Economia

assine e leia

A mão visível

Quinze anos depois da debacle de 2008, o governo é obrigado a intervir para evitar um colapso bancário

A mão visível
A mão visível
Contaminação. O SVB ganhou mercado na Califórnia ao apostar nos novos negócios. Agora paga o preço da crise – Imagem: Noah Berger/AFP
Apoie Siga-nos no

Passava um pouco das 9 da manhã da segunda-feira 13 quando o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, fez às pressas um pronunciamento para pedir aos norte-americanos que mantivessem a calma. O discurso, transmitido ao vivo da Casa Branca, foi um esforço para tentar arrefecer os ânimos do sistema financeiro, que entrou em pânico após o anúncio da falência do ­Silicon Valley Bank na sexta-feira 10 e, dois dias depois, do Signature Bank, fechado por reguladores federais para evitar o desenrolar de uma crise ainda maior.

O temor é justificado. Credor de alguns dos maiores nomes da tecnologia, a derrocada do SVB é a segunda maior de um banco na história dos Estados Unidos e a mais significativa desde a crise financeira de 2008. A notícia pegou de surpresa até os mais experientes operadores de Wall Street e levou clientes ao desespero. A revista Forbes, há pouco mais de um mês, havia dado ao SVB a 20ª posição entre as 100 maiores instituições financeiras de capital aberto dos EUA, com base em crescimento, qualidade de crédito e lucratividade.

Na quinta-feira 9, todos os adjetivos que o mercado creditava ao SVB ruíram. Fundado na década de 1980, o Silicon Valley era reconhecido por fazer aplicações em pequenas startups de tecnologia. Um investimento que a maior parte dos bancos convencionais não topa, mas que acabou por colocar a instituição no centro do universo das startups. De acordo com a mesma Forbes, em dezembro de 2022, o banco detinha 212 bilhões de dólares em ativos, enquanto, em 2016, o montante não passava de 45 bilhões. Por décadas, o dinheiro foi investido na compra de títulos do Tesouro norte-americano, operação comum entre a maior parte dos concorrentes. Por um longo período, as taxas de juro dos EUA se mantiveram baixas, até negativas. O cenário mudou no ano passado, com o fim das restrições impostas durante a pandemia e a invasão da Ucrânia pela Rússia. Os preços dos combustíveis dispararam, afetaram diversos preços da economia e a inflação voltou a assombrar o planeta. O ­Federal ­Reserve, Banco Central dos Estados Unidos, a exemplo de seus congêneres no mundo, iniciou então uma fase de aumento contínuo das taxas básicas. Resultado: queda no crescimento e recessão à vista.

A jato. Biden não hesitou em intervir – Imagem: Cameron Smith/Casa Branca Oficial

Não bastasse, os executivos do SVB teriam cometido um erro ao ignorar os alertas de mudança no cenário. Com os negócios da instituição concentrados na indústria de tecnologia, que, sobretudo a partir de novembro de 2022, passou a sofrer drasticamente com demissões em massa (na terça-feira 14, a Meta, controladora do Facebook, anunciou uma nova leva de cortes, ao dispensar 10 mil trabalhadores e congelar outras 5 mil vagas), a SVB não calculou que, movido pela alta dos juros, um número significativo de seus clientes tentaria retirar os depósitos para diversificar a operação.

Na quarta-feira 8, com dinheiro insuficiente no caixa, restou ao Silicon Valley colocar à venda alguns de seus investimentos com preço abaixo do valor de mercado. No dia seguinte, a indústria de tecnologia havia se transformado em ­Babel e os executivos das startups correram para sacar o dinheiro que, evidentemente, não estava disponível. Na ­sexta-feira 10, a Federal Deposit ­Insurance Corporation (FDIC), corporação federal que fornece seguro de depósito para clientes em bancos comerciais e caixas econômicas, anunciou uma intervenção.

O Signature Bank, por sua vez, fornecia serviços de empréstimo a escritórios de advocacia e imobiliárias há mais de 20 anos. Os depósitos acumulavam 110 bilhões de dólares e, quando os clientes souberam da quebra do SVB, correram para sacar suas aplicações até que a FDIC também precisasse intervir.

“Os americanos podem ter certeza de que o sistema bancário é seguro. Seus depósitos estarão lá quando você precisar deles. Todos os clientes que tinham depósitos nesses bancos podem ficar tranquilos”, afirmou Biden no início do discurso. “Este é um ponto importante, nenhuma perda será sustentada pelos contribuintes. O dinheiro virá das taxas que os bancos pagam à Federal Deposit Insurance Corporation”, garantiu o presidente, que criticou ainda o Projeto de Lei assinado em 2018 por Donald Trump que reverteu requisitos como testes de estresse do Federal Reserve adotados na administração do ex-presidente Barack Obama,­ para garantir que crises como aquela de 2008 não voltassem a se repetir.

Questão importante: a FDIC garante a cobertura de depósitos até 250 mil dólares. A partir desse valor, não há seguro do governo. E o que se sabe até agora é que a esmagadora maioria dos clientes do ­Silicon Valley e do Signature Bank tinha depósitos muito acima desse montante. Entre eles, a ROKU, fabricante de tevês inteligentes e que tinha meio bilhão de dólares em uma única conta bancária do SVB.

O SVB, instituição queridinha do Vale do Silício, reflete a crise do setor de tecnologia

Mais do que tentar acalmar os nervos dos clientes do Silicon Valley e do ­Signature Bank, o discurso de Biden foi, sobretudo, direcionado aos correntistas de todos os bancos do país, um esforço para evitar o colapso do sistema se uma corrida generalizada e tentativas de saques ­simultâneos acontecessem nos próximos dias. Em princípio, a situação está controlada, mas o silêncio, diz o ditado, precede o estrondo.

Apesar do pronunciamento de Biden, as ações de bancos regionais despencaram. Os papéis do First Republic Bank caíram 60% e aqueles do Western ­Alliance sofreram desvalorização de 45%. Nem mesmo as maiores instituições escaparam. O Wells Fargo perdeu 7% do valor, o Bank of America, 5,6%, e o Chase, perto de 2%. O rendimento dos títulos do Tesouro também recuou, 0,59%, maior perda desde 1987. Atento ao comportamento do mercado, o Fed anunciou uma reavaliação da política de alta de juros, ao menos até que a temperatura abaixe. A FDIC, em outra frente, estuda utilizar a “exceção de risco sistêmico” para permitir que o governo pague aos depositantes não segurados valores acima de 250 mil dólares. Diante de um iceberg que ainda não se pode precisar o tamanho, Biden garantiu que os investidores não serão protegidos e os gestores, demitidos. “Eles conscientemente assumiram um risco e, quando o risco não compensou, os investidores perderam seu dinheiro. É assim que o capitalismo funciona.” •

Publicado na edição n° 1251 de CartaCapital, em 22 de março de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A mão visível’

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo