Economia

Os efeitos benéficos e nefastos da tecnologia no agronegócio

Avanço tecnológico torna produção americana até 20% mais eficiente do que a brasileira

Tecnologia no campo é a única forma de aumentar a produtividade do agronegócio
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Em nenhuma das três últimas colunas procurei defender ou atacar o agronegócio. Nem me declarei enamorado de alguma Kátia. Apenas pontuei um caminho irreversível que, como outros, não evita efeitos colaterais nefastos.

Atividade milenar, essencial para o planeta, fartas interações econômicas, políticas e sociais, aí incluídas pobrezas hegemônicas ou periféricas, segurança alimentar, preservação ambiental, vista assim do alto ou com lupa não dá espaço a discussões maniqueístas ou ideológico-partidárias.

A despeito de toda a benevolência climática, territorial e de recursos naturais “abençoados por Deus”, durante muito tempo frequentamos o pelotão intermediário na maratona mundial da agropecuária.

Ciclos monocultores, falta de planejamento, ocupação desregulada de terras, pouca bola da sociedade e das folhas e telas cotidianas, além da pequena influência política, faziam governos irem e virem sem olhar para o setor como vocação séria que, bem tratada, forneceria comida barata à população e traria boa grana do exterior.

Longe dos primeiros colocados, lá de trás, avistava-se uma faixa enorme anunciando o biotônico que nos faltava: tecnologia. Somente a partir da década de 1980, começamos a desenvolvê-lo e evoluir.

Chegar aos capítulos finais do livro, no entanto, exigirá entender páginas complexas. Antes de ir ao que nos espera, dou breve passada no que temos para hoje.

Em 70 milhões de hectares plantados com soja e milho, os EUA acabam de colher 712 milhões de toneladas. O Brasil, em 47 milhões de hectares (consideradas duas safras de milho), segundo estimativa da CONAB, produzirá 175 milhões de toneladas dos dois grãos, na safra 2014/15.

Vale dizer que, de cada hectare, Tio Sam arrancou 10.200 kg, enquanto nós tiraremos 8.150 kg, 20% a menos.

Não digo que estamos mal. Pelo contrário, melhoramos muito. Vinte safras atrás, tirávamos 4.850 kg/ha, enquanto os filhos das senhoras que ganham concursos de geleia no Mid-West produziam entre 40% e 50% mais. É verdade que com baitas subsídios nunca d’antes navegados por aqui.

A recém-colhida produção norte-americana, confirmadas as projeções para milho e soja no Brasil e Argentina, levará os estoques mundiais de grãos aos maiores níveis dos últimos anos. Resultado: preços em queda.

Para fazer caírem os preços bastam anúncios plantados pelas tradings. Nem é preciso que vagens ou espigas saiam dos pés.

Nos últimos 12 meses, as cotações da soja, em Chicago, baixaram 20%; as do milho 6%. Prevê-se que depois de colhidas as safras do hemisfério sul, caiam ainda mais. Crescerá o perrengue do produtor e amenizará a fome da FAO, que sabe e não confessa que o problema não é de produção insuficiente, e sim de má distribuição, desperdício e sistemas políticos corruptos e ditatoriais.

Bem, mas isso é o presente, que parece ser muito mais bonzinho conosco do que poderá vir a ser o futuro.

Pensem num pequeno robô. Sim, para facilitar a imaginação comentarista pode ser igual àquele do seriado Perdidos no Espaço (CBS, 1965/68), o “B9”, amigo do atabalhoado Dr. Zachary Smith.

Os norte-americanos inventaram um sucedâneo capaz de percorrer suas lavouras e, delas, através de detecção por raio infravermelho, retirar matos daninhos capazes de prejudicarem a produtividade.

Não que isso os façam desistir de colheitadeiras que valem US$ 500 mil, monoculturas com variedades mais fáceis de cultivar, transgenia adoidada, medições precisas com 2,5 centímetros entre cada sulco, fertilizantes na dose certa a cada metro quadrado de solo analisado, e drones que regulam a intensidade da irrigação.

Nos campos de Iowa, “espertos telefones”, dotados de aplicativo meteorológico, informam de meia em meia hora previsões, inclusive com dados pluviométricos históricos da região.

Sistemas de computação estão nas nuvens assim como aqui as irregulares chuvas de São Pedro.

Enquanto isso, na Federação de Corporações, preocupa-nos o falso dilema agricultura empresarial ou familiar, sem imaginar que a primeira só sobreviverá se passar por inovações tecnológicas de alto custo, mão de obra altamente qualificada, até juntar-se aos robôs.

Para a outra, tão importante quanto a primeira, no início, o bom e velho Estado. Fortes doses de instrução, apoio técnico, financiamento, tecnologias específicas para culturas de maior valor agregado em pequenas extensões de terra, e inserção em cadeias produtivas organizadas.

O padrão tecnológico norte-americano atual, em parte já adotado aqui por grandes produtores, está fazendo retornar ao campo, como filhos pródigos, antigos exilados para zonas urbanas. O mesmo poderá acontecer com a agricultura familiar. Bastam garantia de renda e conforto social.

Se eu não mudar de ideia, na próxima coluna, volto ao assunto.

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