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Cleone Santos: ‘A mulher em situação de prostituição tem que poder sonhar’

A líder da ONG Mulheres da Luz, no centro de São Paulo, fala sobre estigmas, dificuldades e a busca pela cidadania dessas trabalhadoras

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Localizada em uma vila pacata, ao som dos passarinhos, no bairro do Bom Retiro, a ONG Mulheres da Luz tem sido um lugar importante de acolhimento a mulheres em situação de prostituição no centro de São Paulo. A líder dessa luta é Cleone Santos. Dos 60 anos de vida, Cleone passou dezoito em situação de prostituição. E há oito lidera a ONG.

O termo tem razão de ser. “Esse sonho de sair, eu acho, é o que ajuda a sobreviver dentro de uma situação de tanta violência, de tanta exclusão, invisibilidade. Então, a gente faz questão de colocar ’em situação de prostituição'”.

As mulheres encostadas no “paredão”, conta, são mães, avós e até bisavós que enfrentam a necessidade de manter sua vida em segredo perante a família e e lidam com a falta acesso a políticas públicas especializadas. “Junta a questão da igreja, a questão da sociedade, e elas vão achando que não têm direito a mais nada.”

Em mais de uma hora de conversa, Cleone falou a CartaCapital sobre sua história, trabalho da organização. Também dividiu suas impressões sobre a realidade das mulheres em situação de prostituição, muito distante da glamourização da TV. E teceu críticas às iniciativas parlamentares de regulamentação da prostituição que. segundo ela, apenas favorecem os homens e os donos de bordéis.

Confira a seguir:

CartaCapital: Qual a missão da Mulheres da Luz?

Cleone Santos: O primeiro ponto é elevar a estima das mulheres. Trabalhamos com o acolhimento, escuta e buscamos a resolução de problemas. A organização se preocupa com a promoção de cidadania e a garantia de direitos a essas mulheres. Isso é muito amplo, vai de programas de alfabetização até cuidados com saúde. Trabalhamos com projetos para promoção de saúde bucal, exames ginecológicos, fisioterapia, nutrição, oftalmologia e saúde mental. Também oferecemos cursos e oficinas das mais diversas, como corte e costura, artesanato, pintura. Buscamos parcerias para vender todo o material que elas produzem. Também fazemos rodas de conversa e formação política, entre outras ações de bem estar e cidadania. E trabalhamos na busca acesso às políticas públicas para essas mulheres.

CC: Como surgiu a ideia de lançá-la?

CS: Faz parte da minha história. Primeiro, estive na militância sindicalista; depois, fui para o movimento de moradia. E, nessa coisa da vida enrolando, eu acabei vindo para a prostituição. Fiquei alguns anos na prostituição. Em 2005, tomei a decisão de que não iria ficar mais, mas também não queria fazer nada dentro da prostituição. Nessa época se discutia o “projeto Gabeira” [projeto pioneiro de “legalização” da prostituição, de autoria do então deputado Fernando Gabeira], e eram as freiras que faziam toda a discussão.

Um dia, questionei elas: por que vocês, se as mulheres estão lá e podem muito bem falar sobre o problema delas? Usei um termo pesado com elas: ‘vocês não ficam lá no paredão’. Aí, a freira olhou para mim e disse: ‘então, vá você’. E aí, como eu já estava acostumada a viver de desafios, fui para as reuniões da “Marcha Mundial de Mulheres”. E foi muito difícil ir às reuniões da “Marcha”, porque algumas já me conheciam da militância. Então, elas levaram um choque, né? E aí, teve o olhar preconceituoso, aqueles questionamentos. Mas eu me mantive lá e levei mais umas três ou quatro mulheres, e aí começou a surgir a ideia de um trabalho com as mulheres.

CC: Desde quando existe o trabalho?

CS: A gente começou como instituição em 2013, quando começamos a trabalhar como Coletivo Mulheres da Luz. Em 2015, a gente precisou constituir uma ONG, que é Associação Agentes da Cidadania, e o Mulheres da Luz está dentro.

 CC: Por que ali, no Parque Luz? 

