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O governo estuda um modelo para facilitar o acesso das micro e pequenas empresas ao mercado de capitais

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Incentivos. A redução do IR de quem comprar ações ou debêntures de pequenas empresas está em discussão, revela França – Imagem: Miguel Schincariol/AFP e Marcos Oliveira/Ag. Senado
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Historicamente, a expansão dos pequenos negócios brasileiros esbarra em uma parede quase intransponível, a falta de crédito para investimentos. Preocupado com essa limitação, o Ministério do Empreendedorismo, Micro e Pequenas Empresas iniciou em janeiro uma discussão interna para desenhar um modelo capaz de facilitar o acesso ao mercado financeiro das companhias de menor porte. Segundo o ministro Marcio França, a iniciativa, ainda em fase de estudos, deve sair do papel em 2025. “Para o ano que vem é uma grande possibilidade, acontece em países como Coreia do Sul e Canadá, mas o processo não é simples, pois a CVM tem critérios muito específicos, precisa de algumas garantias que hoje não existem”, afirmou França. Há dois modelos básicos, o de abertura de capital, na qual o mercado financeiro compra uma parte das ações, e a emissão de debêntures, títulos de dívidas das empresas negociados em Bolsa.

Uma das alternativas em estudo para resolver o problema das garantias é as empresas se juntarem em associações, como se fossem cooperativas, e ampliar a atratividade aos investidores privados e institucionais. A ideia é oferecer incentivos para a adesão do mercado a estes papéis, como isenção de Imposto de Renda ao investidor. Segundo França, outra possibilidade na mesa é de que os trabalhadores possam usar uma pequena fatia do Fundo de Garantia — entre 1% e 2% — para este tipo de investimento, que proporciona rendimento acima da média da poupança.

Dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), do Banco Mundial e do Banco Central apontam que, enquanto geram 52% dos empregos formais e contribuem com 30% do Produto Interno Bruto, as micro, pequenas e médias empresas abocanham apenas 18% da carteira de crédito do País. Estudo recente conduzido pela Líber, especializada em financiamentos à cadeia produtiva, quantifica o potencial não explorado para a concessão de créditos às PMEs, que poderia ser duas vezes e meia maior. Em vez dos 195 bilhões de dólares atuais, o montante chegaria a 678,5 bilhões, de acordo com os cálculos da Liber. Ou seja, a demanda reprimida por crédito passa de 480 bilhões de dólares, o que revela a magnitude do desafio. Recém-lançado, o programa Acredita visa suprir parte desse vazio e oferta linhas de financiamento com taxas subsidiadas, além da securitização de ativos imobiliários. Um modelo inovador, mas insuficiente.

Uma das inspirações para ampliar o acesso das pequenas ao crédito é o mecanismo de debêntures de infraestrutura, desenvolvido pelo Ministério da Fazenda e sancionado em janeiro pelo presidente ­Lula. O instrumento oferece condições especiais para as empresas emitirem dívidas, com a exigência de que os recursos sejam destinados a projetos econômicos focados em pesquisa, desenvolvimento e inovação. O estudo, encaminhado pelo secretário-executivo, Renato Soares, para avaliação da Fazenda, projeta que as debêntures possam ser emitidas tanto individualmente quanto por um grupo de empresas de um setor e localidade específicos.

Um dos problemas a serem resolvidos é a oferta de garantias aos investidores

Segundo França, o ministério pretende criar um fundo garantidor para os investimentos, com limites de até 10 mil ­reais. “Existem corretoras prontas para esse tipo de operação. Precisamos divulgar, garantir segurança e criar confiança. Investir em uma empresa é um risco, e se não der certo, é preciso ter uma garantia.”

O economista Bruno Corano, sócio da Corano Capital, acredita que, se o produto estiver bem estruturado, não será difícil comercializá-lo. “Tem tudo para dar certo”. A isenção de IR, diz, é um incentivo importante para aumentar a atratividade do investimento. “Mas, lembrando, o principal vai ser a entrega de um produto bem estruturado e com garantias”, reafirma. “Na prática, o funcionamento é muito simples. É nada mais do que a emissão de dívida de uma empresa privada, que pode ser um consórcio, um grupo de empresas, mas, de qualquer forma, é uma dívida privada, que pode ou não ter algum grau de securitização (agrupamento e a conversão de dívidas em títulos padronizados e negociáveis no mercado de capitais) do governo”. O modelo é tradicional, muito simples e muito comum, acrescenta o economista.

A eventual permissão para o uso do FGTS tende a diversificar o perfil dos investidores e aumentar o volume de recursos disponíveis. Resultado: quanto maior a liquidez dos papéis, maior a quantidade de investidores dispostos a comprá-los. “Existem algumas referências internacionais. Eu vou dar o exemplo aqui nos Estados Unidos. Aqui é muito mais fácil uma empresa, mesmo ainda pequena, emitir dívida.”

E esse é o grande desafio no Brasil, apontou Corano. Como nos Estados Unidos o acesso ao capital é mais fácil, seja via financiamento bancário institucional, seja por meio da emissão de dívidas, é muito mais simples para as pequenas empresas conseguirem acessar os investidores e colocar seus planos em prática. Além disso, existe um número maior de corretoras e maior aceitação desse tipo de produto. Uma debênture não se compra em um banco de varejo, tradicionalmente só por meio de corretoras de valores. •

Publicado na edição n° 1312 de CartaCapital, em 29 de maio de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Bolsa acessível’

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