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Os setores de alimentação, vestuário, medicamentos e fontes renováveis de energia ganharão impulso no novo governo

O Farmácia Popular irá impulsionar o complexo industrial da saúde. O compromisso com a pacificação do País deve desestimular a compra de armas - Imagem: Prefeitura de Maringá/GOVPR e Imbel/Colog
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O terceiro governo Lula começa com o Congresso mais à direita, rombo orçamentário e menor espaço para imprimir a política econômica defendida pelo PT e seus aliados, o que dificulta projeções sobre a configuração da economia. Em contrapartida, esculpir um novo rosto econômico do País é chave para a oposição vitoriosa começar a construir a necessária hegemonia e é, nesse sentido, que economistas e analistas de investimento opinam sobre quais setores deverão ganhar impulso.

Antes cabe destacar, como novidade positiva para os vitoriosos nas eleições deste ano, que um dos principais catalisadores da economia tende a ser a combinação do resgate da agenda ambiental com a transição energética, tanto no que se refere a um novo impulso à obtenção de energia renovável, com destaque para o hidrogênio verde, quanto no que diz respeito a maiores possibilidades de obtenção de financiamento externo. Há um ambiente internacional ávido por um freio à devastação da Amazônia como forma de compensar o empenho insuficiente dos países ricos na redução dos gases de efeito estufa. As condições especiais do Brasil para dar conta dessa agenda e a elevada respeitabilidade mundial de Lula para negociar acordos apontam um campo amplo de oportunidades.

De modo geral, entre os setores econômicos que devem crescer, figuram aqueles dedicados a produzir os chamados bens-salário, ligados ao aumento do poder aquisitivo do trabalhador e a um maior investimento público, tanto no Minha Casa Minha Vida como na expansão da Farmácia Popular. É o caso dos setores de alimentação, bebidas, vestuário, medicamentos e construção civil. Esses ramos econômicos já mostraram, nos governos do PT, alta capacidade de reação positiva a aumentos ­reais do salário mínimo combinada à redução do custo da alimentação, a partir de políticas públicas eficientes e da ampliação do financiamento bancário liderado por bancos públicos, políticas que deverão ser restabelecidas conforme o compromisso de campanha assumido e reiterado.

Acrescentem-se a essa perspectiva de aumento de poder aquisitivo dos mais pobres a isenção de Imposto de Renda para ganhos inferiores a 5 mil reais e a manutenção do auxílio emergencial de 600 reais por mês. Em contrapartida, há uma perspectiva de declínio para setores como a indústria de armas, em consequência do compromisso político com a pacificação do Brasil, e para as importadoras de petróleo, no caso de prosperarem os planos de desdolarização, ainda que parcial, dos preços internos da gasolina e do diesel e de aumento do refino doméstico desses derivados de petróleo.

O arco de alianças mais amplo descarta a simples repetição de gestões anteriores na política econômica

Cabe sublinhar que, diante das fortes limitações do orçamento, o crédito assumirá importância ainda maior, de início a partir do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal, dos bancos públicos esta­duais e do BNDES. Esse último foi essencial, nas gestões anteriores do PT, no que diz respeito aos financiamentos para empresas e projetos de investimento do governo.

É preciso, porém, ter cautela com as projeções. “Neste momento, é um pouco prematuro falar sobre o tema. Faltam informações e não é evidente que teremos uma repetição de gestões anteriores, dado que o arco de alianças desta última candidatura é bem mais amplo, além dos atuais desajustes orçamentários”, chama atenção Rafael Cagnin, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, o Iedi.

De todo modo, observa Cagnin, seria importante considerar alguns aprendizados, a exemplo do que ele caracteriza como evidências dos limites de uma estratégia redistributiva assentada no gasto público. “Desta vez, seria importante que a estratégia envolvesse igualmente a arrecadação. Uma estrutura tributária saneada ajudaria não apenas na tarefa redistributiva, por deixar de ter seu atual caráter regressivo, como também no financiamento das políticas sociais identificadas como prioritárias”, sublinha o economista-chefe do Iedi. A recomendação está em sintonia com os primeiros movimentos pela unificação de impostos na gestão Lula.

Uma política de fortalecimento dos salários, acrescenta Cagnin, deveria vir acompanhada de uma “estratégia contumaz de aumento da produtividade”, de modo a atenuar o conflito distributivo, evitar eventuais pressões inflacionárias ou compressão de margens de lucro que dificultem os investimentos necessários para a modernização da estrutura produtiva.  Outro ponto de destaque, prossegue, é que parte da produtividade é cíclica e vem da ampliação do crescimento econômico via ganhos de escala e, por isso, responde a ações que estimulem a demanda.

