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Nerds engajados

O Sana, maior feira geek do Nordeste, tem na inclusão social uma de suas bandeiras

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Expansão. Realizado no Centro de Exposições do Ceará, o festival recebeu 150 mil visitantes na última edição. Portas abertas a todos, diz Braga – Imagem: Victor Gomes
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No começo dos anos 2000, a cultura geek ainda era vista com preconceito no Brasil, relegada a nichos. Quanto mais distantes dos principais centros urbanos, pior. Naquela época, dois adolescentes de Fortaleza, Daniel Braga e Ígor Lucena, ávidos consumidores da cultura pop japonesa, decidiram criar a Fundação Cultural

Nipônica Brasileira para integrar outros amantes da arte oriental no Nordeste. Foi o primeiro passo para a concretização de um sonho: reunir em um só lugar gente que dividia os mesmos gostos.

Em 2001, Braga, Lucena e outros amigos de Fortaleza tiveram a ideia de promover a exibição de filmes e animes japoneses. Embrião do Sana, a sessão audiovisual aconteceu no auditório da universidade da capital cearense e reuniu pouco mais de cem participantes. O início tímido não inibiu a turma. Com persistência, o Sana cresceu ano a ano. O primeiro sinal de que havia algo especial no projeto veio de forma inesperada. Quando Braga e Lucena se preparavam para ultrapassar as fronteiras cearenses e conquistar o Sudeste, um e-mail de uma professora de uma escola pública do interior do estado chegou aos organizadores. Uma turma de alunos, informava a docente, havia feito um trabalho sobre a feira. Acendeu-se aí uma luz. Os jovens empreendedores tiveram então a ideia de distribuir entradas gratuitas a estudantes de escolas públicas. O gesto parecia uma pequena contribuição até ocorrer um segundo episódio marcante. Em uma palestra, um garoto pediu para tirar uma foto com Braga. “Ele queria a foto porque a professora disse que eu era quem tinha dado os ingressos, e aquela experiência havia sido o dia mais feliz de sua vida”, relembrou. Nesse momento, outro evento canônico e a epifania: o Sana mirava o público errado. Em vez da expansão nacional, o melhor seria buscar o enorme público desassistido em casa, no Nordeste.

Os organizadores assumiram um compromisso mais amplo a partir daquele momento. Fecharam parcerias com o estado e municípios para garantir a entrada gratuita para qualquer estudante da rede pública. A inclusão passou a ser uma bandeira, com a criação de iniciativas como o projeto Geek em Ação, que em 2024 levou mais de 60 mil jovens das periferias ao evento. “O Brasil, que viu uma geração crescer sob a sombra das desigualdades, encontrou no Sana uma porta aberta para a cultura pop, tecnologia, entretenimento e empreendedorismo”, afirma Braga.

Com o passar dos anos, o Sana se consolidou como o maior evento multitemático de cultura pop e geek do Norte e Nordeste, e o segundo do Brasil. Dos mais de 150 mil visitantes anuais, cerca de 70% vivem em Fortaleza, enquanto 30% vêm de outras regiões. O objetivo, segundo Braga, é aumentar essa participação para 50%, ampliando as colaborações com os institutos federais e universidades públicas.

Neste ano, o evento garantiu a entrada gratuita de cerca de 60 mil jovens carentes

O impacto não é apenas cultural. Nos últimos dez anos, com mais de 25 edições realizadas, o Sana movimentou cerca de 200 milhões de reais na economia de Fortaleza. A próxima edição acontece em janeiro de 2025, e o grupo organizador recuperou a ideia de levar o festival a outros estados. Enquanto isso, a Fundação FCNB planeja perenizar as atividades da feira com a criação de cursos e projetos de longa duração.

O formato atraiu novos apoiadores. A Federação do Comércio do estado identificou o potencial do evento e se tornou uma das patrocinadoras. Muitos dos expositores são pequenos comerciantes que produzem artesanalmente artigos como quadros, bonecos e jogos, gerando impacto econômico local. “Temos a Vila dos Artistas, com 120 expositores cadastrados para vender seus produtos artesanais que eles criam, desde desenhos, trabalhos manuais, quadrinhos, todo tipo de arte ligada a histórias e personagens. Outro tipo de empreendedorismo que promovemos são as feiras de estande, 60 pequenos empreendedores que vendem artigos da cultura geek. Do total, perto de 70% são aqui do Ceará. Na parte da Vila dos Artistas, eles chegam a movimentar até 5 mil reais nos três dias do evento. São cerca de 120 mesas”, informa Braga.

A diversidade sempre foi um pilar do Sana, que, de maneira natural, tornou-se um ponto de encontro para diferentes grupos, e a organização se esforça para garantir um ambiente seguro e livre de preconceitos. Em 2015, percebeu-se, por exemplo, que os fãs de Harry Potter não tinham um espaço próprio. Em resposta, criou-se uma sala temática dedicada ao universo bruxo. O mesmo ocorreu com outras franquias, como Star Wars e Dragon Ball. A iniciativa dos fãs também moldou o evento. Um grupo criou o espaço Black Heroes, que debate, expõe e comercializa itens relacionados a super-heróis negros.

Em 2013, o evento mudou-se para o Centro de Exposições do Ceará, o maior da América Latina em termos de modernidade e o segundo maior do Brasil em área útil, com 76 mil metros quadrados. O Sana foi o responsável por inaugurar o espaço. A mudança trouxe mais visitantes, além da inclusão de novas atividades. Entre arenas e salas temáticas, os participantes encontraram espaços que iam do karaokê ao fliperama, com destaque para concursos de cosplay e k-pop.

A essência do festival permanece, no entanto, a mesma: celebrar a paixão pelo universo geek, seja um herói de mangá ou uma saga galáctica, assim como

Naruto, que sempre exaltou os esforços coletivos e os sonhos compartilhados. Na história, o protagonista, Naruto Uzumaki, sempre acreditou que poderia realizar seu sonho, mas isso só foi possível com o apoio dos amigos e aliados. •

Publicado na edição n° 1329 de CartaCapital, em 25 de setembro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Nerds engajados’

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