A sina da má distribuição de recursos

O País é uma espécie de curva ABC em que apenas se analisa os primeiros 10%. Cuidem dos pequenos e médios agricultores que a taxa volta a acelerar

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Fiz referência aos bons resultados que a agropecuária brasileira deverá obter na safra 2013/14. Nesta semana, a CONAB confirmou a intenção de plantio e a produção próxima a 200 milhões de toneladas de grãos. Minha aposta se firma na previsão de clima não adverso e bons preços de comercialização.

É bom que assim seja e melhor se amém continuar. Reza brava. Por reconhecer que a boa leitura de nossa agropecuária, mesmo olhada antes da porteira da fazenda, certamente passa da página 9, mas não vai além da 32.

Ver entraves apenas na infraestrutura e no tal custo Brasil, um óbvio ululante martelado em folhas e telas cotidianas, é trazer pouco ao exigente leitorado de CartaCapital.

Então, curto e grosso, livro-me dos brasis-varonis, alardeados por berrantes parlamentares e entidades federadas, e gingo para o drible: se os preços agrícolas voltarem aos níveis do período 2000/ 2007, o “celeiro mundial” vai pra cucuia, entendida o colo do Tesouro Nacional.

Em dez anos, o índice de preços dos alimentos e fibras, calculado pela FAO para carnes, laticínios, cereais, gorduras e açúcar, mais do que dobrou, com pico em 2011. A arrefecida atual é pequena e não assusta. O consumo emergente, sobretudo chinês, e um santo que nos poupa ao espalhar clima ruim pelo planeta, garantem estoques equilibrados e preços razoáveis para a maior parte dos produtos.

Certeza que, infelizmente, não admite longo prazo. Tomem o exemplo dos cafeicultores, que há dois anos estão falando “é broca!” sem estarem se referindo à incômoda doença dos cafeeiros. Em 2003/04, a saca de 60 kg foi vendida a 170 reais – uma draga; entre 2005 e 2010, estabilizou em 270 reais – poucos investimentos; em 2011, bateu nos quinhentos. Aí foi um ó. Mais plantio, mesmo em regiões de pouca aptidão climática ou oferta de mão de obra; maiores usos de tecnologia e compra de maquinários.


Em 2012/13, colheita 40% maior do que em 2004/05. Resultado: saca a 270 reais e lágrimas pelo caminho. Os sojicultores de Mato Grosso e a banca do governo devem lembrar-se dos perrengues que passaram em 2005.

Não costumo chorar esse milk shake feito de leite, soja e cacau derramados. A atividade sempre foi e continuará sendo cíclica. O que me preocupa é quando a Federação de Corporações começa a se mover sobre terrenos firmes, esquecendo maiorias mergulhadas em brejos.

Matéria de 08/10, do jornal Valor Econômico, mostra inquietude com a desaceleração nos índices de produtividade nacionais conforme correm as décadas. Crescem, mas em taxas menos aceleradas. Analistas consultados alegam o surgimento de novas pragas e “barreiras à incorporação de novas tecnologias”. Meu olfato registra forte odor agroquímico. Dá-se como exemplo, a soja em Mato Grosso, a cana-de-açúcar em São Paulo, o algodão por onde andar.

E nada é dito sobre dois pontos fundamentais. Primeiro: a produção por unidade de área cresce em etapas, na proporção em que se incorpora tecnologia às culturas. Antes, em ritmo acelerado, depois, em taxas decrescentes até aproximar-se da estabilidade.

Todas as regiões altamente produtivas do planeta já percorreram esse trajeto e, hoje, veem limitada tal progressão.

Não por outro motivo o milho é citado como a cultura em que tal desaceleração foi menor. Como seria diferente, tão baixa sua base de partida. Até recentemente, o milho era plantado por pequenos produtores para consumo próprio.

Outro ponto esquecido é o contingente enorme de agricultores, formadores de rebanhos e tiradores de leite, sem acesso às tecnologias e manejos avançados. Desassistidos estragam médias. Não esqueçamos que, segundo o Censo Agropecuário 2006 (IBGE), menos de 10% das propriedades agrícolas detêm 80% das terras produtivas.

Temos mania de glorificação pelo melhor, pelo grande, o mais à vista. Uma espécie de querer chegar aonde chegaram os campeões. Aliás, não vivemos de premiá-los e, mais tarde, nos decepcionarmos com muitos deles? Não é o que estamos vendo hoje?

Todo o mal que afeta a população brasileira parte da má distribuição de recursos. O País é uma espécie de curva ABC em que apenas se analisa os primeiros 10%. Cuidem dos pequenos e médios agricultores que a taxa volta a acelerar.

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