Cultura

Feministas criticam proposta de dar nome de Pablo Neruda a aeroporto

O poeta chileno admitiu ter cometido abuso sexual e é acusado de abandonar filha com hidrocefalia

Pablo Neruda (Foto: Wikimedia)
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Um projeto de lei que propõe rebatizar o aeroporto internacional de Santiago com o nome do aclamado poeta chileno Pablo Neruda tem sido condenado por ativistas dos direitos humanos e feministas. Vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, Neruda é criticado por sua postura em relação às mulheres.

No livro autobiográfico Confesso que vivi – publicado postumamente em 1974, um ano após a morte do escritor –, Neruda confessa ter estuprado uma empregada doméstica no Ceilão (atual Sri Lanka), onde ele ocupou um posto diplomático em 1929.

Após a mulher o ter ignorado, o poeta conta que a segurou com força pelo pulso e a conduziu a seu quarto. “O encontro foi como o de um homem com uma estátua. [Ela] permaneceu todo o tempo com os olhos abertos, impassível. Fazia bem em me desprezar. A experiência não se repetiu”, diz um trecho do livro.

Outra mancha no passado do poeta é o suposto abandono de uma filha com hidrocefalia, a única nascida de seu casamento com a primeira esposa, a holandesa María Antonieta Hagenaar, conhecida como Maruca. A menina nasceu em 1934 e morreu oito anos depois.

A acusação de abandono da filha é o tema central do romance Malva, publicado pela escritora holandesa Hagar Peeters em 2015.

Após o lançamento do livro, a Fundação Pablo Neruda se pronunciou, contestando o abandono.

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“É falso que o poeta tenha abandonado sua mulher e sua filha à miséria. Está documentado por cartas da própria Maruca Hagenaar e por documentos consulares que o poeta nunca deixou de lhes enviar uma mesada”, diz a nota da fundação. “Por circunstâncias históricas, Neruda não podia ver a filha.”

Um dos chilenos mais conhecidos mundo afora, Neruda foi um autor prolífico e também um ativista político, tendo ajudado milhares de espanhóis a fugir para o Chile após a Guerra Civil Espanhola. Ele foi embaixador na França e chegou a ser pré-candidato à presidência. O poeta morreu dias após o golpe militar liderado pelo general Augusto Pinochet, sob circunstâncias suspeitas.

O escritor colombiano Gabriel José García Márquez, também vencedor do Nobel de Literatura, descreveu Neruda como “o maior poeta do século 20”, mas o debate atual sobre o passado do escritor vem provocando uma reavaliação sobre a qualidade de sua literatura.

A escritora chilena Isabel Allende, defensora dos direitos das mulheres, argumentou que as manchas em sua biografia não tiram o valor da obra de Neruda. “Assim como muitas jovens feministas no Chile, estou indignada com alguns aspectos da vida e da personalidade de Neruda. No entanto, não podemos desprezar o que ele escreveu”, disse ao jornal britânico The Guardian. 

O projeto de lei

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Desde 2010 foram apresentadas quatro inciativas legais para rebatizar o aeroporto de Santiago com o nome de Neruda, sendo que a última data de julho de 2014 e foi aprovada pela Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados no início de novembro. A iniciativa ainda deve ser votada no plenário.

O nome atual do aeroporto internacional de Santiago, Comodoro Arturo Merino Benítez, foi dado em 1980, durante a ditadura de Pinochet (1973-1990), mas a ideia partiu do governo socialista de Salvador Allende (1970-1973).

Merino Benítez foi um dos fundadores da Força Aérea do Chile (FACH) e nomeado como seu primeiro comandante em 1931. Morto em 1970, ele tinha ideias de esquerda e apoiara as candidaturas presidenciais de Allende.

O projeto de lei para alterar o nome do aeroporto argumenta que o “caráter universal, transcendente, nacional e mundial” de Neruda “une o país em termos de cultura e identidade”.

“É por essa qualidade singular do que representa no mundo e para nossa terra que, independentemente das diversas posições políticas, dar ao principal aeroporto do Chile o nome do poeta Pablo Neruda seria de grande benefício para o país. O Chile é que ganha com esse reconhecimento”, diz o projeto.

Vozes que se opõem ao nome de Neruda sugerem que o local seja rebatizado de Gabriela Mistral, em homenagem à poeta e feminista chilena, vencedora do Nobel de Literatura em 1945.

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