Economia

Brasil dá sinal verde para a gigante chinesa Huawei

O Brasil contraria os Estados Unidos, segue o México e a Argentina e abre as portas para a corporação

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Os Estados Unidos, maiores beneficiários da submissão e do entreguismo brasileiros, enfrentam desobediência, quem diria, no próprio quintal. O governo Bolsonaro, assim como fez o antecessor, facilita a vida do império entregando-lhe o patrimônio do País a preços de queima de estoque, mas declarou que não vetará a presença da chinesa Huawei, gigante mundial de informações e comunicação, na área de tecnologia 5G. A notícia contraria os interesses dos EUA, em disputa com a China pela hegemonia no planeta. Ambos travam uma batalha decisiva no front da tecnologia e inovação.

No centro da disputa está a tecnologia 5G (quinta geração), capaz de imprimir velocidade até 20 vezes superior àquela da atual 4G na transmissão de dados em redes sem fio, o que aumentará de modo exponencial o desempenho de produtos de consumo, aparatos de comunicação e de guerra que funcionam à base de circuitos eletrônicos, inclusive carros não tripulados, casas e cidades inteligentes e armamento digital de eficácia até hoje desconhecida.

A Huawei está de dois a três anos à frente das competidoras estadunidenses nessa tecnologia, confirmou em entrevista a CartaCapital o ministro-conselheiro da embaixada da China no Brasil, Qu Yuhui, e este é o motivo da pressão total de Donald Trump para os demais países isolarem a companhia com sede em Shenzhen.

A decisão favorável à Huawei foi anunciada pelo vice-presidente, general Hamilton Mourão, ao regressar de viagem à China, onde foi recebido pelo presidente Xi Jinping, distinção incomum, mas compreensível quando se considera que o Brasil é a maior fonte de suprimento alimentar daquele país e ainda uma das maiores economias e mercado do mundo. Não houve, é claro, qualquer esboço de soberania na decisão brasileira, mas simples submissão à pressão do seu maior parceiro comercial. Os chineses, reconheceu Mourão, são “negociadores muito duros”, e isso significa que sabem usar muito bem o fato de desembolsarem cerca de 100 bilhões de dólares anuais com importações de produtos brasileiros e de terem investido no País mais de 65 bilhões entre 2005 e 2018, de acordo com o Chinese Investment Dataset Tracker. Do lado de cá, pesou a pressão do agronegócio, dependente das exportações para o país oriental.

A alegação dos EUA para vetar o fornecimento de componentes à empresa chinesa e pressionar o resto do mundo a fazer o mesmo é que a tecnologia em disputa possibilita espionar os norte-americanos, embora Washington não tenha apresentado provas da acusação. “Eu não tenho esse receio. Não tenho dados para dizer que estão cometendo isso. Seria uma leviandade minha”, disse Mourão ao jornal Valor. “A Huawei chegou ao Brasil em 1998, é um participante muito ativo do mercado e tornou-se o maior fornecedor de equipamentos de telecomunicações aos principais operadores. O País sabe, portanto, da confiabilidade e segurança dos produtos que até agora não apresentaram nenhum problema no que se refere à segurança. Não há nenhuma prova de que ela os estaria utilizando para fins clandestinos ou para violar a segurança de outros países”, diz Qu Yuhui.

Segundo o jornal Financial Times, Mourão afirmou em Pequim que “o governo vê a Huawei com bons olhos” e que a empresa “está estabelecida no Brasil e fará mais investimentos”, acrescentando que representantes da companhia vieram a Brasília em maio para apresentar seus planos de expansão. Dois meses antes, Trump alertara Bolsonaro em Washington sobre a inconveniência do acolhimento da Huawei pelo Brasil.

Washington vetou a compra, pela Huawei e 67 afiliadas, de suprimentos norte-americanos, medida prejudicial às operações de redes e aos smartphones da empresa, que se preparou, entretanto, para essa possibilidade e talvez sofra perdas, mas sobreviverá, concordam especialistas de vários países. Há vulnerabilidade da China no que se refere à produção de microchips, principalmente dos mais avançados. Segundo Qu Yuhui, cada empresa vive uma situação diferente.