O Minha Casa Minha Vida tem potencial para reativar o setor de construção civil. As fontes renováveis de energia devem ter farto financiamento internacional – Imagem: Secretaria da Habitação/GOVSP e Neoenergia/Chafariz

“A equação é, porém, mais complexa que isso. Há ganhos de produtividade que podem ser destravados de maneira mais rápida, como aqueles derivados da melhora da gestão da produção, sem grandes impactos orçamentários, como mostra a experiência do programa Brasil Mais Produtivo (atual Brasil Mais). Com ênfase em empresas de pequeno e médio porte, a ampliação desse programa, se benfeita, pode reduzir a heterogeneidade da indústria brasileira e, pela distribuição dessas empresas no território, levar ganhos importantes para o interior do País. Assim, todos os setores econômicos, especialmente a indústria, serão impulsionados.”

Um dos mais importantes aspectos ressaltados pelo representante do Iedi é que, sem ações eficazes na melhora do ambiente de negócios, parte importante do dinamismo gerado por eventuais políticas de aumento do poder aquisitivo da população e do resgate do investimento público pode ser capturada pela produção estrangeira, enfraquecendo o circuito. “Já vimos isto antes”, alerta Cagnin.

Há ainda a tarefa de identificar ­áreas que poderiam ser focos de ações direcionadas, a exemplo de energia, mas que vão além do tradicional binômio petróleo-gás. É possível incentivar mais as fontes renováveis, os biocombustíveis, a mobilidade urbana e o complexo industrial da saúde, com a produção de medicamentos e farmoquímicos. O importante é que as metas sejam factíveis, as ações sejam transparentes e periodicamente avaliadas e ajustadas, e sejam pensadas para além do tradicional recorte setorial. “Uma institucionalidade que envolva o setor privado e frações da sociedade civil interessadas ajudaria a ancorar tais políticas, cujos frutos tendem a ser colhidos em mais de um mandato presidencial, reduzindo, assim, os riscos de descontinuidade”, ressalta o representante do Iedi.

O economista Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC de São Paulo, identifica uma tendência de crescimento dos setores de alimentos, vestuário, bebidas, medicamentos, construção civil e daqueles ligados à economia de baixo carbono e energia renovável. “O impulso a ser dado na economia, com a mudança de paradigma, deve fomentar esses setores, pois haverá mais espaço para o crescimento de atividades de maior conteúdo local e geração de emprego e renda, criando um efeito multiplicador e um ciclo virtuoso, em detrimento dos setores mais importadores.” Em contrapartida, acrescenta, o setor de armamentos deverá declinar.

A mudança de paradigma aumentará o espaço para atividades de maior conteúdo local e geração de emprego

Lacerda destaca ainda, como cenário positivo, os setores de infraestrutura e máquinas e equipamentos, pois a retomada dos investimentos públicos e privados é uma necessidade para superar as lacunas e fomentar o crescimento sustentado. “Haverá também impulso na construção civil.” Com a nova configuração, a economia como um todo se diferenciará daquela instaurada pela dupla Bolsonaro-Guedes em ao menos três aspectos: 1. O aumento do papel do Estado como coordenador e impulsionador da economia, tendo inclusive a função de ampliar investimentos. 2. O papel das políticas públicas, entre elas as políticas industriais. 3. A retomada das funções clássicas de condução da economia, na recuperação de tradicionais ministérios da área, como os da Fazenda e do Planejamento.

Analistas da Toro-Santander, com base tanto nos mandatos passados de Lula quanto nos discursos e propostas mais recentes, traçaram cenários para possibilidades de investimentos e recomendaram um portfólio “bem posicionado” para os próximos anos, com títulos pós-fixados entre um e três anos, títulos atrelados ao IPCA com prazo entre dois e cinco anos, além de ações de “empresas de consumo não discricionário, pouco sensíveis ao cenário externo, que devem performar melhor”, dos setores de varejo popular, atacado e shopping centers voltados para as classes média baixa e popular. Empresas de construção civil, do setor educacional e fundos de logística compõem o conjunto de recomendações de investimento que a instituição denomina como “a melhor estratégia de alocação para 2023 e o próximo ciclo político do Brasil”. O trabalho foi elaborado pelos analistas Lucas Carvalho, João Freitas, Paloma Brum e Lucas Serra.

Já o analista Flávio Conde, da ­Levante Ideias de Investimentos, selecionou, pouco depois do primeiro turno, dez ações para compor o que chamou de “Carteira Lula”, escolhidas entre 19 setores e 60 papéis. “Isso, para quem gosta de curto prazo, eventualmente colocar 20%, no máximo 30% da carteira. Não são recomendações para a carteira de longo prazo, que não deve ter mudanças significativas, mas podem ser adequadas para quem quer aproveitar esse movimento de mercado até janeiro”, sublinhou Conde. Alguns dos papéis são para “entrar vendido”, isto é, se o investidor tem aquela ação, deve desfazer-se dela. A Carteira Lula contém ações dos setores de educação, construção, ­shopping centers, telecomunicações, varejo e supermercados. O analista recomenda, ainda, que os investidores se desfaçam de papéis dos setores elétrico, financeiro e petrolífero. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1233 DE CARTACAPITAL, EM 9 DE NOVEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Bolsa de apostas”

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