Diversidade

Entenda o gaslighting, estratégia de defesa de João de Deus

Tenta-se “colocar a mulher em um lugar humilhante, para que ela desista da denúncia”, explica a advogada Mariana Serrano

(Foto: Evaristo/ AFP)
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A estratégia da defesa de João de Deus em desqualificar as mulheres que o acusam de abusos sexuais  e estupro faz parte de um escopo de violência institucional contra a mulher que aceita a culpabilização da mulher – sob diversos argumentos – como justificativa para o crime, afirma a advogada Mariana Serrano, co-fundadora da Rede Feminista de Juristas.

Embora a defesa propriamente não tenha sido entregue ainda, Serrano afirma que a estratégia, desde o primeiro momento, é desqualificar a vítima, “como se elas não tivessem credibilidade para acusá-lo, usando argumentos comuns na sociedade para culpar a vítima pelo abuso, como dizer que ela é desequilibrada, prostituta ou que consumiu álcool e drogas.”

Logo após o depoimento de João de Deus, no domingo 16, o advogado Alberto Toron afirmou que as denúncias deveriam passar por uma seleção, e que muita das mulheres não tinha credibilidade para recorrer à Justiça.

Ele citou como exemplo um dos primeiros relatos, feito pela holandesa Zahira Lieneke Mous. “Temos informações de que ela é prostituta e tem histórico de extorsão”, justificou Toron.

Serrano afirma que a defesa recorre à violência institucional difundida no judiciário para inocentar o médium. “A primeira coisa que acontece com a grande maioria das mulheres que denuncia abusos e estupro é ser responsabilizada pelo crime. Isso nas delegacias, nos tribunais, em todo lugar. Eles estão usando de gaslighting para desqualificar a investigação. Isso é comum em todos os processo de abuso”, esclarece a advogada.

Sobre o relato da filha do médium, que afirma ter sido vítima de abusos dos 10 aos 14 anos, João de Deus disse que ela tem histórico de internação e problemas psiquiátricos. Uma outra suposta vítima, que também possui um centro espírita, foi acusada pela defesa “de se beneficiar da acusação para promover o espaço.”

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“A ideia nesses casos é colocar a mulher em um lugar humilhante, para que ela desista da denúncia, e pode se fazer isso com as perguntas feitas às vítimas durante o julgamento”.

O que é gaslighting?

Gaslighting é uma forma de abuso psicológico na qual as informações são distorcidas ou omitidas para favorecer o abusador, fazendo com que vítima duvide de sua própria memória, percepção e sanidade, colocando sua credibilidade em xeque.

O termo faz referência à peça teatral Gas Light, de 1938, e que ganhou grande projeção nas adaptações para o cinema. O enredo trata de um marido que tenta convencer a própria esposa e outros de que ela é louca, manipulando pequenos elementos de seu ambiente e, posteriormente, insistindo que ela está errada ou que se lembra de coisas incorretamente.

O termo gaslighting é utilizado desde 1960 para descrever a manipulação do sentido de realidade de alguém.

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A investigação

Há duas investigações abertas contra o médium. Uma está nas mãos do Ministério Público de Goiás – que reúne o maior número de denúncias – e outra pela Polícia Civil. Além dos 15 casos sob análise, o MP recebeu mais de 500 relatos de abuso.

No depoimento do domingo 16, João de Deus negou os crimes. O médium está preso provisoriamente na penitenciária de Aparecida de Goiânia. Os advogados recorrem para que ele acompanhe o processo em casa, com o uso de tornozeleiras eletrônicas.

A Justiça investiga ainda se João de Deus sacou  35 milhões de reais de suas contas desde que acusações vieram a público.

Até a publicação deste texto,  Toron, advogado de defesa de João de Deus, não havia atendido a reportagem.

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