Economia
Cai não cai
Balançando no comando da companhia, Jean Paul Prates terá de lutar para reconquistar a confiança de Lula


A demissão do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, antes tida como certa, parecia ter entrado em compasso de espera na terça-feira 9, enquanto circulava a informação de que se teria chegado a uma solução de compromisso para pôr fim à disputa pelos 43,9 bilhões de reais em dividendos extraordinários anunciados pela estatal há um mês. Nos termos ainda não confirmados de uma deliberação que envolveu os ministros de Minas e Energia, Alexandre Silveira, da Casa Civil, Rui Costa, e da Fazenda, Fernando Haddad, mas excluiu Prates, metade da bolada seria distribuída aos acionistas e o restante direcionado a investimentos da companhia, destinados a recuperar sua capacidade produtiva dinamitada nos governos Temer e Bolsonaro.
Cabe destacar que o acordo espelha a posição defendida em março pelo próprio Prates, de distribuição de metade dos dividendos extraordinários aos acionistas, mas o Conselho de Administração, com maioria composta de integrantes ligados a Silveira, decidiu naquele momento não fazer nenhum repasse aos detentores de ações. Na sexta-feira 4, Prates não participou das reuniões do colegiado e da diretoria e procurou contato direto com Lula, que não o atendeu. Após a tentativa frustrada, passou a fazer divulgações em massa das próprias realizações à frente da empresa. Lula também deixou claro, segundo o noticiário, não ter gostado da iniciativa do presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, até então o principal nome cogitado para substituir Prates, de procurar diretamente o presidente da Petrobras, sem antes consultá-lo.
O pacote incluiria o compromisso, por parte da Petrobras, de pagamento de 20 bilhões de reais para pôr fim a uma disputa tributária relacionada a contratos de afretamento de plataformas de petróleo no valor total de 55,2 bilhões. Essa receita mais que compensa a redução da parte dos dividendos extraordinários que caberia à União, de 12 bilhões de reais no caso de distribuição integral aos acionistas, para 6 bilhões, nos termos do acordo que teria sido firmado. Com um representante da Fazenda no Conselho de Administração da Petrobras, indicado em plena crise, e esse recolhimento muito importante dentro da estratégia de recuperação de receitas, Haddad parece ser o grande vencedor do conflito em torno da distribuição dos dividendos extraordinários, que ajudou a arbitrar.
A distribuição de dividendos era o foco das gestões anteriores, não do atual governo
Prates só não caiu, ao que tudo indica, porque se espera que passe a cuidar do aumento dos investimentos da petroleira com a mesma dedicação demonstrada no atendimento aos interesses privados dos minoritários, traduzida na maior distribuição de dividendos da história da empresa, realizada no primeiro ano da sua gestão.
A discussão no âmbito do governo, representante do acionista controlador, acerca do destino dos dividendos faz parte das atividades de uma empresa estatal de economia mista, mas a união de acionistas minoritários, sistema financeiro e mídia transformou o que deveria ser rotineiro em uma convulsão de informações, alimentada também pelo bate-boca diário de Prates e Silveira em torno de competências sobre a questão.
Há quem diga que Silveira faz barulho para desviar atenção da profunda crise do setor elétrico, sob a responsabilidade do seu ministério. Ele pediu à Aneel a interrupção do contrato da concessionária Enel, responsável por incontáveis apagões em São Paulo e outras cidades. Na terça-feira 10, fez declarações reconciliatórias em relação a Prates.
O tumulto em torno da Petrobras, com oscilações diárias na cotação da empresa na Bolsa de Valores, ocorre a menos de duas semanas da eleição do novo Conselho de Administração, marcada para 25 de abril, e em meio à alta do petróleo. Nessa data, deverá ser formalizado o acordo de distribuição meio a meio dos dividendos extraordinários, entre remuneração de acionistas e investimentos na companhia.
Cobrança. O ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o presidente Lula não abrem mão de robustos investimentos para recuperar a capacidade produtiva da empresa – Imagem: Ricardo Botelho/MME
Prestigiado pelo mercado financeiro, que está muito bem representado no corpo acionário da Petrobras e é o principal interessado em receber a totalidade dos dividendos extraordinários, Prates é apoiado também pela Federação Única dos Petroleiros, mas teve sua indicação ao cargo vetada pela Associação de Engenheiros da Petrobras, em 2022, devido às suas ligações com o sistema financeiro.
A pedido desta revista, o diretor-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, Mahatma Santos, apontou os pontos positivos e os aspectos negativos da gestão de Prates à frente da petroleira. O ponto de partida, diz Santos, é o fato de a atual gestão ter herdado uma empresa devastada pelos seis anos dos governos Temer e Bolsonaro, com a venda acelerada de ativos estratégicos, que reduziram seu caráter vertical de empresa integrada, e a redução sistemática do volume de investimentos da companhia, com danos ao setor energético e ao conjunto da economia.
Quando a atual gestão assumiu, o plano de negócios estava orientado para um único objetivo, a distribuição de dividendos para os acionistas. A sustentabilidade operacional e financeira e o interesse público, que inclui a segurança energética, o fornecimento, venda e comercialização de derivados de petróleo a preços acessíveis para a população, não faziam parte dos objetivos. Isso foi feito em nome de uma suposta resiliência financeira que, como se viu, teve como resultado final a distribuição massiva de dividendos.
