Agricultura empresarial 7 x 1 agricultura familiar

As milhões de famílias que produzem a maior parte da alimentação no Brasil continuam tomando de goleada

Observados por Dilma e Alozio Mercadante, Patrus Ananias e Katia Abreu assinam documento no lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar, em 22 de junho

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O placar de 7 a 1 não é de boa lembrança para nós, os brasileiros. Pouco melhor teria sido 6,5 a 1, impossível no futebol. A Fifa ainda não inventou o meio gol; meio, só o da trapaça.

Resultado assim quebrado ocorreu no jogo de recursos destinados às chamadas agriculturas “empresarial” e “ familiar”, anunciado nas últimas semanas pela presidente Dilma Rousseff com a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Kátia Abreu, e poucos dias depois com o ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Patrus Ananias.

No placar dos bilhões de reais deu 187,7 a 28,9. Proporção próxima do que vinha acontecendo nos últimos campeonatos. Tesouro e Fazenda repetem as mesmas arbitragens em que há anos se baseiam.

Aquela coisa “equânime” de subir 20% para um e outro, pequena diferença nas taxas de juros para outro e um, e assim por diante. Nada que fizesse pensar ou desse muito serviço aos nossos tecnocratas.

Mas, certas bondades, nem tão esotéricas assim, sempre acabam oferecidas. Vai que Deus fica anotando tudo lá de cima. Alvíssaras! Não haverá incremento de juros para assentados da reforma agrária; cidades do semiárido em estado de calamidade; e para mulheres até o limite de 12 mil reais.

Só faltava quererem punir Severinos, Carcaças de Cabra e Donas Giudete.


Pensem em dois times de futebol. O Barcelona e o XV de Jaú, por exemplo. É pequena a diferença de idade entre eles. O primeiro, fundado na Catalunha, em 1899; o segundo, na paulista Jaú, de 1924.

O Galo da Comarca, depois de enfrentar graves problemas financeiros e jurídicos (deve impressionantes 110 mil reais à Federação Paulista), desistiu de participar do campeonato da Série A3 e pode vir a fechar as portas.

O Barça, além de outros estádios e vários times, tem o Camp Nou, com capacidade para 100 mil pessoas, perto de 200 mil associados, mais de 40 patrocinadores entre os maiores grupos empresariais do planeta e, na temporada 2013/14, auferiu receita de 1,3 trilhão de reais.

Embora em eventual confronto direto a vantagem catalã será enorme em gols e divisas para a Espanha, cada um guarda sua importância.

Pode ser que o esbagaçado elenco atual do XV não consiga público para preencher 1/3 dos 13 mil lugares do estádio Zezinho Magalhães. Se, no entanto, lá anunciar a presença dos tantos craques brasileiros que o clube revelou, o orgulho jauense lotará o campo do Galo.

Lá estarão Sonny Anderson, que já foi ídolo no Barcelona, o “prezado amigo Afonsinho”, colunista desta CartaCapital, Dino Sani e Edmilson, da seleção brasileira, Sormani (Santos), Ralf e Castán (Corinthians), França (São Paulo).

“E aí, tontão? Cadê a agropecuária, sua obrigação neste site”? Antevejo o comentário. Ainda que tenha prometido o contrário, nada me resta se não usar o defasado Censo Agropecuário (IBGE/2006).

Dos estabelecimentos rurais brasileiros 84% têm características familiares, em áreas médias de 18 hectares (ha). A média nos 16% restantes é de 313 ha. Goleada de 17 a 1, em improvável Barcelona versus XV de Jaú.

Em 2006, campesinos, sertanejos, lavradores brasileiros, inclusive de Jaú, mais de 4,4 milhões de famílias, plantavam mandioca, feijão, milho, café, arroz, trigo e soja, em 18 milhões de hectares (MM/ha). Usavam outros 36 MM/ha para pastar vacas leiteiras e rebanhos vários.

Assim produziram a maior parte da alimentação que chega às mesas brasileiras. Quando você, privilegiado, está recebendo a ração diária que sustenta a possibilidade de alugar sua mais valia, acredite, não está perdendo de 7 a 1.

Os estabelecimentos não familiares, cerca de 800 mil, de que também gosto e acho necessários para o País, apesar de representarem 16% do total, plantam e pastoreiam em 76% da área ocupada. Placar avantajado.

Ninguém precisa alardear seu valoroso trabalho. Eles mesmos o fazem, através de confederações, federações, entidades, porta-vozes de empresas multinacionais e, vez ou outra, uma bancada berrante e caiada.


Como um XV de Jaú sem plantel, os 4,4 milhões de clubes agrários recebem 7 vezes menos recursos do governo. Das multinacionais, quando algo recebem, solidariamente devolvem com calote. Não os julgo. São precários seus aparelhos de educação, saúde, apoio técnico e segurança de comercialização. Vivem da dificuldade de se “habilitar”, quando hábeis já são.

Não estaria na hora de virar esse placar? A agricultura dita empresarial, mesmo sendo Barça, também precisa. Opera com dificuldades de infraestrutura, passa pelos mesmos ciclos entre plantio e colheita, o clima não escolhe lugar para maldades, mas se viram bem e contam com vários trios MSN – Messi, Suarez e Neymar.  

Peguem “moleques familiares” com capacidade de virarem o jogo e os treinem. Pode dar empate!


*Rui Daher é colunista de CartaCapital. Criador e consultor da Biocampo Desenvolvimento Agrícola.

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