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Construí minha empresa no terreno dos sogros. O imóvel é meu?

Especialista explica o que diz a lei sobre construções em terrenos da família e o que fazer para evitar disputas futuras

Construí minha empresa no terreno dos sogros. O imóvel é meu?
Construí minha empresa no terreno dos sogros. O imóvel é meu?
Construí na casa dos sogros. O imóvel é meu?
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Casais que decidem construir a casa própria ou montar um negócio no terreno dos sogros costumam ver a prática como um gesto de confiança e apoio familiar.

No entanto, a situação pode se transformar em conflito quando ocorrem separações, falecimentos ou disputas entre herdeiros.

De acordo com o Código Civil brasileiro, o dono do solo é também considerado dono da construção, a menos que haja prova em contrário. Ou seja, se o terreno está em nome dos sogros, o imóvel edificado ali, em tese, pertence a eles — mesmo que a construção tenha sido custeada por genros ou noras.

Contrato formal evita conflitos

Para o advogado Danniel Stehling Fernandes, especialista nas áreas cível, tributária e imobiliária, o ponto central está na separação entre propriedade do terreno e o investimento na obra.

“Quando não há contrato, tudo fica na base da confiança e, no direito, confiança sem documento vale pouco”, afirma.

Se não houve doação formal ou cessão registrada em cartório, a construção é considerada uma benfeitoria feita em terreno alheio. A única possibilidade, nesse caso, é tentar reaver o valor investido — desde que haja provas suficientes.

“O ideal seria um contrato prévio, mesmo que simples, com a anuência dos proprietários, definindo que a construção pertence ao casal e que o valor investido poderá ser restituído em caso de separação ou venda”, orienta o especialista.

Separação pode encerrar o acordo tácito

Se o relacionamento termina, o parceiro que não tem vínculo direto com os donos do terreno — geralmente o genro ou a nora — pode ser convidado a deixar o imóvel.

Sem contrato ou registros que comprovem um acordo sobre a permanência, a Justiça tende a considerar que houve apenas uma permissão informal para uso.

“A falta de formalização leva à instabilidade e o vínculo afetivo deixa de ter peso jurídico”, explica Fernandes.

Ainda assim, é possível buscar ressarcimento pelo investimento, desde que haja documentos como notas fiscais, transferências bancárias e registros da construção.

Herança pode acirrar disputas

Quando os sogros falecem, o terreno passa a integrar a herança dos filhos e herdeiros legais. Se o genro ou nora continua morando no local, pode enfrentar questionamentos ou até ações judiciais por parte dos demais herdeiros.

Em alguns casos, especialmente quando há filhos menores envolvidos ou boa-fé comprovada na ocupação, a Justiça pode conceder indenizações ou direito de permanência temporária. Mas não há garantias.

Usucapião: nem sempre é possível

A usucapião pode ser uma saída para regularizar a propriedade quando a ocupação é contínua, pacífica e sem oposição. O prazo varia de 5 a 15 anos, conforme a modalidade.

Contudo, o uso de imóvel pertencente a familiares próximos costuma ser interpretado como mera permissão. “A Justiça entende que não há posse com intenção de ser dono, o que inviabiliza a usucapião”, afirma Fernandes.

Há exceções. Se for comprovado que o vínculo familiar se rompeu e, mesmo assim, a permanência se manteve por mais de dez anos, pode haver espaço para usucapião ordinária.

E os direitos dos filhos?

Filhos do casal não têm direito automático sobre o imóvel, a menos que sejam herdeiros dos donos do terreno.

Caso os legítimos proprietários decidam vender ou demolir a construção, o casal pode buscar indenização na Justiça, mas o desfecho dependerá das provas apresentadas.

O que fazer antes de iniciar a construção

  • Verifique se há possibilidade de doação formal de parte do terreno, com escritura pública e registro em cartório.
  • Elabore um contrato claro, com cláusulas sobre o valor investido, a titularidade da construção e as condições em caso de separação ou falecimento.
  • Guarde todos os comprovantes relacionados à obra.
  • Sempre que possível, registre a construção na matrícula do imóvel.

Em questões patrimoniais, vínculos familiares não substituem documentação formal. O que começa como gesto de confiança pode terminar em litígio. E, na ausência de provas, a Justiça tende a proteger quem tem os direitos registrados em cartório.

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