Diversidade

Com julgamento pendente no STF, banheiros sem gênero ganham espaço

Utilizar o banheiro tem se tornado uma luta para pessoas trans no Brasil, que aguardam decisão do Supremo sobre o tema

Banheiro sem gênero (Foto: Wanezza Soares)
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Juliana Perez, de 24 anos, é fluminense e veio para São Paulo aproveitar as férias da universidade. Nos dias em que esteve na capital paulista, a estudante de arquitetura foi conhecer um dos principais museus da cidade: o Masp.

Após realizar a visita, ela e suas duas amigas decidiram ir até o Mirante 9 de Julho, um café que fica atrás do museu e sobre uma das principais avenidas de São Paulo. Ao chegar no local, Juliana foi ao banheiro e se surpreendeu com o que viu. Não havia distinção entre masculino e feminino.

Dentro do Mirante 9 de Julho o banheiro é unissex, homens e mulheres dividem o mesmo espaço. “Essa foi a primeira vez que entrei em um banheiro assim. Achei diferente, mas não me incomodou. Acho que é uma tendência que deve ser adotada em outros lugares”, diz a estudante.

Juliana é moradora de Teresópolis, uma cidade no interior do Rio. Lá, ela conta, não existem banheiros assim. “Acho que o ideal seriam três banheiros, pois como mulher me sinto um pouco insegura. Ou talvez uma fiscalização dentro já resolvesse. Devemos nos adaptar”, defende.

Juliana Perez saindo da sua primeira experiência em um banheiro unissex. Foto: Wanezza Soares

O que acontece no Mirante 9 de Julho não é um caso único. Desde que o debate sobre identidade de gênero começou a ganhar força na sociedade, bares e restaurantes da região central de São Paulo têm adaptado seus banheiros para que todos se sintam confortáveis. Alguns fazem banheiros unissex, outros constroem uma terceira cabine que ambos os gêneros podem utilizar ou apenas colocam uma sinalização dizendo que quem decide é o usuário.

O Mirante sobre a avenida 9 de Julho era um local histórico abandonado, que acabou virando um café e retomou uma das vistas mais lindas da cidade. Desde que foi inaugurado, quatro anos atrás, o local conta com um banheiro sem gênero definido. Uma das sócias, a produtora cultural Roberta Youssef, conta que desde o começo acreditava que não existia a necessidade de dividir os sanitários. “Estamos passando por uma nova maneira de entender a sociedade e suas diferenças, precisamos respeitar isso.”

A paulistana conta que nunca teve nenhum problema pelo banheiro ser unissex. Não houve queixa de clientes, apenas olhares assustados e espantados com algo novo. “Temos uma funcionária trans e, por incrível que pareça, a presença dela dentro do banheiro incomoda mais as pessoas do que o banheiro em si. É muito triste isso”, conta.

O banheiro do Mirante fica em um lugar amplo e aberto. Roberta explica que, por esse motivo, não vê preocupação sobre mulheres e homens utilizarem o mesmo espaço. Se fosse em um ambiente mais fechado e sozinho, porém, pensaria em investir em fiscalização para que pessoas como a fluminense Juliana se sintam mais seguras.

Roberta Youssef nas escadarias que ligam o Mirante 9 de Julho ao Masp. Foto: Wanezza Soares

Uma batalha no Supremo Tribunal Federal

Utilizar o banheiro tem se tornado uma luta para pessoas trans no Brasil. No Supremo Tribunal Federal há um processo que questiona se transexuais podem usar o banheiro público designado para o gênero com o qual se identificam.  A ação começou a ser julgada em 2015 e, depois de Luiz Roberto Barroso e Edson Fachin votarem a favor, o ministro Luiz Fux pediu vista e o julgamento encontra-se parado.

O processo chegou à Suprema Corte pelas mãos de Ama Santos Fialho, uma mulher transexual que em 2008 foi retirada à força pelos seguranças do banheiro feminino de um shopping em Florianópolis. Ama procurou outro banheiro dentro de lojas, mas não encontrou. Sem alternativa, não conseguiu segurar e fez suas necessidades na roupa. Teve que ir embora de transporte público, suja.

Nesta ação, ela pede uma indenização no valor de R$ 15 mil e o STF deu ao caso repercussão geral – ou seja, a decisão da corte precisará ser reproduzida por juízes de todo o País no julgamento de causas semelhantes.

No mesmo ano que o STF deu início ao julgamento, o Conselho de Combate à Descriminação e Promoção dos Direitos dos LGBTs, que neste ano foi encerrado pelo presidente Jair Bolsonaro, soltou uma resolução, assinada pela ex-presidenta Dilma Roussef, que determina regras de respeito às pessoas trans dentro de instituições de ensino público.

Dentre outros pontos, o acesso ao banheiro se encontra no artigo 6º, da resolução 12. “Deve ser garantido o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo com a identidade de gênero de cada sujeito.”

Alguns museus, que se enquadram como instituição de ensino, têm adaptado seus banheiros para que todos possam utilizar baseado no gênero que se identificam. Nesta semana, o Museu de Imagem e Som de São Paulo trocou as placas de todos os sanitários deixando claro que quem decide qual banheiro utilizar é o usuário.

Banheiros do MIS. Foto: Tony Hermann

Cleber Papa, Diretor cultural do MIS, conta que a instituição está se adaptando aos novos tempos e também cumprindo a legislação determinada pelo antigo Conselho de Combate à Descriminação. Para ele, o ideal seriam banheiros sem gêneros, mas isso necessitaria de uma reforma muito mais ampla no prédio do museu. “A questão está longe de ser resolvida da maneira adequada. No futuro não haverá distinção de gênero nos banheiros. É algo que vai ser conquistado ao logo do tempo, mas acredito que vai acontecer”, afirma o diretor.

Papa acredita que o STF deve tornar isso um entendimento para garantir o direito dos mais fracos. “Demos um passo importante e a partir de agora precisamos caminhar nessa direção. O MIS é uma instituição aberta e, para nós, o que importa é o ser humano”, diz. O diretor, que tem 66 anos e é avô, conclui: “O pensamento aqui é plural e sempre será”.

Além de instituições de artes, como o MIS e o Centro Cultural do Banco do Brasil, alguns festivais de músicas também têm adaptado seus banheiros, mesmo sem ter nenhuma legislação que obrigue a isso. É o caso do Coala.

Em sua sexta edição na cidade de São Paulo, que acontece em setembro deste ano,  o festival terá novamente banheiros unissex, para que todos os gêneros possam utilizar juntos. O fundador e curador Gabriel de Andrade conta que a organização do festival atentou que o banheiro dividido por gênero poderia gerar constrangimento na edição do ano passado. ”Fizemos uma adaptação simples. Em vez de termos sinalização de banheiro feminino e masculino, nós sinalizamos apenas com “Banheirx””, conta.

Banheiro do festival Coala 2018. Foto: Wesley Allen / I Hate Flash

Além de ser inclusivo, e impedir que constrangimentos ocorram, um banheiro unissex, conta Andrade, auxilia na experiência das pessoas no festival. “O banheiro em conjunto impacta positivamente a logística do evento, reduzindo as filas. Nos outros anos, às vezes o banheiro masculino estava vazio e o feminino cheio. Ou vice-versa. Gerando um gargalo desnecessário, já que tinha cabines vazias.”

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