CS: Por que o Parque da Luz? Porque o bairro da Luz é um dos mais antigos em relação à prostituição. É ali no limite: bairro da Luz – Bom Retiro. Por isso, o Parque da Luz. Porque essas mulheres estão lá desde sempre. Desde o Brasil colônia já tinha prostituição ali. Primeiro, com os donos, senhores de escravos, levando suas escravas para prostituírem para eles. E daí por diante. Depois, na “higienização”, jogaram as mulheres para o bairro da Luz, porque tinha umas casinhas onde as mulheres ficavam. Depois de uma nova higienização, despejaram essas mulheres da Luz. Depois, veio a estação. Mais uma vez as mulheres estavam ali, presentes, se prostituindo, e assim por diante.  Por isso, o Parque da Luz. Porque, historicamente, as mulheres estão ali desde sempre.

CC: Como foi esse processo de fundação?

CS: Em 2013, eu e Irmã Regina, freira co-fundadora da organização, começamos a tocar o projeto, já pensando em um grupo. A gente nunca tinha pensado em associação, em nada, a gente pensava em estar com as mulheres. Começamos a levar livros, para preencher o tempo ocioso, aquela coisa toda. Dos livros, a gente começou a fazer uma tarde de lazer, uma vez por mês, conseguimos uma parceira da secretaria da Mulher, Dulce Xavier. Começamos a fazer umas tardes dançantes. Depois, começamos a discutir políticas públicas.

Fizemos uma ação grande dentro do governo do PT [gestão Fernando Haddad]. Mas sempre tendo o cuidado de não entregar cestas, porque a gente queria trabalhar a politização. Mas chegou o governo Dilma, depois o governo Temer, a situação das mulheres começou a se complicar e, então, tivemos de fazer tudo o que eu sempre fui contra: a dar cesta, roupas; as pessoas doando roupas e a gente repassando a elas…

CC: Falta tudo a essa mulheres…

CS: Todas as políticas públicas são ausentes. Até porque, como elas não se assumem como trabalhadoras sexuais e todo o projeto é feito a partir dessa questão, trabalhadora sexual, e a gente faz questão de seguir tudo da forma que elas nos propõem. A gente não trabalha para elas, a gente trabalha com elas. Então, tudo o que elas nos propõem, a gente trabalha.

Boa parte delas mora na periferia, e são as tias, as avós, as mães…

CC: Dentro dessa precariedade, há diferenças entre as dificuldades das mulheres negras em relação às brancas?

CS: Sim. Por exemplo, se você vai aos bordéis, essas mulheres negras ficam sempre escondidinhas, sabe? Aqui na rua, o preço da mulher negra é ainda mais barato do que o preço da mulher branca. Tem também a questão da baixa escolaridade dessas mulheres. Então, há precarização em tudo. A negra está ali, na base da base.

CC:Qual a média de idade dessas mulheres atendidas pela ONG?

CS: A média é dos 35 aos 70 anos.

CC: 70 anos?

CS: E eu digo “70” em relação às que declaram a idade para a gente. Porque eu, às vezes, falo para as pessoas: “nossa, as mulheres que a gente trabalha aqui têm a idade indefinida”. Tem mulheres bem mais velhas. Pelas histórias que elas contam, a gente começa a fazer os cálculos… ano passado, morreu uma em atividade, com 80 anos. Dentro de um quarto de hotel com um homem.

CC: Pesa o fato de não se assumir trabalhadora sexual? Para a família, por exemplo…

CS: Sempre. A família não sabe. Tem também a questão da sociedade, porque boa parte delas mora na periferia, e são as tias, as avós, as mães, e elas têm medo do que possa acontecer. A gente tem casos de mulheres cujas famílias descobriram tudo e que acabaram vindo parar na ruas. Também existe uma carga muito grande de autoestigmatização.

CC: Poderia falar um pouco mais sobre esse processo de auto-estigmatização?

CS: Quando chegam na prostituição de rua, elas encontram um monte de problemas. Entre eles, a questão das políticas públicas. As pessoas começam a achar que não têm direito a política pública nenhuma. Tudo é um processo de autoestigmatização, e elas vão achando que não têm direito a mais nada. Porque junta a questão da igreja, a questão da sociedade colocando que elas estão erradas, a igreja fala que é pecadora, e elas colocam como autopunição o “não ter direito a nada”. E aí, começa aquele bando de mulheres não acreditar, por exemplo… há bem pouco tempo, mulheres com 70, 75 anos, que a gente conseguiu ver o Benefício de Prestação Continuada, BPC, achando que não tinham direito, porque não contribuíram.

