Diversidade

Daniela Mercury: “Ninguém voltará para o armário”

“O beijo é um amoroso e poderoso ato político”, defendeu a cantora de axé

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Ao participar de uma sessão solene na Câmara dos Deputados para lembrar os 50 anos da Revolta de Stonewall, a cantora Daniela Mercury lamentou a omissão do Legislativo brasileiro em assegurar direitos à população LGBT, além de relatar as dificuldades enfrentadas quando assumiu o relacionamento com a jornalista Malu Verçosa. “Perdi todos os meus direitos.” 

Em entrevista a CartaCapital, a cantora reafirmou as críticas, enfatizando a necessidade de romper com a invisibilidade política do segmento. “Não podemos continuar sem existir para o Congresso Nacional. Ninguém jamais voltará para o armário. A liberdade é sempre um caminho sem volta.” 

CartaCapital: As últimas eleições ficaram marcadas pelo discurso de ódio e por ataques à comunidade LGBT. O preconceito se intensificou de lá para cá? 

Daniela Mercury: Nossa comunidade tem de estar unida e muito atuante para combater a LGBTfobia no Brasil, pois somos agredidos constantemente com declarações do presidente da República, que chegou a dizer: “O Brasil não pode ser um país do mundo gay, de turismo gay. Temos famílias”. É óbvio que declarações como essa, vindas de um chefe de Estado, aumentam a intolerância, o preconceito e a violência. Mas a quantidade de pessoas na rua durante a última parada de São Paulo mostrou a força da nossa comunidade e o grande apoio da sociedade às nossas pautas.

CC: Dá para confiar que somente os tribunais serão capazes de assegurar a igualdade de direitos?

DM: O Judiciário tem sido o nosso único amparo democrático. As decisões do Supremo sobre as causas LGBTQI+ têm sido motivo de orgulho e me fazem confiar que a democracia está viva, apesar de ser gravíssimo o fato de o Congresso não ter legislado até hoje sobre o casamento homoafetivo, sobre a criminalização da homofobia, o uso do nome social e a adoção de crianças por casais do mesmo sexo.

Essa omissão custou muitas vidas e deixou milhões de brasileiros sem acesso a seus direitos básicos. Eu falei sobre isso durante a sessão solene na Câmara, em Brasília. Era casada com um homem e tinha todos os meus direitos assegurados! Podia ter nossos sobrenomes em filhos, podíamos casar, ter direito a herança, ter os filhos no plano de saúde etc. Mas quando casei com Malu, de repente, perdi todos os direitos. De um dia para o outro me senti como se não fosse cidadã brasileira. E fiquei impressionada com o fato de milhões de casais e famílias viverem assim por tanto tempo, mesmo o Brasil sendo um país laico e democrático. Só com as decisões da Justiça começamos a recuperar nossos direitos. Mas é preciso assegurá-los com leis. Não podemos continuar sem existir para o Congresso Nacional. Ninguém jamais voltará para o armário. A liberdade é sempre um caminho sem volta. 

CC: A Revolta de Stonewall, em Nova York, acaba de completar 50 anos. O Brasil poderia ser palco de uma insurreição semelhante? 

DM: Acho que estamos nos rebelando de várias maneiras. Foram a inteligência e o ativismo de LGBTIs que nos deram essas vitórias até agora. A luta tem sido cada vez mais forte com as paradas LGBTs, com a atuação do Gapa, do Antra, ABGLT, grupo Arco-íris de Cidadania LGBTI, Astra, Rede Trans Brasil, Aliança Nacional LGBTI+, Abrafh, Mães pela Diversidade, com a atuação dos congressistas Jean Willys, David Miranda, Érika Kokay, Maria do Rosário, Marta Suplicy e tantos outros.

Tivemos nos últimos cinco anos o surgimento de artistas como Pabllo Vittar, Gloria Groove, Johnny Hooker e Liniker. Além de todo o manifesto da geração de Ângela Rô Rô, Ney Matogrosso, Cazuza, Valéria e os emblemáticos DZI Croquetes, que há muitos anos quebram tabus e, com atitude e arte, confrontam a homofobia e angariam apoio para a nossa causa. 

CC: O beijo em sua esposa na tribuna da Câmara foi um ato político?

DM: O beijo é um manifesto de afirmação, é a ocupação de espaço social, é um amoroso e poderoso ato político. Há muito o que fazer para naturalizar o amor e a formação familiar de pessoas do mesmo sexo. São poucos casais que têm coragem de se beijar publicamente. A maioria tem medo da violência.

O meu beijo com Malu, além de demonstrar o profundo amor que sentimos uma pela outra, gera empatia para a nossa luta. Somos casadas oficialmente há seis anos e estamos juntas há sete. Mesmo assim, o beijo ainda surpreende e se torna símbolo da minha militância. Tudo ainda é muito novo para o Brasil.

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