Diversidade

Como tornar a Wikipédia mais africana?

Pela primeira vez, a conferência anual da Wikipédia, a Wikimania, aconteceu na África subsaariana, que continua com fraca representação na plataforma

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A Wikimania é uma conferência anual onde são debatidos por especialistas e ativistas todos os assuntos ligados à Wikipédia, a enciclopédia multilíngue na internet de licença livre e autoria coletiva. A ideia por trás dessa plataforma do conhecimento é que pessoas de todo o mundo possam publicar e redigir artigos em todas as línguas sobre qualquer tema, de modo a dar acesso a todo o conhecimento do mundo a quem se queira informar.

Anasuya Sengupta, que se considera uma “ativista pelo conhecimento” e é a diretora da campanha “Whose Knowledge?” (a quem pertence o conhecimento?), diz que apenas cerca de 20% do conhecimento reunido na Wikipédia tem origem no hemisfério sul. Ao introduzir um workshop com o título “Descolonizar a Internet”, Sengupta disse: “Nós queremos sobretudo que a Internet espelhe melhor a realidade, a complexidade, a diversidade e a riqueza de todas as nossas histórias e de todo o nosso conhecimento”.

Um grupo de convidados de todo o mundo se reuniu para tentar encontrar meios de tornar este desejo realidade, aumentando a diversidade entre os redatores e editores. Cerca de 80% dos conteúdos são da autoria de homens brancos dos Estados Unidos da América e da Europa. Apenas um em cada dez autores é uma mulher, segundo dados da Fundação Wikimedia. Dos cerca de 70 mil autores ativos, apenas 14 mil são do hemisfério sul; e desses, menos de mil são do continente africano.

O maior obstáculo: acesso limitado à Internet

Dumisani Ndubani, da Wikimedia África do Sul, explica que uma das principais causas para este desequilíbrio é o fraco acesso à Internet no continente africano. “O acesso é caro e as pessoas escolhem passar o tempo online com o que mais lhes interessa. Editar ou redigir textos para a Wikipédia não é uma prioridade”.

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A Wikipédia lançou várias iniciativas para fomentar a diversidade. Na Nigéria, por exemplo, foram produzidos filmes publicitários para dar a conhecer a plataforma. Em Joanesburgo, Dumisani e a sua equipa criaram a “Joburgpedia”, um projeto dedicado aos edifícios históricos da cidade. “As pessoas gostam de escrever artigos sobre a sua cidade”, diz Dumisani, acrescentando: “Deste modo conseguimos recrutar mais autores”.

Diversidade através da oralidade

O mote da Wikimania 2018 foi “Preencher lacunas no conhecimento”. Nos últimos anos, a Fundação Wikimedia percebeu que o conhecimento não se transmite apenas pela escrita. A narrativa oral foi, por isso, um ponto central dos debates na Cidade do Cabo.

Siko Bouterse, fundadora da organização “Whose Knowledge?”, diz que nesse aspeto ainda há muito por fazer. Mas depois aponta alguns desenvolvimentos recentes muito promissores. “Por exemplo, a Afrocrowd, nos Estados Unidos da América, está a construir uma espécie de arquivo da narrativa oral, que será digitalizado e colocado à disposição online”, explica.

Para Dumisani Ndubani, importa também que os seus conterrâneos percebam que artigos para a Wikipédia não têm necessariamente que ser redigidos em inglês. Ndubani reconhece que o inglês é uma das primeiras línguas de comunicação no mundo e na África do Sul. Mas não é a língua materna de grande parte dos sul-africanos. Ndubani já escreveu mais de 500 artigos para a Wikipédia, a maioria na sua própria língua, o xitsonga. São, sobretudo, textos sobre a história e cultura da etnia tsonga. À pergunta porque dedica tanto do seu tempo livre à escrita de artigos, responde sem hesitar: “Um dia o meu filho poderá ler algo sobre a sua cultura na sua própria língua. Se eu não o fizer, ninguém o faz”.

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Descolonizar a internet foi um dos lemas da conferência: cerca de 80% do conteúdo da plataforma são escritos por autores da América do Norte e Europa

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