Economia
Alta na Selic deve gerar gasto adicional de R$ 26 bilhões para a União, calcula Dieese
O economista Gustavo Cavarzan avalia que a nova alta na taxa de juros traz inúmeros prejuízos para a economia brasileira


A decisão do Comitê de Política Monetária do Banco Central de elevar a taxa básica de juros, a Selic, de 10,75% para 11,25% ao ano deve gerar um impacto adicional de pelo menos 26 bilhões de reais para a União. O cálculo foi feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Segundo a entidade, o cálculo foi feito a partir de dados do BC para o mês de julho de 2024, que indicaram que a dívida do setor público indexada à taxa Selic gira em torno de 5,1 trilhões de reais.
O economista do Dieese, Gustavo Cavarzan, avalia que a nova alta na Selic traz inúmeros prejuízos para a economia brasileira, na medida em que se torna mais interessante para quem tem recursos aplicar em títulos da dívida pública, por exemplo, do que realizar investimentos produtivos que geram empregos.
“Acaba levando também a uma elevação dos juros cobrados dos bancos para famílias e empresas que precisam de crédito, elevando o comprometimento da renda das famílias e do faturamento das empresas com encargos com juros de dívida com o setor bancário. Todos esses fatores drenam recursos da economia real do Brasil para o setor financeiro, impedindo um maior dinamismo econômico”, avaliou.
O especialista da subseção do Dieese na Contraf-CUT criticou ainda a justificativa usada pela autarquia para seguir com o ciclo de alta nos juros, que falou em “desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros”. Para Cavarzan, o BC atua com um remédio único para a inflação, quando poderia lançar mão de outras estratégias.
“O IPCA acumulado em 12 meses está em 4,42%, portanto abaixo do teto da meta estabelecida para a inflação no Brasil. E as maiores altas do índice estão relacionadas com itens alimentícios e energia elétrica, ambos impactados por questões sazonais ou climática”, afirmou.
“A inflação é um fenômeno de causas variadas, mas o Banco Central atua com um remédio único, que são os choques de juros. O IPCA de serviços que é a parte do índice que reflete esse suposto excesso de demanda variou muito abaixo da média em setembro, por exemplo. Portanto o ciclo de aumento de juros não só é desnecessário, como é prejudicial”, disse em entrevista a CartaCapital.
Com o novo aumento do BC, o Brasil fechou esta quarta-feira com a terceira maior taxa real de juros do mundo, segundo o monitoramento da consultoria MoneYou. Em primeiro lugar no ranking da taxa real, que desconta a inflação projetada para os próximos 12 meses, está a Turquia, com 15,18%, seguida pela Rússia, com 12,19%. O Brasil chegou a 8,08%.
‘Taxa de equilíbrio’ da Selic
O economista lembrou que o próprio Banco Central estima que a taxa de juro real neutra no Brasil, ou seja, aquela que nem estimula e nem desestimula a economia, está em 4,75%. “Com a inflação atual e com essa taxa neutra, portanto, a Selic deveria estar girando na casa dos 9,3% a 9,5%. Mesmo esse patamar mais civilizado ainda deixaria o Brasil entre as cinco maiores taxas reais do mundo. Portanto, independente de estimativas de taxas de equilíbrio ou taxas neutras, é certo que a taxa atual do Brasil está fora de lugar”, pontuou.
Na avaliação de Gustavo, as perspectivas para 2025 não são muito diferentes das atuais, mesmo após a posse de Gabriel Galípolo, indicado de Lula (PT), no comando da autarquia. Segundo ele, é necessário que o Brasil promova um amplo diálogo sobre parâmetros da gestão da política monetária que poderiam ser ajustados ou redesenhados.
“Isso não significa de forma alguma menor preocupação com a inflação, que é um processo que deve ser combatido na medida em que afeta o poder de compra da população. Mas é possível questionar se a meta de inflação de 3% é adequada ou não, por exemplo, numa economia com as características da brasileira”, afirmou.
Confira os resultados das reuniões do Copom desde o último ciclo de redução:
- agosto de 2023: de 13,75% para 13,25%;
- setembro: de 13,25% para 12,75%;
- novembro: de 12,75% para 12,25%;
- dezembro: de 12,25% para 11,75%;
- janeiro de 2024: de 11,75% para 11,25%;
- março: de 11,25% para 10,75%;
- maio: de 10,75% para 10,50%;
- junho: manutenção em 10,50%;
- julho: manutenção em 10,50%;
- setembro: de 10,50% para 10,75%;
- novembro: de 10,75% para 11,25%.
Quando a decisão do Banco Central é pelo aumento na Selic, o objetivo é desaquecer a demanda: os juros mais altos encarecem o crédito e estimulam a poupança, razão pela qual taxas elevadas também podem dificultar a expansão da economia. Ao reduzir a Selic, por outro lado, a tendência é que o crédito fique mais barato, com incentivo à produção e ao consumo, reduzindo o controle da inflação e estimulando a atividade econômica.
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