Diversidade

Para desmerecer #EleNão, renasce o estereótipo da feminista “masculina”

Numa tentativa de diminuir a mobilização, ofensas se propagaram. Mas o feminismo não prega o fim da vaidade, e sim igualdade de gênero e escolhas

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Neste sábado 6, novos atos estão marcados para reunir mulheres em São Paulo e no Rio de Janeiro para protestar contra o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL). Há uma semana, o #EleNão juntou centenas de milhares de manifestantes para impedir o avanço do militar nas pesquisas. Será o segundo grande ato contra o candidato. Lançado pelas mulheres, o movimento foi diverso – ainda que as redes sociais contrárias a elas tenha tentado passar outra ideia.

Veja por essa situação. Um longo cartaz erguido por algumas mulheres passou sob aplausos no Largo da Batata, em São Paulo: “Somos evangélicas, mas somos contra o fascismo. #EleNão”. Era esse o clima heterogêneo da manifestação. Havia homens e mulheres (heterossexuais, trans e homossexuais). A maioria vestida – vamos começar por esse ponto –, embora algumas estivessem, sim, com os mamilos escondidos atrás apenas de frases pintadas contra Jair Bolsonaro.

Com 52% do eleitorado feminino (e uma rejeição alta entre elas ao candidato do PSL), o movimento feminista entrou em pauta nestas eleições. Parecia uma vitória feminina, com o sucesso do #EleNão, veio uma certa estagnação do capitão nas pesquisas. Só que, após o ato, as pesquisas mostraram um novo cenário. Segundo o último Ibope, o presidenciável ganhou 6% das intenções de votos das mulheres.

Com feminismo em pauta, nas redes sociais e nas ruas, surge o medo da “ditadura do feminismo”. Não à toa, eleitores do candidato espalharam só as imagens de manifestantes com bunda ou peito de fora – como se a ideia fosse pregar um mundo “depravado”. E as feministas como mulheres feias, peludas e descuidadas, algo que elas (as “antifeministas) jamais gostariam de ser.

A conclusão é de Rosana Pinheiro-Machado, antropóloga da Universidade Federal de Santa Maria, que avaliou os perfis dessas mulheres ao longo de 14 dias. Em artigo publicado no The Intercept Brasil, ela concluiu: “há um permanente terror de que a ditadura do proletariado se torne a ditadura da baranga”.

Ainda ronda entre as mulheres conservadoras a ideia de que o feminismo vem só para impedi-las de usar maquiagem, salto alto, de ter filhos, ou de fazer depilação. Vamos por partes.

Feminismo é um movimento social e político cujo ponto principal objetivo é conquistar o acesso a direitos iguais entre homens e mulheres. E surgiu há muito tempo, lá no século 19. Pensa só: nessa época, mulher deveria ficar em casa, cuidando dos filhos e do marido. Lugar de mulher era na esfera doméstica e o do homem na esfera pública – e isso tem reflexos até hoje: não é à toa que elas ocupam só 10% do parlamento no Brasil. As primeiras brigas foram pelo direito ao voto.

Leia também: Por que algumas mulheres votam em Bolsonaro?

E evoluiu. As mulheres entenderam como a sociedade, construída no patriarcado, era opressora em todos os aspectos da vida. Opressora nas ruas – com obrigação de pensarem sobre suas roupas ou caminhos, caso contrário, algum maluco pode se achar dono daquele corpo. No trabalho – com poucas vagas de chefias para elas, salários mais baixos e a obrigação de irem sempre “bem arrumadas”.

Elas começaram, então, a questionar a construção da imagem da mulher na sociedade. Por que mulher precisa arrancar os pelos e homens não? Por que precisam se equilibrar em um salto de 5 centímetros e melecar a cara toda de base todo dia? A ideia é: não sou objeto de decoração (como eram antigamente), não tenho de estar sempre impecável.

Não que lutem pela abolição da maquiagem e da depilação. É uma luta pelo direito à escolha. Escolha de ter ou não filhos. De ter ou não emprego fora de casa, se assim desejarem. De passar rímel ou não. De fazer depilação ou não. Direito ao próprio corpo. E pela igualdade de gêneros, sem preconceitos no trabalho ou violência nas ruas, com homens tão empenhados na vida doméstica quanto elas; e com homens e mulheres livres das prisões dos estereótipos.

E a briga delas contra Bolsonaro vem justamente dos discursos machistas do candidato. Mulher não pode ser colocada em pedestal – não cola só dizer que ama as mulheres, Daciolo. Homens e mulheres precisam ter as mesmas oportunidades e direitos, sem pedestal para ninguém. Sem preconceito por gênero. Sem chances menores no mercado de trabalho por conta de gravidez. Até porque se a lei oferecesse licenças semelhantes aos dois envolvidos (pai e mãe, no caso), esse discurso de “mulher não merece mesmo salário porque engravida” nem existiria.

As pequenas vitórias do feminismo não fecharão as lojas de cosméticos. Nem farão com que as mulheres fiquem “menos feminina” – a não ser que elas queiram.

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