Diversidade
“O estuprador é você”: música feminista contra violência percorre o mundo
Feministas chilenas criaram a música e a divulgaram nas redes. Agora, mulheres vendadas de Bogotá à Paris entoam a canção. Veja a letra
“E a culpa não era minha, nem onde estava, nem como me vestia”. O refrão determina bem contra o quê feministas chilenas cantavam no dia 25 de novembro, o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher. A música “Um estuprador no seu caminho” ganhou proporção dentro da conurbação social em que se encontra o Chile, onde as manifestações seguem há mais de 40 dias. Agora, a letra rompeu as dimensões do país e se transformou em uma ferramenta de protesto para mulheres mundo afora.
Cidade do México, Paris, Istambul, Londres, Madrid e demais cidades reúnem mulheres vendadas que cantam a letra com um entusiasmo enraivecido. Criada por quatro feministas do coletivo Las Tesis, a letra da música não teme em nomear algozes distintos das mulheres vítimas de violência: são os policiais, os juízes, os presidentes. O “homem estuprador” (ou “macho violador” em espanhol) é desmascarado: “o estuprador é você”, cantam.
Mulheres protestando com a música “Um estuprador no seu caminho” na Cidade do México. (Foto: CLAUDIO CRUZ / AFP)
Os motivos para apontar culpados não poderiam ser diferentes: a cada seis horas, uma mulher é vítima de feminicídio no mundo, segundo relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) de 2018. 58% delas foram assassinadas por conhecidos, companheiros e ex-parceiros ou demais familiares.
A América Latina desponta como o continente mais perigoso para se viver quando se é uma mulher – nascida ou não como tal, já que a população transgênero tem o Brasil, segundo a ONG Transgender Europe, como seu pior algoz.
Movimentos famosos latino-americanos, como o Ni Una Menos (Nem uma a menos), criado na Argentina em 2014, já encabeçaram a luta das mulheres pelo fim da violência de gênero na região. No contexto chileno atual, a disparada da violência, especialmente a policial, contra os protestantes já levou mais de 11 mil pessoas aos hospitais, segundo diz a organização Humans Rights Watch. Nesse contexto, estão mais de 71 denúncias de abuso sexual.
A letra faz também referência ao desaparecimento de protestantes, outro aspecto do escopo de violências no país. Em um dos casos mais noticiados, a ativista e artista de rua Daniela Carrasco, também conhecida como “Mimo”, desapareceu e foi encontrada enforcada em uma praça pública em Santiago. O corpo dela ficou amarrado a uma grade. Vizinhos de Carrasco denunciaram a atuação das forças policiais no caso, enquanto as autoridades trabalham com a tese de suicídio.
O impulsionamento da causa pelas redes sociais e o alcance da canção já fez com que o Las Tesis convocasse manifestações extraterritoriais e, também, disponibilizasse a base da canção para grupos feministas interessados. O intuito, segundo elas, é formar um material extenso de encontros formados.
“Estamos agradecidas por como a nossa intervenção ressoou em tantas pessoas. Por isso, adoraríamos ter o registro de todas as suas versões para incluir esse material em futuros trabalhos”, escreveu o grupo no Instagram.
Confira a letra traduzida e em espanhol da canção e, também, algumas das manifestações que ocorreram até agora:
Chile:
França:
All of our sisters murdered, you are in our hearts! All of our sisters who survived violence, rape, you are not alone! We are with you and we are stronger together 💪 A salute to #LasTesis #Chili from #Paris 🖤 pic.twitter.com/4I07svyb2M
— dilâra (@DilaraGurcu) November 29, 2019
Turquia:
De Estambul a Chile llega el grito de mujeres.
¡No es no!
A mí no me puedes ni insistir ni culpar.
¡Eres tú el violador!#LasTesis #Chile pic.twitter.com/fVJKhTe7lD— SKM (@SosyalistKadin) November 30, 2019
Espanha:
Madrid pic.twitter.com/eoSOO2GMGQ
— Alboacid (@alboacid) November 29, 2019
México:
“Y la culpa no era mía. El violador eres tú”.
Así la plaza pública más importante de México. No se va a caer, lo vamos a tumbar. 👊🏻💜#NiUnaMenos #UnVioladorEnTuCamino pic.twitter.com/sp271fWDdE
— Verónica Delgadillo (@VeroDelgadilloG) November 30, 2019
Inglaterra:
Y la culpa no era mía, ni dónde estaba, ni cómo vestía… “Un violador en mi camino” desde Bristol, Inglaterra. Enormes #Lastesis 💜💚 pic.twitter.com/dWSd1q4iVQ
— alv (@alelov1) November 29, 2019
Alemanha:
https://twitter.com/estaocupada/status/1200473391834247173
“Un violador en tu camino” (Um estuprador no seu caminho)
El patriarcado es un juez, (O patriacado é um juiz)
que nos juzga por nacer (que nos julga ao nascer)
y nuestro castigo es (e nosso castigo é)
la violencia que no ves. (a violência que não se vê)
El patriarcado es un juez, (O patriarcado é um juiz)
que nos juzga por nacer (que nos julga ao nascer)
y nuestro castigo es (e nosso castigo é)
la violencia que ya ves. (a violência que já se vê)
Es feminicidio (É o feminicídio)
Impunidad para el asesino (Impunidade para o assassino)
Es la desaparición (É o desaparecimento)
Es la violación (É a violação)
Y la culpa no era mía, ni dónde estaba, ni cómo vestía (4x) (E a culpa não era minha, nem onde estava, nem como me vestia)
El violador eras tú (2x) (O estuprador é você)
Son los pacos (policías) (São os policiais)
Los jueces (Os juízes)
El estado (O estado)
El presidente (O presidente)
El estado opresor es un macho violador (2x) (O estado opressor é um homem estuprador)
El violador eras tú (2x) (O estuprador é você)
Duerme tranquila niña inocente, (Dorme tranquila, menina inocente)
sin preocuparte del bandolero, (sem se preocupar com o bandido)
que por tus sueños dulce y sonriente (que os seus sonhos, doce e sorridente)
vela tu amante carabinero. (cuida seu querido carabinero (policial) – os quatro últimos versos foram retiradas de um canto da polícia chilena, uma forma de ironizar a letra da canção, segundo declararam as compositoras -)
El violador eres tú (4x) (O estuprador é você)
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