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Caça aos servidores

Especialistas e funcionários públicos denunciam em livro o assédio constante aos trabalhadores do Estado

Caça aos servidores
Caça aos servidores
Imagem: Edilson Rodrigues/Ag.Senado
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Há um fenômeno virulento e insidioso – porém quase imperceptível aos olhos da mídia e da maioria da população – a correr e ­corroer por dentro a estrutura estatal brasileira. Trata-se, desde o impeachment de 2016 e, mais ainda, desde o início do governo Bolsonaro, em 2019, do problema do assédio institucional, um fenômeno sociológico e jurídico novo e perturbador em âmbito federal.

Esse problema deixou de estar referenciado apenas ao âmbito psicossocial que lhe era próprio, para alcançar uma dimensão política superior, com nefastas implicações sobre a esfera pública. Ao mesmo tempo, deixou de ser um fenômeno esporádico ou localizado, como no passado, para se tornar, em razão da escala, método e funcionalidade que hoje possui, um instrumento patológico de gestão, cuja prática intencional busca fazer avançar, simultaneamente: i) um tipo de liberalismo econômico fundamentalista e de índole autoritária; ii) ataques diuturnos ao que ainda resta da Constituição; e, ao fim e ao cabo, iii) a desconstrução do Estado Nacional, suas organizações, institucionalidades, políticas e servidores públicos.

Estes são, portanto, os temas tratados – e denunciados – no livro Assédio Institucional no Brasil: Avanço do Autoritarismo e Desconstrução do Estado. A obra representa tanto um registro teórico e empírico acerca do assédio institucional, entendido como técnica ou método do governo Bolsonaro para levar a cabo, cotidianamente, os seus intentos político-ideológicos, como representa a comprovação fática dos seus malfeitos e crimes contra a administração federal, servidores públicos e contra a própria população em geral, a maior e mais séria vítima do problema em tela.

ASSÉDIO INSTITUCIONAL NO BRASILVários. Eduepb 805 págs., grátis (Informações no site da Afipea)

As evidências do livro são de natureza quantitativa e qualitativa. No primeiro caso, as informações provêm de três ferramentas (independentes mas complementares) criadas para tanto, isto é: i) o Assediômetro, inventado e alimentado pela Afipea-sindical, a Associação dos Funcionários do Ipea; ii) a Agenda de Emergência, ferramenta desenvolvida pelo Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (Laut) para catalogar atos e comportamentos de autoridades estatais que podem trazer riscos à liberdade e à democracia no Brasil; e iii) o Mapa da Censura, a cargo do Movimento Brasileiro Integrado pela Liberdade de Expressão Artística (Mobile).

No segundo caso, as informações e análises qualitativas perpassam praticamente todos os capítulos do livro e se referem tanto a documentos e atos normativos oficiais, notícias e reportagens especiais veiculadas por diversos tipos de mídias e redes sociais, experiências e vivências próprias de vários dos autores e autoras do livro, bem como entrevistas formuladas e conduzidas junto a uma gama imensa e diversificada de servidores públicos federais (não identificados nas respectivas pesquisas), os quais puderam, cada qual do seu lugar de fala e posição/inserção institucional, relatar as mais diversas e preocupantes situações de assédio moral e organizacional com as quais têm se deparado.

Tudo somado, o livro contou com a participação ativa de algo como 50 pesquisadores e professores universitários, interessados ou especialistas nos respectivos temas que escolheram abordar. Seja individualmente, seja em conjunto, os 20 capítulos ali reunidos conformam uma visão ao mesmo tempo crítica e reparativa acerca do fenômeno do assédio institucional em âmbito estatal no Brasil. O interesse e a disponibilidade de cada ­um/uma deles/delas para o convite e a missão que lhes foi conferida, em meio às imensas atribulações e atropelos do dia a dia, dão mostras do caráter ético e compromissado dos autores e autoras – todos(as) eles/elas bastante experientes e renomados em seus respectivos campos de atuação e publicação – sempre que o assunto é o Brasil, o seu Estado Nacional e o seu projeto de desenvolvimento.

O livro representa a comprovação fática dos malfeitos do governo Bolsonaro

Ele está organizado em três partes, cujos títulos dão mostras da abrangência, profundidade e qualidade dos capítulos, a saber: i) A Escalada Contra a Democracia e o Assédio Institucional; ii) A Ofensiva Autoritária Contra as Liberdades Fundamentais; e iii) A Transversalidade do Assédio Institucional na Burocracia Federal. Trata-se, portanto, de um livro-denúncia, que torna públicos e notórios os processos concretos por meio dos quais o governo Bolsonaro – e o bolsonarismo que o engendra – precisam ser barrados. Barrados nas urnas, nas ruas, nas casas e nas organizações, sob o risco de, em conseguindo fazer avançar seus métodos fascistas e objetivos de destruição, colocar em perigo a tênue unidade social e territorial brasileira, bem como, de modo irreversível, as chances de enfrentamento coerente e eficaz das mazelas que deixarão pelo caminho.

Por essa razão, a prática dialógica constitui um dever daqueles que prezam pelos princípios constitucionais e pelo patamar de civilidade e decência que a sociedade brasileira havia conseguido alcançar com a Constituição. Nesse sentido, combater o assédio institucional e fazê-lo retroceder como princípio e método de governo é, ao mesmo tempo, condição necessária para barrar a destruição da Carta Magna e para retomar as virtudes cívicas e potencialidades da democracia como valor público, esta sim, um método salutar de governo numa sociedade hiper-heterogênea e complexa como a brasileira. •


*José Celso Cardoso Jr. é doutor em Economia e presidente da Afipea-Sindical. Frederico Barbosa da Silva é doutor em Sociologia e integrante  do conselho deliberativo da Afipea-Sindical.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1207 DE CARTACAPITAL, EM 11 DE MAIO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Caça aos servidores”

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