Economia
BC equipara Nubank, PagSeguro e Mercado Pago a Itaú, Bradesco, Santander e BB
Instituições de pagamentos que atuam como bancos vão ter novas e maiores exigências de capital
Era pedra cantada. A explosão das fintechs voltadas à prestação de serviços financeiros, que somavam 1.159 no último Fintech Report da plataforma Distrito, de maio de 2021, levaria a uma equiparação regulatória aos bancos tradicionais. Esse dia não chegou para todas, mas, no início de março, o Banco Central anunciou que, para efeitos de capital mínimo e regulação prudencial, vai equiparar Nubank, PagSeguro, Mercado Pago e similares a Itaú, Bradesco, Santander e Banco do Brasil a partir de 2023.
Depois de quase 14 meses a examinar demandas e ouvir as ponderações das entidades e instituições interessadas, o BC baixou uma série de resoluções que ampliam as regras prudenciais para instituições de pagamentos conforme seu porte e complexidade. Ele manteve regras simplificadas para conglomerados liderados por IPs, mas não integrados por instituição financeira e estendeu a grupos financeiros liderados por estas a proporcionalidade das exigências regulatórias existente para os conglomerados de instituições financeiras. Segundo comunicado do Banco Central, a nova regulação preserva a entrada facilitada para novos concorrentes no segmento de pagamentos, de modo a aumentar a competição no sistema e a inclusão financeira. “O BC acabou atendendo aos três desejos ao mesmo tempo”, diz o presidente da Associação Brasileira das Fintechs, Diego Perez. “O desejo do segmento que eu represento era criar uma regulação de exigência de capital proporcional ao porte e relevância da fintech no segmento em que ela atua, porque entendemos que, quando a fintech é pequena, ela precisa de espaço para crescer, logo ser livre de amarras burocráticas para poder se tornar um player grande. Nisso obtivemos sucesso, pois o BC criou três categorias de conglomerados.”
O tipo 1 é o conglomerado controlado por uma instituição financeira, como as subsidiárias digitais dos “bancões” tradicionais. A lógica é que, se o controlador é um banco, tudo o que integra a mesma estrutura é banco. O conglomerado tipo 2, que é o representado por Perez, é formado exclusivamente por fintechs. “Neste caso, o BC acatou o nosso pedido e criou uma regulação proporcional com base em modelos que levam em consideração o volume transacional, o número de usuários… É proporcional ao tamanho que o conglomerado atinge”, esclarece o executivo.
No terceiro tipo, a mão do BC pesou mais, pois são conglomerados controlados por fintechs, mas que possuem instituições financeiras no guarda-chuva e fazem operações de crédito. O requerimento de capital mínimo é diferente de um banco, logo o Banco Central tratou de nivelar o campo de jogo entre os bancos e essas fintechs, que de 2023 a 2025 terão de alocar mais capital para fazer frente aos riscos de crédito. “As novas regras do Banco Central impactam negativamente a competitividade no setor”, afirmou em nota a Zetta, entidade que tem entre os sócios Nubank, Mercado Pago e Inter, entre outros. A regulação, ressalta o texto, “diverge da proposta original do Banco Central, que havia desenhado uma regulação específica, proporcional e adequada para o mercado brasileiro, e incluía bancos pequenos e médios”.
A regulação foi aplaudida pela Febraban e criticada pelas maiores fintechs
O presidente da Federação Brasileira de Bancos, Isaac Sidney, sublinhou que “o crescimento das IPs e a sua relevância para o setor bancário e financeiro tornaram absolutamente imprescindível esta modernização e atualização do seu marco legal”, buscando “o difícil equilíbrio entre uma normatização efetiva, que contribua para a redução do risco do setor e que, ao mesmo tempo, seja simétrica, evitando arbitragens regulatórias e que preserve os incentivos à inovação e à competição no setor financeiro”.
O economista Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos, e um crítico de longa data dos “bancões”, endossa a posição da Febraban. “Se as fintechs atuam como bancos, têm que ser reguladas como bancos, senão é concorrência desleal.” Oliveira ressalta, contudo, que os grandes bancos não deram muita importância para as fintechs, como, aliás, fizeram com o crédito consignado, 20 anos atrás. “Quando surgiu, quem oferecia crédito consignado eram as financeiras independentes, pois os grandes bancos não se interessavam porque entendiam que havia um produto muito mais rentável, que era o crédito pessoal, então por que abrir mão de um ganho maior no crédito pessoal oferecendo crédito consignado?”, lembra. “Só quando perderam o fluxo de negócios e de clientes e se deram conta de que não poderiam ficar de fora é que acabaram aderindo ao consignado. Agora, é a mesma coisa com as fintechs”, aponta.
O economista não tem dúvida de que trouxeram benefícios aos clientes e que estabeleceram uma “concorrência saudável” que obrigou os bancões a se mexerem, mas com limitações. A mesma opinião do especialista em Direito Bancário Jairo Saddi, autor de Fintechs – Cinco Ensaios, em que o professor da FGV Law analisa o boom dessas startups. “É preciso um olhar mais aprofundado, verificar as verticalidades de negócios, o fato de que as fintechs não têm contas correntes de fato, não têm contas correntes alavancadas, mas convertidas em títulos públicos, restringiu o aumento da concorrência.” Perez salienta que as fintechs “estão entregando” a promessa de melhorar o acesso aos serviços financeiros, na medida em que sua principal característica é propiciar uma experiência diferente de uma instituição tradicional. E muitas delas fornecem essa experiência a indivíduos e a pequenos e médios estabelecimentos que nunca tiveram esse acesso, para quem qualquer experiência é uma experiência boa. “O Brasil é um país de dimensões continentais, não apenas em extensão territorial, como em termos populacionais: são mais de 200 milhões de habitantes, dos quais cerca de 60 milhões acessam os serviços financeiros de maneira insuficiente ou não acessam de maneira alguma, incluindo aí muitos com restrições de crédito que os bancos não têm interesse comercial em atender”, frisa o presidente da ABFintech.
Jairo Saddi alerta: “O grande desafio é que banco precisa gerar ativo. Você só consegue ganhar dinheiro em banco se conseguir captar barato. E eu acho que esse desafio as fintechs precisam provar: o quanto vão conseguir captar barato e gerar ativos caros. Conceder crédito não é trivial”. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1203 DE CARTACAPITAL, EM 13 DE ABRIL DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Regras iguais”
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