Efeito. A venda de ativos fez a Petrobras perder seis anos diante dos concorrentes – Imagem: Arquivo/Agência Petrobras
A Petrobras, frisa o diretor-técnico do Ineep, é uma instituição, uma ferramenta importante de política pública e ainda um objeto de embate de interesses múltiplos que envolvem atores tanto da sua estrutura de governança quanto transnacionais. “É bom lembrar que a empresa brasileira já era objeto de espionagem industrial na década passada, depois da Lava Jato, e foi um dos objetivos do golpe de 2016”, dispara Santos. É muito difícil, acrescenta, fazer uma mudança mais robusta no plano de negócios de uma empresa que mobiliza tantos interesses.
Vários aspectos positivos sobressaem na gestão de Prates, sublinha o diretor do Ineep, a começar pela mudança na estrutura de gestão, com substituições de responsáveis em cargos estratégicos da companhia, com destaque para as áreas de Exploração e Produção e de Refino, que têm avançado bastante no uso eficiente da capacidade produtiva da empresa.
Outra mudança muito significativa, percebida pela população, resultou na nova política comercial e de preços da gasolina e do diesel, que têm um impacto imenso no processo inflacionário e no bolso do consumidor. A alteração na política de distribuição de dividendos, com redução da parcela mínima de lucros direcionados aos acionistas, de 60% para 45%, decidida em julho do ano passado, é outro ponto de destaque da gestão de Prates. O mínimo legal, acrescente-se, é de 25%.
O tumulto ocorre a menos de duas semanas da eleição do novo Conselho de Administração
Um amplo processo de recuperação de ativos e investimentos na ampliação do uso da capacidade instalada da Petrobras e na elevação do fator de utilização do parque de refino da companhia, afetados com a venda tanto da refinaria RLAM, da Bahia, quanto da REAM, em Manaus, levou a empresa a bater recordes de uso do seu parque de refino e ajudou também a reduzir a volatilidade dos preços. Os investimentos na recuperação de parte da capacidade operacional, com recordes de produção no pré-sal, só não foram mais elevados por causa da política de venda de poços e campos produtivos de petróleo, sobretudo em terra.
A atual gestão conseguiu, mesmo em um cenário internacional marcado por grandes incertezas no início de 2023, manter resiliência financeira e capacidade operacional, ampliando o volume de investimentos, e alcançou o segundo maior lucro líquido da sua história, apesar do impacto de 75%, da queda do preço do petróleo, na receita líquida. Conteve os custos e ampliou investimentos, ainda que abaixo das expectativas, e obteve resultados financeiros positivos, com a manutenção do nível de endividamento. Registrou o segundo maior lucro líquido e o terceiro maior dividendo distribuído na história. “Esses são aspectos centrais”, sublinha Santos.
A companhia anunciou o seu retorno ao setor de fertilizantes, a retomada de investimentos no setor petroquímico e a garantia de investimentos na segunda etapa da ampliação da RNEST, em Pernambuco, com compromisso da expansão da produção e da oferta de gás natural, que deve ser o principal insumo da transição energética no País, ao menos no curto prazo.
Passo em falso. Sem consultar o chefe, Mercadante telefonou para Prates e pode ter perdido a chance de presidir a empresa – Imagem: Marcelo Camargo/ABR
Outro ponto positivo foi a criação de uma diretoria de descarbonização e transição energética, entregue ao especialista Maurício Tolmasquim. Acrescente-se a mudança de postura em relação ao acordo do Termo de Compromisso de Cessação para refino e gás natural, com o Cade, no sentido de tentar renegociação, sinal de uma postura de encerramento da política prejudicial de desinvestimentos adotada anteriormente.
Há também uma série de aspectos negativos, ressalta Santos. Existia uma expectativa, que não se confirmou, de retomada de um projeto de investimentos mais robusto do que o anunciado no plano estratégico, para expansão da capacidade de refino e abastecimento e, principalmente, para investimento em pesquisa e desenvolvimento em novas rotas tecnológicas. Os projetos apresentados até agora na área de descarbonização e transição energética são muito tímidos e estão aquém do esperado.
O plano estratégico está excessivamente centrado no desenvolvimento da produção e com investimentos fortemente concentrados na Margem Equatorial, uma região de sensibilidade ambiental, e que ainda depende de um licenciamento. “A Petrobras fez, portanto, uma aposta que está travada, do ponto de vista da efetividade dos investimentos”, ressalta Santos.
Para quem espera uma Petrobras que invista e retome o seu protagonismo no desenvolvimento nacional, não faz sentido reproduzir o padrão observado nos últimos anos, de distribuição recorde de dividendos. É necessário avançar além do pedido de renegociação dos TCCs com o Cade e ter uma postura de estatização de alguns ativos estratégicos, sobretudo nas áreas de refino e distribuição de combustíveis. •
Publicado na edição n° 1306 de CartaCapital, em 17 de abril de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Cai não cai’
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