Economia

As ironias de Delfim

As inquietações instigam as mentes inquietas. Essa aparente redundância faz-se necessária para revelar as formas de nossas concordâncias e divergências em torno das questões sociais e econômicas

As ironias de Delfim
As ironias de Delfim
O professor Dani Rodrik entre os economistas Luiz Gonzaga Belluzzo e Antonio Delfim Netto. Fotos: Marcos Mendez
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Recebi a solicitação de nossa CartaCapital para rabiscar algumas linhas a respeito do meu amigo Delfim Netto. A despeito das divergências que nos ocuparam durante o regime militar, celebramos nossa reconciliação quando compareci ao lançamento de sua candidatura a deputado federal, nos idos de 1986. A partir de então, cultivamos em nossas conversas as saudáveis inquietações que, certamente, instigam as mentes inquietas.

As inquietações instigam as mentes inquietas. Essa aparente redundância pleonástica faz-se necessária para revelar as formas de nossas concordâncias e divergências em torno das questões sociais e econômicas. Tampouco desalinhamos nossas preferências pela crítica, sempre pontuada pela ironia.

Há alguns anos, Delfim apresentou nas páginas da CartaCapital uma resenha do meu livro  escrito em parceria com Gabriel Galípolo. O tom, entre o elogioso e o irônico, revela a qualidade e o talento literários do professor Delfim.

“Os autores tratam de Marx como marxianos, não como marxistas, o que lhes ocupa pelo menos 20% do livro. O tratamento é sofisticado. O apoio não é ‘O Capital’, mas a sua antecipação, o ‘Grundrisse’, o que lhes dá a alavanca para ligá-lo à crise financeira de 2008. Nele, Marx desvenda os fundamentos – a forma do valor – a partir da análise da primeira grande crise do capitalismo, iniciada em 1857. Coloquemos as coisas no seu lugar. Marx é hoje um patrimônio da humanidade e não podemos deixá-lo monopólio dos epígonos que o atormentam. Cuidam de Keynes com não menor profundidade. Exploram sua ideia fundamental: a absoluta ‘incerteza’ sobre o futuro, porque ele não está contido no passado. O mundo da economia não é ergódico. O mercado é incapaz de produzir um ‘equilíbrio’ social e econômico que corrija os problemas que continuam a acompanhar o capitalismo: a pobreza (a escassez na abundância) para os menos ‘competitivos’; a desigualdade (que a financeirização acelerou) e a irregularidade (com ciclos periódicos já apontados por Marx no ‘Grundrisse’). O que ainda não se encontrou é como fazê-lo num mundo em que prevalece o Estado Democrático de Direito.”

No opúsculo de 2002, O Mercado e a Urna, Delfim já havia desenvolvido suas razões a respeito das desavenças entre os mercados e o Estado Democrático de Direito.

“Quando uma política econômica extremamente amiga do mercado financeiro (o ‘mercadismo’) tem que conviver com um sistema político democrático-partidário (a ‘urna’), é preciso muita atenção para manter o equilíbrio social. As extravagâncias do ‘mercadismo’, que com sua pretensão científica acentua as desigualdades e é leniente com o desemprego e a pobreza, tendem a ser corrigidas pelas urnas. Infelizmente, a correção é sempre exagerada, com a ‘urna’ manifestando o voluntarismo dos novos chegados ao poder. Estes, por sua vez, serão punidos pelo ‘mercado’! Para que esse mecanismo de autocorreção ‘mercado’- ‘urna’-‘mercado’-‘urna’… convirja para um equilíbrio social aceitável, é preciso evitar os abusos recíprocos. Isso exige sólidas instituições políticas e jurídicas.”

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