Do Micro Ao Macro
Empreendedores negros levam mais tempo para lucrar, mas constroem redes que impulsionam negócios
Mesmo com barreiras e atraso médio de 17 meses até a lucratividade, comércio negro cresce com apoio coletivo e visibilidade


O Dia do Comerciante, celebrado em 16 de julho, chega em meio a um cenário positivo para o empreendedorismo negro no Brasil. Segundo o relatório Intuit QuickBooks Black History Month Survey 2025, o valor médio necessário para abrir um pequeno negócio caiu para R$ 53 mil — menor patamar da série histórica.
A redução é expressiva quando comparada a 2023, quando o custo médio era de R$ 114 mil. O momento favorável reforça o avanço da presença negra no setor. De acordo com dados do Sebrae, empreendedores pretos e pardos já comandam 52,4% dos negócios no país.
Apesar do crescimento, os desafios permanecem. A pesquisa mostra que empreendedores negros levam, em média, 17 meses para alcançar a lucratividade — dois meses a mais que outros grupos. Além disso, 59% relatam ter sofrido episódios de injúria racial por parte de clientes.
Redes de apoio fortalecem o ecossistema negro
Diante de obstáculos estruturais, o apoio mútuo entre pequenos empreendedores negros tem se mostrado uma das principais estratégias para enfrentar o mercado. Segundo o levantamento, 75% das empresas negras se apoiaram ativamente entre si no último ano, índice superior ao da concorrência (58%).
Esse movimento se reflete em iniciativas como a da loja colaborativa Afrocentrados Conceito, em Salvador, idealizada por Cynthia Paixão. A rede conecta mais de 100 empreendedores negros e atua em várias frentes de fortalecimento econômico e profissional.
Cynthia destaca que o empreendedorismo negro enfrenta barreiras específicas, como o racismo estrutural e a desigualdade de acesso ao capital. “Empreender enquanto corpo negro é enfrentar barreiras desde o prolongamento da lucratividade até o racismo. Mas a coletividade superou patamares históricos. Estamos nos apoiando e criando redes que circulam renda e estruturam o impacto econômico negro no Brasil e no mundo”, afirma.
A empresária é uma das responsáveis por projetos como o Ayô Circuito AfroColab, a Vila AfroJunina e o Afrodonas, todos voltados à capacitação e visibilidade de marcas negras.
Capacitação e visibilidade criam oportunidades
Na edição mais recente da Vila AfroJunina, a Afrocentrados ofereceu mentoria em gestão financeira e precificação para cinco empreendedoras, além de logística e comercialização de produtos em loja física. A ação gerou aumento de 50% nas indicações e novos clientes, com compartilhamento de conhecimento entre marcas em 48% dos casos.
“O objetivo das ações temáticas da Afrocentrados é funcionar como ponto de propulsão. As mentorias, o marketing e o design de produtos aumentam as chances de sucesso das marcas. Essa rede estimula o empreendedorismo negro e fortalece a autonomia financeira das comunidades”, explica Cynthia.
Casos que mostram a força da coletividade
Um dos exemplos é a marca Danda Acessórios, criada por Daniele Silva em 2022. Ela confecciona acessórios artesanais e destaca que a maior dificuldade sempre foi ser reconhecida no mercado. Com o convite de Cynthia para integrar a Afrocentrados, passou a ter visibilidade para seus produtos.
“Tudo começou quando quis uma sandália para o Réveillon e não encontrei. Comecei a produzir, participei de feiras e fui convidada para a loja. A partir daí, tudo mudou”, relata Daniele.
Outra empreendedora é Anaíta Rodrigues, da Deluxxe Acessórios. Ela enfrentava dificuldades para acessar pontos de venda físicos. Com o suporte da Afrocentrados, passou a expor em um shopping de grande circulação, fato que representou não apenas uma conquista comercial, mas também simbólica para a representatividade negra no varejo.
A marca nasceu como forma de aliviar a rotina de Anaíta, que também é contadora. Hoje, a venda de acessórios sofisticados tornou-se uma nova fonte de renda e expressão pessoal.
Resistência e reinvenção no centro dos negócios
Com trajetória ainda mais longa, Camila Loren mantém o Ateliê Camila Loren desde 2012. Atuando com design de moda, a empresária cria peças à mão com base na ancestralidade. Ela relata que a falta de capital de giro e o acesso restrito ao crédito ainda limitam o crescimento de negócios negros.
“Empreender é um ato de resistência para a mulher negra. Os desafios são diários, mas seguimos reinventando e avançando”, afirma Camila.
Coletividade como estratégia de longo prazo
Para Cynthia Paixão, os dados e os relatos reforçam a necessidade de conexão contínua entre empreendedores. “O que converso com Camila, Daniele e Anaíta é que redes de apoio não são apenas uma alternativa, mas uma resposta real aos desafios econômicos e raciais que enfrentamos. Quando criamos collabs, compartilhamos experiências e estruturamos o negócio, geramos sustentabilidade e avançamos com mais segurança”, defende.
A empresária acredita que o fortalecimento da comunidade negra empreendedora é o caminho mais concreto para aproveitar os anos de maior otimismo no mercado.
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