movimentar sozinho em pátios de centros de distribuição, aproximar o veículo das docas corretas e automatizar parte da contagem de carga. Sensores internos identificam a entrada e a saída de volumes e sistemas de monitoramento vigiam tentativas de vandalismo. A ideia é reduzir deslocamentos desnecessários de motoristas e ajudantes nos galpões e ganhar tempo em cada operação.

Segundo Padilha, essa é uma forma de encaixar a engenharia brasileira no mapa da transição energética. Cada litro de diesel queimado para mover um caminhão ou uma van, afirma, gera cerca de 3 quilos de dióxido de carbono na atmosfera, enquanto o veículo elétrico em operação não emite. Em centros urbanos congestionados, onde o transporte responde por parte relevante das emissões de gases de efeito estufa, trocar frotas por modelos a bateria é uma decisão que altera a curva das emissões.

A história da Arrow não resolve o vazio deixado pela ausência de uma montadora nacional de carros de passeio. O País continua sem um sedã disputando com marcas globais. Mas a trajetória da empresa mostra que ainda existe espaço para desenho, engenharia e produção de veículos com identidade brasileira. •

Publicado na edição n° 1389 de CartaCapital, em 26 de novembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Carga elétrica’

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