CC: E um monte de gente que não vive essa realidade falando, falando…

CS: Falando, falando e falando. E a gente fica aí, meio… solitária até, porque…

CC: Existe algum trabalho de políticas públicas específico para essas mulheres em São Paulo ou no Brasil?

CS: Para as mulheres, no Brasil, não existe. Aliás, o tipo de trabalho que a gente faz, da forma que a gente faz, “trabalhando contra a maré”, não existe em outro lugar do Brasil. Nosso trabalho é com mulheres em situação de prostituição. Por quê? Todas as mulheres que a gente conversa, não se colocam como profissional. Se colocam de passagem: “eu estou aqui, porque estou passando uma dificuldade”. E, às vezes, a gente faz umas reflexões, a gente fala: não importa quantos anos ela está ali, está aqui, na rua.

CC: Por que você utiliza essa expressão “mulheres em situação de prostituição”?

CS: Para nós, é muito importante não tirarmos o direito de sonhar dessas mulheres, porque esse sonho de sair, eu acho que é o que ajuda a sobreviver dentro de uma situação de tanta violência, de tanta exclusão, invisibilidade. Então, a gente faz questão de colocar “em situação de prostituição”.

CC: Elas não querem se fixar nisso, então?

CS: Sim. Elas não querem, elas não veem como profissão. E isso não foi tirado das nossas cabeças, foi muito discutido. Começou em 2000, com as mulheres lá na Pastoral da Mulher Marginalizada, ainda. Depois, os grupos foram se juntando e fechou com esse nome, essa nomenclatura, em final de 2005, quando teve o “Encontrão”,  com cento e poucas mulheres, de todas as regiões. A Pastoral que puxou, de todas as regiões do Brasil, e foi que saiu: “Mulheres em situação de prostituição”. Elas decidiram, e todas colocavam: “Olha, eu estou aqui porque trabalho na roça e não consigo manter minha família. Então, três dias da semana eu vou à capital para ganhar um dinheiro”. E assim foram feitas as falas, todas muito parecidas, e daí se tirou a conclusão do nome. Tinha “mulheres marginalizadas”, vários nomes, e elas escolheram esse: “mulheres em situação de prostituição”. E, assim… a gente sonha muito, sabe? Aliás, o que me move é sonhar, então…

CC: Me conta um pouco mais sobre esse direito de sonhar?

CS: Então… porque é o direito de sonhar, né? Mulher preta, vai se tirando tudo dela. O direito de ter uma casa, direito de estudar, até o de ir e vir. Sonhar é esperança, né? E a gente tem que sonhar, sonhar e sonhar. Sonhar que o filho vai sair na rua e não vai correr risco de a polícia bater e prender. Sonhar em ter uma casa, sonhar em poder ir a uma universidade.

Eu costumo brincar que quando eu falo de universidade, eu sempre sonhei, e até hoje, quando eu penso que eu vou, alguma coisa acontece, não tem grana ou tem um monte de trabalho ou tenho um problema, e eu nunca consegui, né? Então, o sonhar é o dar força para a pessoa poder caminhar, sabe? É difícil sonhar, sabendo que a luz está tão longe. E às vezes alguém vai lá e ainda apaga essa luz. É o nosso caso agora. Apagaram todas as luzes e a gente está aqui…

CC: Acendendo vela…

CS: E olhe lá. Isso se tiver. E aí, eu falo que o sonhar é isso. É ver aquela luz e ir seguindo ela. Eu falo isso porque, a gente, nessa coisinha de sonhar, eu e Irmã Regina conseguimos, por exemplo, que uma das mulheres hoje seja assistente social. Porque a gente sonhou, sonhou, pegou na mão dela, ensinou as primeiras letras. Depois, incentivamos ela a fazer um supletivo. Depois, falamos: “você é muito inteligente. Vai prestar Enem”. A gente foi dando força para o sonho dela, porque desde quando ela nem sabia as primeiras letras, falava: “ah, eu queria tanto ser assistente social”. Então, a gente conseguiu. Questão das meninas cuidadoras, que conseguimos formar algumas. A questão das meninas que estão fazendo enfermagem. Ou seja, sonhar é isso.

CC: Você encontrou mulheres sem sonhos?

