Economia

A importância da escola no empreendedorismo

Empreender não é apenas abrir empresas, mas tomar a frente de empreitadas. É preciso estimular as pessoas a criarem

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Muitos são encantados com o termo “empreendedorismo”, pois pensam ser avançadíssima a ideia de uma sociedade criadora de empresas, as quais supostamente quase sempre crescem e enriquecem. O empreendedorismo pode ser entendido, no entanto, como algo muito mais amplo, complexo e útil.

Abrir empresas não gera necessariamente crescimento. No Brasil, nos Estados Unidos e mesmo na Europa, o número de empresas fechadas no primeiro ano é muito grande, e o número após alguns anos é ainda maior. Pesquisa recente do IBGE constatou que 50% das empresas fecham após 4 anos.

Como de costume, a maioria das pessoas culpa o Estado, pois elas nunca têm culpa. A péssima tributação, a burocracia e a falta de demanda são problemas graves que dependem de atuação estatal. Muitas empresas não dão certo, contudo, por falta de criatividade, competitividade, boa administração e outros fatores básicos.

A Casas Bahia é uma empresa que enfrentava os mesmos problemas burocráticos, tributários e outros do Brasil, não tinha sequer administração profissional até ser comprada pelo Grupo Pão de Açúcar e, mesmo assim, cresceu enormemente por conta de boa negociação com fornecedores, logística, estratégias comerciais inovadoras etc.

A empresa diferenciada cresce mesmo num cenário institucional pouco propício. O problema é que, para um país se desenvolver e gerar todos os empregos de que precisa, não se pode viver apenas de empresas diferenciadas. É necessário dar condições de o máximo de empresas crescerem.

Muitos que abrem novas empresas são desempregados sem saída e que não têm muito a perder. Deste modo, boa parte das empresas é criada por pessoas desesperadas e/ou  menos qualificadas do que a média brasileira de capital humano, que já é baixa.

Para ter uma sociedade empreendedora, é preciso, primeiramente, elevar muito o nível da educação, mas isso não tem a ver com ensinar a ser dono de empresas.

Ser empreendedor é, sobretudo, um conjunto de habilidades que depende de talento e propensão pessoal, mas que também podem ser ensinadas. É preciso ensinar o aluno a ser autônomo, mas cooperar em equipes, despertar nele a vontade de se aperfeiçoar, crescer, criar, liderar e outros fatores importantes para quem almeja se tornar um empresário ou outro tipo de empreendedor.

Empreender não é apenas abrir empresas, mas tomar a frente de empreitadas. É ser preparado, seguro, líder, inspirador, visionário. Essas são as características do empreendedor honesto de sucesso, que pode ser empresário, executivo, autônomo, empregado, servidor público etc.

Essas qualidades requerem uma educação pragmática, que ensine a solucionar problemas, a importância do saber teórico e prático, estimule as pessoas a criarem, a administrarem situações e promova pequenas simulações de empreendimentos na escola.

Não se trata de ensinar apenas a ser dono de empresa, mas trabalhar as habilidades principais que permitem transformar os indivíduos em empreendedores da vida.

O Sebrae já tem um projeto para isso, que apenas depende de um contato das secretarias de educação dos estados e municípios para que os professores sejam capacitados a ensinarem empreendedorismo nas escolas segundo a visão similar à aqui exposta.

Isso não necessariamente fará empresários no futuro, mas preparará melhor os alunos para o mundo real. A educação atual é excessivamente teórica e enciclopédica, quase não trabalha habilidades práticas e forma indivíduos que não gostam de estudar, pois detestam a ideia de estudo que aprendem nas escolas, além de não serem preparadas para o mercado de trabalho.

É importante ensinar habilidades práticas, mas talvez mais importante é perceber as habilidades especiais de cada indivíduo. Não adianta forçar uma sociedade de empresários, pois isso é sequer bom para a economia.

O ideal é que cada um possa atuar naquilo que lhe dá mais prazer e, ao mesmo tempo, faz de melhor, gerando uma sociedade de sujeitos saudáveis, empenhados e eficientes.

Isso pode soar romântico, mas é porque a humanidade se desacostumou de usar perspectivas mais morais e espirituais do mundo, em lugar daquela material.

