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Ajuste de mercado

Os investidores agora estão mais assustados com a radicalização bolsonarista do que com a volta do PT

Os ADRs na Bolsa de Nova York caíram, mas o investidor estrangeiro começa a voltar ao Brasil - Imagem: Spencer Platt/Getty Images/AFP
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O mercado financeiro ficou mais assustado com o silêncio de Jair Bolsonaro e os bloqueios dos caminhoneiros do que com a vitória de Lula. O dólar, o ativo mais sensível a turbulências políticas em todos os tempos e quadrantes, caiu 2,6%, para a menor cotação em dez dias, no valor de 5,17 reais. O índice Ibovespa, por sua vez, fechou em alta de 1,37%, aos 116 mil pontos, graças ao desempenho estelar do chamado “kit Lula”, isto é, ações de setores que tendem a se beneficiar em um novo governo petista, notadamente educação, saúde e varejo. As ações de estatais, que sairão da fila da privatização, amargaram as maiores perdas no dia seguinte.

“O novo presidente ganhou com diferença de 2 milhões de votos, muito pequena, e com um Congresso muito desafiador. Além disso, ele teve o apoio decisivo do centro, sem o qual não se elegeria. Isso tudo dá um espaço para que venha um governo menos numa direção só e mais como uma coisa pensando no Brasil como um todo. Por isso é que eu vejo o mercado reagindo bastante bem, Bolsa estável, curva de juros fechando, taxa de câmbio apreciando”, comentou o CEO e fundador da Mauá Capital, Luiz Fernando Figueiredo. “Algumas pessoas achavam possível algum barulho relevante, mas não teve.”

Thomas Haugaard, gerente de Portfólio de Mercados Emergentes na gestora Janus Henderson Investors, de Londres, segue a mesma linha: “A principal surpresa foi que Bolsonaro acabou muito mais competitivo do que se pensava anteriormente e isso tem várias implicações. Primeiro, o risco de a eleição ser contestada por Bolsonaro é maior. Em segundo lugar, o risco de protestos dos apoiadores de Bolsonaro também aumenta – e estamos vendo isso com alguns bloqueios de estradas por caminhoneiros. Embora acreditemos que haverá uma transferência democrática no fim, há riscos de turbulência no curto prazo. Em terceiro lugar, uma eleição mais apertada significa que Lula provavelmente será mais limitado nas políticas de esquerda, pois a parte do Congresso dominada pela centro-direita se sentirá mais empoderada.”

Sobre esse pano de fundo, ativos brasileiros negociados em Nova York abriram em forte queda na segunda-feira 31, principalmente os recibos de ações da Petrobras, com recuo de mais de 10% no pré-mercado norte-americano. O ETF i­Shares MSCI Brazil (EWZ), principal fundo de índice brasileiro em Nova York, caiu 5,21%, enquanto o dólar abria com alta de 1,86%, negociado a 5,38 reais no mercado local. A forte baixa de Petrobras e Banco do Brasil prosseguiu ao longo do dia na B3. No fim do pregão, os papéis preferenciais de petroleira haviam perdido 8,47%, para 29,81 reais e as ordinárias, 7,04%, para 33,26% – e com um volume negociado de 10,8 bilhões de reais e de 7,9 bilhões, respectivamente –, os maiores desde a demissão de Roberto Castello Branco da presidência da estatal, em 19 de fevereiro de 2021, segundo levantamento do analista Einar Rivero, da TradeMap.

A tese é de que Lula, dada a vitória apertada, terá menor margem de manobra nas políticas públicas

Entretanto, a queda das ações das estatais, que pesam muito na composição do Índice Bovespa, foi compensada pelas ações de empresas de educação, moradia popular, varejo e saúde, que registravam ganhos firmes, antecipação da atenção do futuro governo a essas áreas e ao crescimento do consumo. No topo das altas, alinharam-se CVC (9,63%), ­Alpargatas (9,04%), Azul (8,91%), Gol (8,83%) e ­Hapvida (8,48%). A Bolsa encerrou o dia com alta de 1,3%, aos 116 mil pontos, com o expressivo volume de 41,9 bilhões de reais, o quinto maior do ano no levantamento da TradeMap. E com um detalhe emblemático: “O investidor estrangeiro demonstrou interesse renovado no mercado de capitais brasileiro, entrando com grande fluxo de investimento”, segundo análise da Genial Investimentos.

“Falei com nossos investidores estrangeiros um pouco antes da eleição. Eles têm o distanciamento que nós teríamos ao olhar a eleição em outro país. Não têm essa paixão que às vezes contamina aqui a turma da Faria Lima. A memória do estrangeiro é de um governo do Lula com aderência muito grande àquele tripé econômico, que gerou superávits primários, teve consolidação fiscal, crescimento econômico bom. Essa memória para o estrangeiro é muito forte”, sublinhou o gestor de um fundo dedicado exclusivamente a estrangeiros e que prefere não ter o nome citado. “A primeira preocupação deles era a contestação do resultado, mas o fato de não ter havido nenhuma mensagem por parte do Bolsonaro questionando o resultado, passadas 24 horas do pleito, tranquiliza, porque cada minuto que passa deslegitima qualquer questionamento, que levasse a uma situação como a da derrota de Donald Trump nos EUA”, acentuou.

Mas, se o investidor estrangeiro é muito menos ressabiado com Lula do que a Faria Lima, para todos são estas as fontes de futura incerteza e volatilidade: a composição do ministério, particularmente da equipe econômica, o tratamento do orçamento para 2023, recheado das “bondades” eleitoreiras de Bolsonaro, e a política fiscal. “Os nomes da equipe econômica darão uma indicação importante aos investidores sobre o tamanho da aderência à responsabilidade fiscal”, citou Rafael Bevilacqua, estrategista da casa de análise Levante. Para a Genial Investimentos, cujo economista-chefe é José Márcio Camargo, há três possibilidades. A primeira? Lula indicar um dos economistas ortodoxos que o apoiaram na campanha, sinalizando uma política de crescimento econômico e redução da desigualdade, “mas dentro de parâmetros definidos pelo equilíbrio fiscal e da estabilidade econômica”, que teria todo apoio do mercado. A segunda, tida como a mais provável, seria ­nomear para o Ministério da Economia um integrante do PT com experiência no setor público, um ex-governador do Nordeste, por exemplo, como ocorreu no primeiro mandato em 2003, podendo contar com a “neutralidade” do mercado. E a terceira, nomear um economista com perfil “desenvolvimentista” e encarar uma reação “extremamente negativa”. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1233 DE CARTACAPITAL, EM 9 DE NOVEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Ajuste de mercado”

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