CS: Sim. Algumas, algumas. E, assim, é muito triste, né? Quando a gente vê que a pessoa fala assim… às vezes, a gente senta, está conversando, e a pessoa… não é nada. O sonho dela é o quê? É no fim do mês a gente dar a cesta básica para ela, é a gente pegar essa mulher e, quando ela sente uma dor de dente, levar ela ao dentista, sabe? Esse é o sonho dela, sabe? E não pensa em mais nada. Mas o que é? É de tanto apanhar, é de tanto sofrer, ali na rua.

CC: Isso que eu ia perguntar, Cleone. Tem muita violência? 

CS: Então, a maior violência é institucional, né? Essa é a maior. E violência física também. E a violência que elas sofrem é dentro dos hotéis, a quatro paredes. Porque, dentro dos hotéis, quem eles acham que tem que ser protegidos são os homens. Porque são os homens que pagam a conta, aquela coisa toda. Então, as mulheres, às vezes, levam um surra lá dentro e eles, ao invés de cuidar dessa mulher, denunciar, eles, às vezes, perguntam o que elas fizeram com o homem para o homem ser agressivo.

Muitas mulheres morrem, dentro da prostituição, com morte violenta. Quer dizer, a imprensa não mostra. É tudo muito escondido. Aliás, é um público que não existe. Então, a imprensa não mostra. Existe a questão da violência institucional, que é essa que ninguém vê. A imprensa não vê, a segurança pública não vê.

CC: E quando chega no hospital, essa mulher é discriminada…

CS: Sim. Por exemplo, a delegacia da mulher, que foi uma luta. Nossa! Eu mesmo participei de reuniões infinitas para a gente conseguir ter a Lei Maria da Penha. Só que essa lei não beneficia essas mulheres. E aí, se a gente vai na Delegacia da mulher… eu já briguei com várias delegadas, porque chega lá, a pergunta é essa: “O que ela estava fazendo lá?”. A mulher está toda arrebentada e a pergunta é essa: o que ela estava fazendo? E é isso. As violências são múltiplas.

A violência que elas sofrem é dentro dos hotéis. Porque, dentro dos hotéis, quem eles acham que tem que ser protegidos são os homens

CC: A senhora é contra a regulamentação da prostituição?

CS: Sim. Eu até costumo falar quando eu vou numa reunião… às vezes, eu estou numa dessas reuniões e começa essa discussão, eu só falo assim: Gente, ao invés de discutir aqui, vamos dar uma volta na região da Luz, no Largo 13, na Praça da Sé…

Porque a Praça da Sé é o lugar mais deprimente. É pior do que na Luz, porque você vê aquelas mulheres idosas, encolhidinhas lá no canto. Aquele monte de homem vendendo as coisas, as tranqueiras, em volta, e você vê aquelas mulheres ali. É deprimente. E ninguém enxerga. Mesmo porque ninguém está com roupa escandalosa, ninguém está cheia de maquiagem. São mulheres, como qualquer outra, num parque, sentadas conversando. Mas ninguém consegue alcançar o que aquelas mulheres estão fazendo ali.

Aí, vem um cara [referência ao ex-deputado federal Jean Wyllys, do PSOL/RJ, autor do projeto Gabriela Leite, que propõe regulamentar a prostituição] e escreve um projeto, mas esquece que, se a aposentadoria está difícil para um trabalhador normal, como é que vai ser para uma mulher que vive da prostituição, se na prostituição se envelhece ainda mais rápido. A mulher que vive da prostituição, a gente for ver direitinho, vai ter que se aposentar com 25, 20 anos de trabalho. E como é faz isso? Sabe? Se para os outros trabalhadores está difícil, com elas, como vai ser? Então, são essas coisas: as políticas públicas não aparecem na vida dessas mulheres, elas se autoexcluem, e fica esse monte de gente sem direito a nada.

CC: Mas as pessoas que vão advogar pela regulamentação vão dizer que a regulamentação se destina a mulheres em situação de prostituição, porém, em “casas”, numa situação (bordel) menos precarizadas, vamos dizer assim…

CS: O que é pior, né? Aí, essas mulheres que estão na rua, vão ficar como clandestinas dentro desses movimentos que defendem a regulamentação, vão ficar totalmente vulneráveis, ainda vai ter contra elas as mulheres que estão nos bordéis, os donos dos bordéis, porque para eles não é interessante que tenha alguém na rua tirando os clientes deles.

