Economia

As contradições do campo no Brasil

A agropecuária brasileira é pujante, mas precisa também se tornar mais plural e abrir espaço para o pequeno produtor

A colheita de grãos na safra atual deve chegar a 180 milhões de toneladas
Apoie Siga-nos no

Tal como na vida, há coisas no setor agropecuário brasileiro que vão bem e outras que vão mal.

Frase boba, dirá o sempre apressado e exigente comentarista digital. Qualquer sermão matinal ou vespertino na tevê vaza tais marés para nos incentivar as coragem e persistência, algo que muitos se gabam de ter sem noção do quanto, às vezes, é inócuo e dolorido dar murro em ponta de faca.

A cidadania no Brasil é um exemplo.

Em se tratando de economia, ciclos, conjunturas e estruturas fazem da agropecuária uma eterna corrida de revezamento 4 x 100 com barreiras.

Quatro os produtos, que tanto podem ser os atletas alho, soja, leite, suínos ou substitutos vários, desde que com boas marcas na corrida pela demanda. Cem os metros até a linha de chegada, que deverão alcançar vivos e com fôlego para a próxima prova. Barreiras, as regulamentações competitivas, infraestruturais e políticas.

Daí eu alertá-los para não se avexarem quando folhas e telas cotidianas chamarem senhores e senhoras para testemunharem que abobrinhas estão caras e a carne baixou de preço. Vocês passaram e ainda passarão a vida vendo isso. O futebol é assim mesmo, diria o entrevistado à beira do campo. Um dia a gente perde outro a gente ganha.

“Vista assim do alto mais parece um céu no chão”.

Quando Paulinho da Viola eternizou essa poética, falava da Mangueira e repetia imagem que outros compositores geniais trouxeram do que se vê do alto dos morros cariocas.

O mesmo pode ser dito da agropecuária brasileira.

Querem vê-la pujante, moderna, conquistadora? Olhem-na do alto. Ou, para gáudio de nossas rurais bancadas, confederações e economistas-chefes, deem a ela “um olhar macro”, sacou?

Na atual safra, serão 180 milhões de toneladas de cereais, leguminosas e oleaginosas – mas podem me chamar de grãos – colhidas em 53 milhões de hectares de terras bem cultivadas, protegidas e aguadas por céus ou pivôs de irrigação; quase 3,0 milhões de sacas de 60 kg de café beneficiado; 750 milhões de toneladas de cana-de-açúcar; 16 milhões de toneladas de laranjas.

Acrescente aí umas lavouras menores, como cebola, batata, mandioca, tomate, fumo, cacau, banana, e teremos 20 culturas ocupando 68 milhões de hectares de terra, um terço do potencial agricultável que ainda nos resta. Se deixarem.

O valor bruto de produção dessas 20 culturas deverá alcançar, neste ano, 280 bilhões de reais.

Outra riqueza brasileira vem da produção animal. Entre carnes, leite e ovos, deveremos recolher mais 170 bilhões de reais.

Total do agro não agreste: 450 bilhões de reais, gerados dentro das fazendas, antes, portanto, de cruzar com a indústria e o setor de serviços.

Em dez anos, a taxa anual de crescimento foi de 9,5%. Forte a nossa caboclinha, não? Pouca coisa assim cresceu.

Sem dúvida esse desempenho ajudou-nos a ter um consumo interno de alimentos a preços compatíveis com o nível de renda da população média e sermos um dos principais produtores e exportadores mundiais de alimentos, fibras e energia renovável.

Tem mais: com José Graziano da Silva, na FAO, e Roberto Azevêdo, na Organização Mundial do Comércio (OMC), as duas principais organizações do planeta que tratam dos assuntos sérios da agropecuária serão comandadas por brasileiros.

É muito quando vista assim do alto.

Por que, então, ao aproximarmos a vista das ladeiras, ruelas e escadarias dos morros, precisamos sair da exaltação de Paulinho da Viola para o lamento de Zé Kéti?

“Acender as velas já é profissão, quando não tem samba tem desilusão”.

É nessa lupa, que nem precisa ser tanto lupa assim, um simples óculos de leitura talvez servisse, que a agropecuária mostra o que vai mal.

Homens e mulheres, simples assim. Os de sempre, que poderiam viver de uma atividade lucrativa e duradoura, se não perdida em emaranhados burocráticos, domínio de interesses legislativos e truculências incomuns a Eldorados, que não dos Carajás.

Dessas contradições a coluna viverá daqui em diante.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo