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Água e vinho

As divergências sobre a nova política industrial do governo parecem irreconciliáveis entre economistas

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Inclusão digital. O PAC pretende beneficiar 158 mil escolas públicas – Imagem: Geovana Albuquerque/Agência Brasília
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A elevação expressiva do salário real e da massa salarial, assim como as sucessivas revisões para cima das estimativas de crescimento do PIB, amplamente noticiadas pela mídia, é animadora, mas não deve encobrir a necessidade de grandes investimentos para o País consolidar os avanços e fazer a economia galgar vários degraus até superar a condição de “emergente”. Um dos principais programas do governo nessa direção, a Nova Política Industrial (NPI), com investimentos previstos de 300 bilhões de ­reais, foi tema de ao menos dois seminários recentes de economistas, o primeiro organizado pela Folha e o Ibre-FGV, com duras críticas ao modelo proposto pelo governo, e o segundo promovido pela LCA Consultoria, que examinou o potencial desse plano, articulado ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), para iniciar uma retomada do processo de desenvolvimento.

No debate da Folha/Ibre-FGV, Marcos Mendes apontou a existência de “uma série de incentivos de apoio à manufatura via gastos tributários”, para condenar qualquer novo estímulo. Nelson Marconi apoia o programa, mas ressalta a necessidade de acompanhamento de metas e resultados e o risco de a NPI fracassar se o “ambiente econômico do País não estiver em ordem”. Já Armando Castelar considera que o plano tende a repetir erros do passado, como a alegada falta de foco no aumento da produtividade.

No webinar da LCA sobre a Nova Política Industrial e o PAC, Rafael Lucchesi, diretor da Confederação Nacional da Indústria e presidente do Conselho de Administração do BNDES, criticou a “visão hegemônica fracassada que alguns têm defendido”. Os principais países, sublinhou, já abandonaram o Consenso de Washington e mesmo os EUA já abandonaram o Consenso e “esse receituário atrasado”. É urgente implantar a NPI, sublinha Lucchesi, porque há uma janela de oportunidade com uma grande transformação na economia mundial. O mundo vive o momento-chave das transições energéticas e da economia verde, em resposta à emergência climática, agravado pelos fenômenos geopolíticos, sobretudo a disputa de hegemonia entre EUA e China, com agravantes como a guerra da Ucrânia e a instabilidade no Oriente Médio.

O incentivo estatal à indústria foi fundamental para o desenvolvimento do País, observa Lucchesi, da CNI

O diretor da CNI destaca o fato de que os EUA investiram, desde 2001, 1,9 trilhão de dólares para avançar na descarbonização da sua economia, com uma política fortíssima de subsídios, de defesa de conteúdo local e também de apoio forte a novos pacotes tecnológicos de Pesquisa e Desenvolvimento. Com os mesmos objetivos, a Europa aloca 1,6 trilhão em investimentos, a Inglaterra, 1,7 trilhão, e o Japão, 1,5 trilhão. “Estes são alguns exemplos. Então não cola, não resiste a cinco minutos de debate essa conversa de repetir erros do passado, de que subsídio é errado e apoio à P&D é equivocado, que política de conteúdo local é coisa anacrônica. Isso é, categoricamente, uma mentira”, chama atenção Lucchesi.

O Brasil não tem, porém, a mesma folga macroeconômica que esses países para as necessidades de infraestrutura, que ficou deprimida por longo período, sem dar conta nem mesmo da depreciação. “Está corretíssimo, portanto, ter o Novo PAC. E ele tem uma forte sinergia com a NPI.” Além disso, a política industrial “não é velha”, reforça o economista. O Novo PAC, cabe salientar, prevê investimentos de 1,7 trilhão de reais.

As críticas à NPI parecem considerar a industrialização como algo secundário. Lucchesi destaca, porém, que o incentivo estatal à indústria foi fundamental para o desenvolvimento do País. Do fim dos anos 1930 ao término dos 1970, o Brasil cresceu cerca de 8% ao ano e “alcançou o topo”. Na década seguinte, o País abandonou a agenda industrial, e isso não foi nenhuma decisão consciente, mas um processo adaptativo de uma sucessão de crises, que começa com a crise do balanço de pagamentos, a partir do choque do petróleo, e a ascensão da taxa de juros.

Energia. O Brasil tem uma matriz elétrica com 85% de fontes renováveis, um grande diferencial diante das mudanças climáticas – Imagem: Romério Cunha/VPR

Resultado: o Brasil não conseguiu fazer frente ao seu superendividamento, na primeira metade dos anos 1980, e enfrentou 13 planos de estabilização. “Isso criou uma agenda em que a política macroeconômica, que permanece até hoje, se sobrepõe, coordena e subordina todas as demais. É uma jabuticaba que tem ­custado muito”, diz o diretor da CNI. O que é anacrônico, prossegue, e atrapalha o País, não é a política industrial, e sim as elevadas taxas de juro do rentismo financeiro. É também equivocado dizer que a NPI repete o passado, sublinha ­Lucchesi. Ela não se dá por substituição de importações, não tem uma lógica setorial, tem metas transversais e dialoga muito com as ações do PAC.

A parte de produtividade e transformação digital é destaque no NPI. O Novo Brasil Mais Produtivo, diz o economista, estabelece a agenda para um salto de produtividade amparado na experiência do Programa Brasil Mais Produtivo. A meta é chegar a 100 mil empresas, em uma grande parceria sob a coordenação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, envolvendo o Sebrae, o Senai, a Finep, o BNDES e a ­Embrapii, também na agenda de digitalização em que o Brasil precisa dar uma resposta mais rápida. Isso tem um efeito horizontal. “Não tem nada de velho e vertical. Esses argumentos são falsos e deslocados da realidade.”

“Desde a organização do Estado brasileiro por Getúlio Vargas, o Plano de Metas, os PND I e I, os únicos movimentos de resistência à queda permanente da curva de investimento foram o PAC I e o PAC II, fundamentais também para se opor a uma visão dos últimos cinco anos, de que o investimento privado, sozinho, iria resolver o problema, o que absolutamente não aconteceu”, dispara Roberto ­Garibe, responsável pela gerência executiva do Novo PAC. “E o Estado brasileiro, por mais que tenha uma participação pequena, é que estimula o investimento privado, dá a direção, diz qual é o compromisso do País, aponta para onde ele deve crescer e isso mexe com as expectativas. É o que estamos tentando fazer, mais uma vez, com o novo PAC”, acrescenta o economista.

A reindustrialização e a transição ecológica estão associadas dentro do PAC, uma novidade

Houve um aprendizado importante após as primeiras edições do programa. A criação do Novo PAC veio acompanhada­ da implantação da Comissão de Inovações e Aquisições, que fixará todas as diretrizes das compras nacionais que estão vinculadas ao PAC, e da Comissão de Qualificação Profissional, Emprego e Inclusão Socioeconômica, dedicada a pensar em uma estratégia setorial e regional para qualificação de profissionais. Com isso, pretende-se evitar os apagões de mão de obra das edições anteriores, como a notória escassez de engenheiros.

A reindustrialização e a transição ecológica estão associadas dentro do PAC, “uma novidade”, sublinha Garibe, e mostra como o governo, em todas as suas políticas, inclusive na política creditícia dos bancos públicos, no plano de reindustrialização e no plano de transição ecológica conduzido pelo Ministério da Fazenda, fala uma mesma linguagem. Essa sintonia também “mexe bastante com as expectativas”, observa o economista.

“Nós estamos mudando o padrão de financiamento da economia brasileira” em relação às edições anteriores do PAC, apoiadas no BNDES, ressalta Venilton Tadini, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base. Recentemente, diz, foi aprovada a debênture de infraestrutura, muito mais eficaz do que a debênture incentivada, do ponto de vista da magnitude de recursos que pode abranger. Só os fundos de pensão, sem contar as reservas técnicas de seguradoras, detêm 1,5 trilhão de reais e 20% disso é autorização para compra de debêntures. “Estamos falando entre 100 bilhões e 200 bilhões de reais que podem ser alocados para infraestrutura”, destaca Tadini.

É “importantíssimo entender”, acrescenta Tadini, que tanto o PAC quanto a NPI se inserem em uma estratégia de ­desenvolvimento que está “absolutamente em linha para responder às mudanças estruturais que estão ocorrendo na economia mundial” e qual é o papel do Brasil nesse processo. A matriz de energia elétrica do País tem mais de 85% de fontes renováveis e “nós nos apresentamos como um ator muito relevante nesse novo desenho da economia internacional”. •

Publicado na edição n° 1301 de CartaCapital, em 13 de março de 2024.

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