A escolha de abrir uma empresa porque o indivíduo quer, acima de tudo, ganhar dinheiro e ostentar ser dono, chefe dos outros, sem considerar as inúmeras variáveis das quais dependem o seu sucesso, que é o primeiro passo para ganhar dinheiro, distorce os comportamentos e leva a decisões e visões erradas acerca do empreendedorismo.

Aquele negócio de que “é preciso fazer o que ama” não é apenas um dito popular. A escola e o Estado precisam ajudar os indivíduos a se colocar em atividades que lhe dão muito prazer, nas quais são muitos bons e, é claro, que gerem crescimento, inovação e empregos. Economicamente, isso significa alocar os agentes nas posições onde podem gerar mais resultados para o todo.

Muitos não nasceram para administrar, mas para serem grandes médicos, advogados, pintores, engenheiros ou secretários brilhantes. Cada indivíduo tem sua “programação”, gosta de determinadas atividades e é bom (se treinado, pode ser excelente) em alguma ou algumas delas.

A visão de que empreender é fashion e, quanto mais empresários, isso será melhor para a economia, é inocente. Importante é ter uma sociedade saudável, trabalhadora, produtiva, preparada intelectual e moralmente para competir e cooperar, ao mesmo tempo, em alto nível.

Assim como empresas, indivíduos alocados de forma ineficiente geram uma economia ineficiente. Estudos recentes, como do premiado professor americano Scott A. Shane, comprovam que não adianta incentivar o empreendedorismo de uma forma genérica, pois isso gera empresas fadadas ao fracasso. É preciso incentivar empreendimentos de sucesso, capazes de crescer, gerar inovação e empregos.    

Se o Estado não está apto a identificar os “vencedores” e se isso costuma levar a corrupção, ao menos é preciso saber identificar os “perdedores”, direcionando melhor o crédito estatal beneficiado, por exemplo.

Os empresários são fundamentais, sobretudo os honestos, trabalhadores, inovadores e justos com seus empregados. Empresários que ganham a vida explorando trabalhadores, sonegando impostos e dando outros tipos de golpes devem ser excluídos e, se for o caso, ir para a cadeia.  

Sociedades menos desenvolvidas, como o Brasil, têm uma tendência a admirar quem tem dinheiro, e não quem é competente no que faz, honesto, equilibrado e justo. Essa cultura gera uma porção de distorções, como, por exemplo, uma preferência por políticos ricos, pois, “se ele é rico, é bom administrador”, o que explica um pouco a eleição de João Dória em São Paulo/SP.

É chocante esse tipo de visão, sobretudo quando se sabe que o Brasil é um antro de corrupção. Uma boa parcela dos ricos são simplesmente corruptos ou herdeiros de corruptos que se banham no país do rentismo, ou seja, vivem sem produzir e de rendas sobre uma riqueza gerada ilegalmente. Por isso, fazem lobby para que os juros sejam altos.    

Outro jargão típico brasileiro, também chocante, é: “eu sou empresário, gero empregos, corro riscos, então preciso ser privilegiado”. O trabalhador é tão importante quanto o empresário, pois este não vive sem aquele. É difícil de ver uma empresa bem sucedida porque uma única pessoa é competente, e não uma equipe.

O trabalhador, ao dedicar sua vida a uma empresa, sem qualquer garantia de que irá crescer, corre sérios riscos, assim como o empregador.

As maiores empresas, aliás, não têm exatamente um, dois ou três donos, mas são conjuntos de investidores que dependem de grandes profissionais para obter sucesso. A visão pobre de que os empresários são mais importantes do que os demais leva a suportar políticas públicas mal desenhadas, como a tributação brasileira regressiva.

O Brasil precisa de uma reconfiguração cultural no que toca à sua visão sobre o empreendedorismo. Nada pode ser mais eficaz nesse sentido do que a educação. É preciso que Estado e sociedade se unam no objetivo de fazer um país mais honesto, eficiente e feliz. 

*Marcos de Aguiar Villas-Bôas, doutor pela PUC-SP, mestre pela UFBA, é conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda e pesquisador independente na Harvard Law School e no Massachusetts Institute of Technology

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