Mourão com Xi Jinping (Foto: Adinilton Faria/VPR)

“No ano passado, os EUA tentaram impor embargo contra a ZTE, outra gigante chinesa na área de telecomunicações. Nesse caso, o dano é bem maior que o sofrido pela Huawei, que há cinco ou seis anos começou uma empresa própria para desenvolver e fabricar chips. Claro, tem a questão da relação custo-benefício e talvez não seja tão competitivo como o chip dos Estados Unidos, mas não vai ser uma questão de vida ou morte, só é preciso saber se vale a pena ou não. Se os Estados Unidos suspenderem a venda de chips para a Huawei, a empresa não terá problema de sobrevivência, continuará no mercado, talvez com um custo maior.”

Em estágio de desenvolvimento avançado e com baixo custo diante das opções estadunidenses, a tecnologia 5G e os equipamentos da telecom chinesa são os preferidos na América Latina. As redes de telecomunicações do México dependem há anos da Huawei e, caso o país cedesse à pressão americana e a banisse, atrasaria o lançamento mundial de 5G de 2020 para 2023, estimam analistas. Empresários do setor de telecomunicações da Argentina afirmam que não há como excluir a companhia. O presidente do Chile, Sebastián Piñera, disse ao presidente da Huawei, Liang Hua, que o grupo é bem-vindo em concorrências públicas para projetos de cabos de fibra óptica e 5G, segundo noticiou o Financial Times.

A atitude radical do governo Trump causa estragos internos. Em manifestação interpretada como ataque indireto à Casa Branca, a Associação de Indústrias de Semicondutores dos EUA convocou Washington a agir na área de segurança nacional de modo a não prejudicar a capacidade da indústria local de semicondutores de competir globalmente e permitir ao país manter a liderança em áreas-chave, como inteligência artificial, computação quântica e telecomunicações de próxima geração.

O 3GPP, órgão internacional responsável por estabelecer os padrões 5G, alertou os EUA que colocar o grupo de telecomunicações Huawei em uma lista negra pode ter “um impacto dramático” na padronização futura, com uma bifurcação no desenvolvimento da tecnologia sem fio de última geração. O Google avisou o governo Trump que ele arrisca comprometer a segurança nacional dos EUA, se for adiante com as restrições à exportação para a companhia chinesa.

No começo do mês, o Instituto dos Engenheiros Elétricos e Eletrônicos, associação profissional líder na definição de padrões globais em tecnologia sediada nos Estados Unidos, proibiu a equipe da Huawei de revisar documentos de pesquisa sob a alegação de que o governo Trump incluíra o grupo chinês na lista negra que proíbe as exportações de tecnologia dos EUA para a empresa.

Menos de uma semana depois, o IEEE retrocedeu e emitiu uma declaração na qual afirmava haver recebido esclarecimentos do governo norte-americano sobre a aplicabilidade dos controles de exportação e que os funcionários da Huawei poderiam continuar a participar como revisores e editores.

A reviravolta ocorreu após a Associação Chinesa de Ciência e Tecnologia, órgão governamental da indústria, publicar uma carta aberta de dez dos institutos de pesquisa afiliados com críticas à proibição do IEEE. A discriminação iria impedir a Huawei de participar de discussões globais sobre 5G, cidades inteligentes e inteligência artificial, campos nos quais busca a liderança global no fornecimento de equipamentos de telecomunicações.

Ao que tudo indica, o cowboy Trump piscou. O presidente Liang Hua disse a repórteres dos EUA que o Google trabalha em parceria com o Departamento de Comércio norte-americano com o objetivo de encontrar uma solução para o problema das restrições, que, segundo a mídia internacional, afetam 1,2 mil fornecedores na terra de Tio Sam.

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