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A revanche do pato

O sem-fábrica Paulo Skaf monta um bunker bolsonarista no seu retorno ao comando da Fiesp

A revanche do pato
A revanche do pato
Oposição. Skaf, inventor do pato amarelo, culpa Lula e não a família Bolsonaro pelo tarifaço de Trump. E ensaia uma caça às bruxas na entidade – Imagem: Arquivo/FIESP e Rovena Rosa/Agência Brasil
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Há um mês, o empresário ­Paulo Skaf, que retorna à presidência da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo a partir de janeiro, despacha em uma sala no sexto andar do edifício-sede da maior corporação empresarial do País, na Avenida Paulista. A partir desse bunker, dá ordens e até mobilizou meio mundo na entidade para produzir os subsídios utilizados na apresentação à imprensa dos escolhidos para coordenar os conselhos temáticos da entidade. O anúncio dos nomes do ex-presidente do Banco Central Roberto Campos Neto, do ex-presidente da República Michel Temer e do senador Sergio Moro mais parecia a divulgação da composição de um ministério do ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos de prisão por liderar uma tentativa de golpe de Estado. O próprio Skaf gostou da comparação do seu staff com um ministério, feita por um jornalista durante a entrevista coletiva. A ex-ministra da Agricultura de Bolsonaro, Tereza Cristina, e o ex-ministro da Educação do mesmo governo, Mendonça Filho, também integram o grupo. O banqueiro Campos Neto coordenará o Conselho de Economia, em substituição ao industrial Dan Ioschpe, antecedido pelo também industrial José Roberto Ermírio de Moraes. Aqui é importante registrar outra regressão notável, pois, durante a última gestão do próprio Skaf, o Conselho de Economia havia sido presidido pelos industriais Boris Tabacof e Paulo Francini.

Será o quinto mandato de Skaf e, ao fim, ele completará 20 anos à frente da Fiesp, sem ter proeminência no setor. Foi proprietário, no passado, da TurnKey Parques Empresariais, designação eufemística de um conjunto de galpões em Pindamonhangaba. Mestre da pequena política, chama pelo nome cada um dos 110 presidentes de sindicatos setoriais que compõem a base eleitoral da entidade e distribui convites para café e almoço. Um predicado útil para sobreviver no longo descenso da indústria e na ausência de projetos para o País. Em contraste, o atual presidente em fim de mandato, Josué Gomes da Silva, trabalhou pela recriação do Ministério do Desenvolvimento. Indicou nomes para o grupo de trabalho de recriação da pasta e para a sua composição, fez o plano Mais Produção, de infraestrutura financeira para o Nova Indústria Brasil, a política industrial do atual governo, construiu o consenso para o apoio à reforma tributária e à depreciação acelerada, crucial para a renovação do parque fabril.

Na última gestão de Skaf, no governo Bolsonaro, o MDIC foi extinto e a indústria ficou em último lugar nos empréstimos do BNDES. A sua obra mais vistosa foi a jogada marqueteira do grande pato amarelo inflável, mascote da campanha contra o aumento de impostos intitulada “Não Vou Pagar o Pato”, desfechada pela entidade em 2015. Instalado diante da Fiesp, na Avenida Paulista, o símbolo foi utilizado em manifestações contra as políticas econômicas do governo e amplamente associado a protestos a favor do impeachment da então presidenta Dilma Rousseff. Receia-se o retorno da Fiesp à condição de partido de oposição.

Nos conselhos temáticos, Roberto Campos Neto, Sergio Moro e Tereza Cristina

Silva tentou avançar e recuperar um projeto nacional, um modelo de desenvolvimento que priorizasse o crescimento com redução da desigualdade, mas teve dificuldades no ambiente da Fiesp. Recebeu a pecha de ser “amigo do Lula” e foi acusado de ter nomeado gente ligada ao PT, o que não é verdade. Foi hostilizado quando assinou, em 2022, um manifesto pela democracia, subscrito por mais de cem entidades, Febraban incluída, sem pedir formalmente a aprovação prévia da diretoria. Subentendia-se que todos eram a favor da democracia. Dirigentes de 50 sindicatos destituíram Silva, que disse ser vítima de um golpe e que prosseguiria à frente da entidade. Um manifesto organizado pela própria federação, em defesa da democracia, obteve adesão de apenas 14% dos filiados.

O pano de fundo da disputa é o longo descenso da indústria, reduzida à metade nos últimos 30 anos, e a consequente perda de influência política. Houve tempo em que fazia parte dos usos e costumes o presidente da República telefonar ao presidente da Fiesp para perguntar se determinado nome era palatável para o Ministério da Indústria e Comércio. Isso ocorreu, entre outras, na nomeação de Luiz Fernando Furlan, presidente do Conselho de Administração do Grupo ­Sadia, do setor de alimentos, e ministro entre 2003 e 2007. “Havia uma relação, uma certa deferência, um certo espaço político. Isso foi perdido, 30 anos atrás, pela Fiesp, CNI, Fiergs, Firjan e congêneres, que deixaram de ter a capacidade de formulação de alternativas para o desenvolvimento. O mais grave foi isso”, analisa um industrial com atuação em vários estados, que optou por não se identificar.

Nos últimos 25 anos, as entidades de classe industriais perderam a visão de conjunto, viraram lobbies para coisas pequenas. O agro, por sua vez, entendeu que, em um país sem projeto, cada um cuidaria do seu, construiu seu lobby com bases sólidas e hoje tem juro subsidiado, plano safra, compra equipamento com financiamento a 10% ao ano no BNDES, enquanto a taxa do banco para a indústria é de 20%. A indústria de transformação representa 11% do PIB, mas recolhe 28% dos impostos. O agro responde por 7% e recolhe 2%.

Skaf arma a sua jogada faz tempo. Em entrevista recente, disse que a culpa do tarifaço é de Lula. “Na tentativa de golpe contra Silva, Skaf entendeu como se fosse uma coisa da esquerda contra Bolsonaro e ameaçou sindicatos que pretendiam assinar o manifesto pela democracia”, relata o dirigente de um sindicato do setor. “Criou um abaixo-assinado contra o presidente da Fiesp e ameaçou os sindicatos que hesitavam em assinar. Dizia que Bolsonaro era muito vingativo e quem não assinasse iria sofrer as consequências.”

O próximo presidente da Fiesp anunciou que vai aumentar os conselhos de 25 para 60 integrantes, o que permitirá acomodar politicamente um número maior de apoiadores. A seu mando, alguns funcionários da entidade teriam sido escalados para bisbilhotar nas redes sociais a vida dos colegas, qual a preferência política de cada um, em uma caça às bruxas ideológica para ver quem é bolsonarista e quem é petista. Tudo indica que a tendência mais forte é a Fiesp voltar a ser, cada vez mais, uma entidade, como tantas outras, “de costas para o que é importante, transformando-se em mero centro de eventos e buscando na sua sobrevivência atender aos interesses de seus próprios dirigentes”, como alertaram os industriais Horácio ­Lafer ­Piva, ­Pedro Passos e Pedro ­Wongtschowski em artigo publicado em 2020. •

Publicado na edição n° 1382 de CartaCapital, em 08 de outubro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A revanche do pato’

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