Diversidade

O boicote à Feira Internacional do Livro de Frankfurt por parte do movimento de mulheres negras da Alemanha

Autora afro-alemã cancelou sua participação na maior feira do livro do país pela presença da extrema direita no evento

Jasmina Kuhnke anunciou o boicote à Feira do livro de Frankfurt, uma das maiores do mundo, por conta de espaço concedido a grupos de extrema direita.
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“Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. A celebre frase da grandiosa Angela Davis é esperança e acalanto nestes últimos, dias, ao testemunhar os avanços das lutas antirracistas e o enfrentamento da extrema direita, a partir das vozes e posicionamentos articulados entre mulheres negras, migrantes e racializadas na Alemanha.

Isso porque a autora negra alemã Jasmina Kuhnke cancelou a sua participação na Feira Internacional do Livro de Frankfurt na última semana, devido ao local de sua palestra estar próximo ao stand da editora “Jungeuropa”, da extrema direita. Ela lançaria o seu livro de estreia “Schwarzes Herz” (coração negro), e, sob o pseudônimo “Quattromilf”, teme ser agredida pelos visitantes do Stand da dita editora, como retaliação pelos seus posicionamentos antirracistas e contrários ao discurso de ódio nas redes sociais.

Neste mesmo ano de 2021, o seu endereço privado veio a público nas redes sociais com uma chamada: “massakriert Jasmina Kuhnke” (em português massacrar Jasmina Kuhnke). Isso no ápice da escalação das agressões contra a mesma nas mídias sociais. Desse modo, a ameaça à sua integridade física fez com que a Fundação Amadeu Antônio organizasse uma campanha de arrecadação de fundos, para que a mãe de quatro filhos pudesse, com sua família, ser protegida de perigo eminente contra a sua própria vida.

A Feira do Livro de Frankfurt é uma das maiores e mais prestigiadas do mundo (Foto: Daniel ROLAND / AFP).

O gesto corajoso da autora desencadeou uma série de manifestações de solidariedade, repercussões midiáticas e aquecimento do debate racial na Alemanha. A frase “Rassismus ist keine Meinungsfreiheit”, cuja tradução para o português é “o Racismo não é uma questão de liberdade de opinião “, deu o tom das declarações de apoio de organizações e personalidades das lutas antirracistas e antissemitas na Alemanha.

A onda de posicionamentos foi um contraponto à declaração oficial dos diretores da Feira, que lamentarem o episódio, mas o relativizaram ao expressar que proibir a participação de quem quer que seja é oficio da justiça e não da direção da Feira. Assim, é nítido o dilema do Estado Democrático de Direito, que permite a deliberada liberdade de expressão e circulação de organizações da extrema-direita, incendiários do ódio xenófobo e racial, em detrimento do temor de corpos negros, migrantes e racializados, expostos a estes mesmos grupos e sem gozar da devida proteção desse mesmo Estado.

 

A resistência das autoras, jornalistas, ativistas de direitos humanos negras, racializadas e migrantizadas em forma de boicote, além de outros posicionamentos de confrontos, foi um claro sinal da importante politização nas disputas das narrativas e espaços no enfrentamento do racismo e antissemitismo. A professora de Sociologia da Universidade Justus-Liebig Encarnación Gutiérres Rodrígues e a pesquisadora em Sociologia da Universidade de Kassel Pinar Tuzcu cancelaram o lançamento do seu livro “Migrantischer Feminismus in der Frauen:Bewegung in Deutschland(1985-2000)” na Feira, transferindo-o para GegenBuchmasse (“contra a massa de livros”), uma Feira alternativa, que é crítica à Buchmesse e organizada por movimentos e entidades autônomas, pequenas e por críticas editoras e autoras/es.

Protestos foram em vários níveis. A parlamentar negra pelo Partido Verde do Estado de Schleswig-Holstein, Aminata Touré lançou o seu livro ”Wir können mehr sein”(nós podemos ser mais) na Feira, mas declara solidariedade a qualquer pessoa que sinta medo e insegurança ao compartilhar espaços com a extrema direita. Aminata ainda afirmou que não aceita que sejam permitidos espaços para estes grupos cada vez mais radicalizados.

O “novo” deste episódio na Buchmesse é a força articulada das mulheres negras na Alemanha, que aumentam as suas vozes e encontraram uma plataforma de expressão e posicionamento, como disse numa outra declaração a vereadora Mirrianne Mahn. Mirriane interrompeu a fala oficial do Prefeito da cidade de Frankfurt, Peter Feldman, no encerramento da Feira Internacional do Livro de Frankfur na ocasião da entrega do “Prêmio da Paz” no último domingo à escritora e ativista de direitos humanos Tsitsi Dangarembga, ao confrontar a nata literalmente branca da literatura alemã naquela cerimonia, com a hipocrisia de premiar uma autora negra, mas ao mesmo tempo não cuidar das condições para que autoras negras se sintam seguras ao dividirem espaços com a extrema direita.

O gesto de solidariedade das parlamentares, escritoras, jornalistas e gentes solidárias com a autora Jasmina Kuhnke, demonstra claramente a importância de nossos “levantes”, da coragem e contundência de nossos posicionamentos, para irmos mais além do combate ao racismo cotidiano e alcançarmos a tomada do poder, das narrativas por reparação histórica, justiças globais. E por conseguinte, vislumbrarmos não somente o “mover” as estruturas de dominação pós-colonial, mas aboli-las do nosso meio!

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