Do Micro Ao Macro
Dor crônica atinge 37% dos brasileiros e impacta produtividade, mas segue invisível nas empresas
Condições como enxaqueca, hérnia de disco e artrose estão entre as principais causas de afastamento por incapacidade temporária no país


No Brasil, mais de um terço da população convive com dor crônica. Ainda assim, o tema permanece pouco discutido no ambiente de trabalho, mesmo sendo uma das principais causas de queda de produtividade e afastamentos, segundo a Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED). Para especialistas, esse silêncio tem custo alto: interfere na saúde física e emocional dos trabalhadores, agrava quadros clínicos e aumenta o risco de absenteísmo prolongado.
“O impacto da dor crônica vai além da dor física. Ela altera o sono, afeta o humor, compromete o foco e corrói a autoestima”, afirma o neurologista Marco Nihi, especialista em tratamento da dor. “No trabalho, isso se traduz em queda de rendimento, afastamentos recorrentes e sofrimento emocional que muitas vezes passa despercebido.”
Sintomas silenciosos, custos elevados
Dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) indicam que doenças musculoesqueléticas, como lombalgia, hérnia de disco, artrose e fibromialgia, estão entre as principais causas de afastamento temporário por incapacidade no país. A Organização Mundial da Saúde (OMS) também classifica a dor crônica como um dos maiores desafios de saúde pública global.
Uma pesquisa conduzida pela SBED em parceria com o IBOPE revelou que mais da metade dos brasileiros que sofrem com dor crônica têm a rotina profissional diretamente afetada. Cerca de 46% afirmaram já ter faltado ao trabalho por conta da dor. Outros 31% relataram queda no desempenho profissional.
Para Marco Nihi, o medo de julgamento ainda impede muitos trabalhadores de buscar ajuda. “É comum que a pessoa tente suportar a dor para não demonstrar fraqueza, o que só piora a condição. Isso leva ao uso exagerado de analgésicos, maior risco de afastamento e até à associação com quadros de depressão e ansiedade.”
Diagnóstico precoce e tratamento integrado
A dor crônica tem tratamento, mas exige avaliação especializada. De acordo com Nihi, abordagens como bloqueios analgésicos, neuromodulação, fisioterapia e terapias cognitivas podem ajudar a controlar o quadro e melhorar a qualidade de vida. “O primeiro passo é identificar a origem da dor e construir um plano integrado, com apoio multidisciplinar e mudanças no estilo de vida”, afirma.
Além do acompanhamento médico, o neurologista defende a ampliação da conscientização nas empresas. Segundo ele, organizações que acolhem e tratam o tema com seriedade conseguem reduzir índices de absenteísmo, promover bem-estar e melhorar o desempenho das equipes.
Cultura corporativa ainda ignora a dor
No ambiente de trabalho, a dor crônica muitas vezes não é vista como uma condição clínica legítima. Sem uma cultura de escuta e acolhimento, muitos trabalhadores sofrem em silêncio. “A empresa precisa enxergar a dor crônica como um fator real de impacto na produtividade, e não como fragilidade ou falta de compromisso”, reforça Nihi.
A ausência de diálogo sobre o tema também afasta os profissionais do cuidado preventivo. Para especialistas, é preciso quebrar o tabu e incluir a dor crônica nas pautas de saúde corporativa. Investir em educação, acompanhamento e adaptação do ambiente pode ser decisivo para manter o bem-estar da equipe e a sustentabilidade do negócio.
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