Sociedade

Criminalizar a homofobia é mesmo o melhor caminho?

A demanda pela criminalização da LGBTfobia é legítima, mas talvez seja o momento de olhar para além do punitivismo e mudar o foco

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Nos últimos anos, tenho defendido a criminalização de crimes de homofobia, que aqui vou chamar de LGBTfobia para incluir todas as cores do arco-íris. Tratam-se de crimes de discriminação contra lésbicas, gays, bissexuais, trans, interssexuais e tudo o que a diversidade permitir.

O atual projeto (PLC 122/2006) pune com até cinco anos de cadeia os crimes de injúria, humilhação e agressão verbal contra os LGBTs, em termos parecidos com os da lei contra o racismo. Mas prisão deve ser mesmo o caminho? Não se trata de uma lei muito dura?

A demanda pela criminalização da homofobia é legítima. Afinal, um LGBT é morto por dia devido à intolerância no Brasil, uma triste estatística onde também somos recordistas no mundo.

Mas é preciso mudar o projeto e o foco do movimento LGBT. Além de ser ruim, o PLC 122 está há anos adormecido nas gavetas do Congresso. Foi barrado pelos deputados da bancada evangélica, em dobradinha com a bancada católica.

A grande bancada da Bíblia (que costuma ser a mesma da bala e do boi) também impediu que o debate sobre gênero e sexualidade fizesse parte do conteúdo obrigatório das escolas, conforme previa o Plano Nacional de Educação. Aí está outra peça do xadrez que quero tratar aqui.

Em uma verdadeira cruzada, inventaram a grande mentira (ou pós-verdade) de que os LGBTs desejavam impor a tal “ideologia de gênero”. Pior, insinuava-se de maneira desonesta que trazer conteúdos sobre gênero e diversidade para as salas de aulas significaria ensinar crianças a serem gays ou lésbicas.

Nunca disseram que o debate sobre gênero é baseado na questão da tolerância e respeito à diversidade sexual. E assim o termo “ideologia de gênero” ganhou o mundo, pelas redes e os púlpitos das igrejas, com discursos vazios reproduzidos por quem, a princípio, não sabe o que está falando.

Só que…

Pesquisa Ibope, encomendada pelo grupo Católicas pelo Direito de Decidir, mostrou que 84% dos brasileiros topam discutir gênero nas escolas. E, durante a última Marcha para Jesus, em São Paulo, outra pesquisa da USP-Unifesp mostrou que 77% dos evangélicos presentes concordavam que “as escolas deveriam ensinar o respeito aos gays”.

Meu palpite é que as pessoas não necessariamente sabem lidar com os assuntos de sexualidade. Mas já entenderam que isso é parte da realidade e estão de boa que os professores discutam isso com seus filhos.

A conclusão mais contundente, porém, é que a bancada religiosa do Congresso não fala em nome dos evangélicos brasileiros. Na Marcha para Jesus, o mesmo público rechaçava em sua maioria (86%) as reformas trabalhistas e da Previdência, defendidas com ardor pelos pastores-deputados que sustentam o governo de Michel Temer.

Imagino que em outros estados observe-se o mesmo descolamento entre o que dizem os políticos-pastores e o que pensam os eleitores-evangélicos.

Portanto, é hora de ignorar quem usa os LGBTs para promover o tal projeto “Escola Sem Partido”. Não vale a pena dar ibope aos políticos que promovem tal causa.  

Cadeia não é solução

Em vez de buscar uma lei que mande homofóbicos para a cadeia, creio que devemos partir para uma política mais palpável, buscando inserir a discussão de gênero nas escolas.

Antes, um adendo: é óbvio que não estou defendendo aqui uma vida fácil para os homofóbicos.

Qualquer crime envolvendo agressão corporal ou morte deverá ser julgado como já é hoje, nos termos do Código Penal. A motivação de LGBTfobia deverá ser sempre registrada. Não é possível esquecer Dandara dos Santos e tantas outras vítimas da intolerância.

Sou contra a criminalização com exagero punitivista, prevendo cadeia para todo tipo de injúria. Medidas educativas, como a prestação de trabalho comunitário em espaços que combatam a intolerância, ou pagamento de indenizações, são mais produtivas.

Não é razoável mandar para trás das grades qualquer imbecil que ofenda verbalmente um LGBT na rua. Prisão não é solução. Até porque quem geralmente vai para a cadeia no Brasil têm cor, classe social e endereço bem definidos, ou seja, são pretos, pobres e periféricos.

O encarceramento em massa é um dos principais motores da violência epidêmica que nos assola. São 60 mil homicídios por ano.

E o roteiro da maioria dos presos é quase sempre o mesmo. O sujeito é jogado em uma masmorra, convive com a criminalidade. Ao sair, será estigmatizado e não encontrará emprego. Muitos então partem para a delinquência, perpetuando um ciclo de violência que precisa ser rompido.

Há outro caminho possível?

Até ano passado, fui Secretário de governo na pequena Araçoiaba da Serra (SP). Por lá, a Câmara dos Vereadores também não concordou em inserir o debate sobre gênero no Plano Municipal de Educação. Só que a lei não impede a realização de debates – e foi o que fizemos.

No curso de formação anual de toda a rede municipal, inserimos na grade optativa uma oficina sobre como trabalhar o bullying sexual nas salas de aula. A palestrante foi uma pedagoga transexual, diretora da rede estadual. O tema foi bem recebido pelos professores e essa oficina foi a mais concorrida entre os docentes.

Falar sobre questões de gênero nas escolas é mais fácil do que pensamos. Para a as crianças de hoje, gostar de homem ou de mulher é só um detalhe. O preconceito é historicamente construído.

A grande questão está na cabeça dos velhos de alma. E não vale a pena lutar contra espantalhos. Por isso devemos levar o debate para as salas de aula. Haverá resistências, mas geração que virá será melhor. Cabe a nós apenas dar um empurrãozinho.

 

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