CC: E essas mulheres nas ruas, a maioria negras…

CS: Sim. negra e idosa. Então, não tem como a gente defender um negócio desses. Esse projeto é totalmente injusto com as mulheres. Quando se fala de um projeto em que o trabalhador tem de dar 50% do seu ganho para o patrão (que, no caso, seria o dono da “casa”); quando fala que a trabalhadora tem que passar por exames médicos para provar a saúde. Isso está na lei trabalhista. Tudo bem. Só que essa trabalhadora sexual faz o exame. E o usuário? Quer dizer, esse cara vai lá, pode estar doente, não tem nada para provar que ele não está nem que ele está, passa a doença para as mulheres…

CC: Com o cliente não acontece nada… 

CS: Nada! Ninguém questiona!

CC: Fica fácil para o homem e para o dono do bordel…

CS: Sim. Porque para o dono do bordel, se a mulher está doente, ele põe para fora. Porque não vai ter nenhum vínculo trabalhista. Como vão registrar essas mulheres? Vão registrar, regulamentar? Beleza. Mas como essas mulheres vão se formar? Porque toda profissão, por mais simples que seja, passa por um processo de formação. A doméstica, por exemplo, hoje já tem escolas e tudo, mas antes podia não ir para escola, mas as coitadas, desde sempre, iam aprendendo a lavar louça. E aí?

CC: Muitas mulheres também não querem ter essa profissão na carteira, porque serão estigmatizadas. Ou seja, ela muda de profissão, o atual empregador vê a carteira e, às vezes, não vai contratá-la por conta do preconceito.

CS: Sim. Para vocês terem noção, a profissional do sexo já está na ocupação trabalhista. Pesquisa quantas mulheres acessaram esse direito. Porque qualquer uma das mulheres que é profissional do sexo, pode chegar numa loja, abrir um crediário e falar: “eu sou profissional do sexo”. Eles são obrigados, porque já está na ocupação trabalhista. Mas ninguém tem coragem. Parece que, no Brasil Inteiro, 12 mulheres acessaram essa lei. Muito pouco! E é um direito conquistado.

CC: Isso tem dado muita briga…

CS: É. Eu sei que é difícil para as pessoas rejeitarem o regulamentar alguma coisa, mas precisa fazer uma reflexão séria sobre isso. Tem que ser uma reflexão séria. É uma discussão que dura anos. E a gente sentando toda semana, debatendo, porque as pessoas acham que é fácil regulamentar. Se hoje não tem nada garantido, se regulamentar, a exploração vai ser maior. A gente tem exemplos nos países onde foi regulamentada, hoje o tráfico está maior, estão levando mulheres dos países pobres para lá. Porque as mulheres de lá não querem. Não querem ficar expostas.

Agora, imagina num país como o nosso, que chega no extremo na questão de ser conservador; preconceito, nem se fala. Já é um problema seríssimo o Itatinga. Não sei se você conhece o Itatinga…

CC: Não.

CS: O Itatinga é a maior zona de prostituição a céu aberto da América Latina. É em Campinas. Ali perto do (aeroporto de) Viracopos. É um problema sério o Itatinga. E está virando um problema ainda maior. Por quê? As famílias muito pobres não têm onde comprar terreno, onde pagar um aluguel, então, alugam uma casa dentro do Itatinga. Aluga casa dentro do Itatinga, o povo põe uma plaquinha em frente à casa: “casa de família”. primeira coisa que eles colocam. E isso é mais uma forma de discriminar, porque é como se a prostituta não tivesse família. Eles veem assim. Então, colocam a placa: “casa de família”, para as pessoas não errarem o endereço deles.

Foi uma conquista enorme ter uma creche dentro do Itatinga, para as mulheres. A Pastoral da Mulher Marginalizada conseguiu, mas, depois, perdeu-se essa creche. Porque a Prefeitura de Campinas falou que não ia manter uma creche para prostituta.

 CC: Então, a saída, para você, Cleone, não é a regulamentação, e sim políticas públicas, políticas de enfrentamento à pobreza. É isso?

CS: Sim. Eu acho que é a gente conseguir fazer com que todas as mulheres tenham acesso às políticas públicas. Divulgar mais essas políticas públicas. E quando eu falo divulgar, é aquela coisa trabalhosa mesmo, de a gente ir aos centros comunitários dos bairros, fazer rodas de conversa, falar com as mulheres sobre políticas públicas. Porque se a gente não fizer isso, a coisa só piora. E as escolas falarem isso para as crianças. Focar também na educação, porque a educação é um dos pontos principais para diminuir essa vulnerabilidade que existe.

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