Do Micro Ao Macro

‘Taxa das blusinhas’ divide varejo, indústria e consumidores; veja os argumentos

Setores discordam sobre o fim da alíquota de 20% para compras internacionais de até 50 dólares; tirar a taxa pode aliviar o bolso do consumidor, mas preocupa a indústria têxtil nacional

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O debate sobre o fim da chamada “taxa das blusinhas” expôs um novo impasse entre o comércio eletrônico e a indústria nacional. Nesta terça-feira 28, a Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados discutiu o projeto de lei (PL 3261/25) que isenta de Imposto de Importação as compras internacionais de até 50 dólares, derrubando a alíquota de 20% criada em 2024 pela Lei 14.902.

De um lado, entidades de defesa do consumidor e do comércio digital afirmam que o imposto encarece produtos acessíveis e prejudica os mais pobres. Do outro, representantes da indústria e do varejo físico alegam que a isenção favorece plataformas estrangeiras e ameaça empregos no país.

Segundo pesquisa da CNI, 38% dos consumidores brasileiros já desistiram de compras internacionais por causa da taxa. “O contribuinte desse imposto é o consumidor. É ele quem deve estar no centro da discussão”, afirmou o diretor da Proteste, Henrique Lian.

“A implementação do imposto é o início de um processo de justiça competitiva. Ainda há desequilíbrio, pois a carga tributária brasileira continua muito superior à de outros países”, afirmou Guerra.

A desistência por causa do imposto é maior entre pessoas com ensino superior (51%), jovens de 16 a 40 anos (46%), brasileiros com renda acima de cinco salários mínimos (45%) e moradores do Nordeste (42%).

O estudo também mostra que cresceu de 22% para 32% o número de consumidores que passaram a buscar produtos similares com entrega nacional. A busca em lojas físicas teve leve alta, de 13% para 14%, e o interesse por sites internacionais alternativos subiu de 6% para 11%. Já a desistência definitiva da compra caiu de 58% para 42%.

Lian defendeu o fim da ‘taxação’ e citou estudo da LF Global Intelligence que mostra queda nas importações de até 50 dólares nos estados mais pobres — como Bahia (-27%) e Pará (-19%).

Representando empresas como Uber, iFood, Buser, Flixbus e Amazon, o diretor da Amobitec, André Porto, afirmou que o Brasil está “na contramão internacional” ao taxar pequenas importações. Segundo ele, as compras via Remessa Conforme — sistema da Receita Federal que regula o e-commerce internacional — caíram 43% desde a criação da taxa.

O dirigente da Abraec, Ricardo Barbosa, destacou que o setor de transporte internacional expresso sente o impacto direto da alíquota: 84% das empresas suspenderam planos de expansão e 34% registraram perdas entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão. “Tivemos de interromper projetos de crescimento no Brasil por conta dessa mudança”, disse.

Já o varejo nacional reforçou a defesa da manutenção do tributo. A ABVTEX, que representa 222 mil lojas e 1,3 milhão de empregos, argumenta que o imposto corrige distorções entre o comércio físico e as plataformas estrangeiras. “Os 11 meses seguintes à criação da taxa registraram alta de 5,4% no varejo de moda. Extinguir a cobrança seria um erro”, afirmou o diretor da entidade, Edmundo Lima.

A Abit também se manifestou contra o fim da alíquota. O diretor-superintendente Fernando Pimentel apontou déficit de US$ 5,7 bilhões na balança comercial do setor e sugeriu uma alternativa: criar um programa de cashback para estimular a compra de produtos nacionais. “Em vez de isentar o produto estrangeiro, o governo poderia devolver parte do valor gasto em produtos brasileiros”, propôs.

Apesar das divergências, houve consenso entre os debatedores sobre o chamado “custo Brasil”, marcado por alta carga tributária e burocracia. O deputado Lucio Mosquini (MDB-RO) defendeu uma saída de equilíbrio entre a proteção da indústria nacional e o incentivo ao comércio eletrônico.

ICMS também freia compras internacionais

O custo com o ICMS foi outro fator que inibiu o consumo internacional. O percentual de desistência subiu de 32% para 36% no período. Entre pessoas com ensino superior, a taxa chega a 48%, enquanto entre jovens e brasileiros com renda acima de cinco salários mínimos fica em 45% e 41%, respectivamente.

Entre os consumidores que deixaram de importar por causa do ICMS, 34% buscaram um produto similar com entrega nacional, ante 26% no levantamento anterior. A desistência definitiva caiu de 51% para 41%.

Frete e prazos longos seguem como barreiras

O frete internacional e o tempo de entrega continuam entre os principais motivos de desistência. Segundo a pesquisa, 45% dos entrevistados deixaram de concluir uma compra por causa do custo do frete — cinco pontos percentuais acima de 2024.

Já o prazo de entrega levou 32% a desistirem da compra, ante 34% no levantamento anterior. A desistência é mais alta entre pessoas com ensino superior (43%), de 25 a 40 anos (40%) e com renda acima de cinco salários mínimos (39%).

“O consumidor brasileiro passou a refletir mais sobre o custo total da compra internacional. A taxa trouxe uma percepção de racionalidade que antes era ofuscada pela diferença de preços”, avaliou Guerra.

Importações seguem voltadas ao uso pessoal

A pesquisa mostra que três em cada quatro brasileiros (75%) compraram produtos no exterior para uso pessoal. O percentual é ainda maior entre pessoas com mais de 60 anos (90%) e moradores do Norte e Centro-Oeste (84%). Apenas 10% afirmaram ter feito compras para uso profissional, e 2% admitiram importar com intenção de revenda.

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