Diversidade

Chama a Rose, chama a Rose!

Quem chama a Rose para as publis, para dividir palco e cantar funk, para uma festa de aniversário que ela queria, mas não teve?  

Reprodução Instagram
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Amanheci com o pancadão “Chama a Rose, chama a Rose!” na cabeça. Não por acaso, porque nada é, a música reapareceu na minha bolha social. Fui investigar a fundo quem era a dona daquele video que pipocou, dias antes, nas minhas redes. Só recebi um arquivo, sem um nome, sobrenome ou endereço, imagens de uma mulher cantando dançando seu próprio jingle, no metrô, exibindo um biquíni de fita isolante.

E não é que a Rose do Bronze – Roseane da Conceição de Andrade – acaba de passar com folga pelos 300 mil seguidores? Follow! Estou seguindo e curtindo.

Ela que mora num barraco, têm cinco filhos seus e cria outros três de uma irmã que morreu, faz questão de se definir na terceira pessoa enquanto sobe uma ladeira. “Quer fazer um bronze hoje? Chama a Roooose! Chama que ela já está indo pra batalha. Mulher guerreira. Isso que é ‘chama a Rose!’, gente. Rose… Não tem tempo ruim com a Rose. Rose corre atrás debaixo de chuva, debaixo de Sol quente. Rose anima a festa também. “Chama a Rose!”.

Está sempre indo ou vindo do trabalho.

Rainha do Leme, de Copacabana e do Rio de Janeiro todo, quando faz Sol, Rose trabalha com bronzeamento na praia. Quando chove, vende balas em Madureira, zona norte. Viralizou com um vídeo e está no auge do que muitos chamariam de “15 minutos de fama”. Já participou de live com a Taís Araújo, virou hit para vídeo de brasileiras na Suíça e trilha sonora ao vivo para o Gil do Vigor e Ana Maria Braga requebrarem ao vivo, na Rede Globo. No vídeo da cantora Simone (da dupla com Simaria), Rose  “é a moça do Rio de Janeiro que faz bronze, a da fitinha… Chama a Rose, chama a Rose. Gostei!”.

Imagino que esses artistas tenham mexido seus pauzinhos para ajudar a empreendedora.

Mas, neste domingo, ela completou 41 anos, sem festa. “Infelizmente não tenho condições de fazer aniversário. Mas vou passar com saúde pra trabalhar, é o que importa”. Saúde é tudo o que ela sempre pede para seguir descendo o morro para trabalhar.

Com 300 mil seguidores, ainda no barraco e sem condições para comemorar o próprio aniversário, eu me pergunto: quem, de fato, chama a Rose? Chama a Rose para investir no trampo do bronzeamento com a fita isolante ou investir em qualquer coisa que ela crie? Porque empreendedora ela já é, mesmo na adversidade. Quem chama a Rose para as publis, para dividir palco e cantar funk, para uma festa de aniversário que ela queria, mas não teve?

E Rose segue a simpatia em pessoa, ao que parece, com zero dias de paz incólume. Por onde passa, todos querem cantar, dançar, tirar foto… Enquanto Rose, a pessoa mais solicita do mundo, quer que seu Sol volte a brilhar para trabalhar com as marquinhas. Sempre pede para continuar trabalhando.

Para não dizer que os 41 anos chegaram sem registro, teve o bolo de uma seguidora boleira que resolveu fazer o presente em comemoração aos 300 mil seguidores de Rose. São muitas as mulheres que se identificam com essa força da natureza que segue na batalha, seja com bronzeamento ou bolo.

Rose é o retrato de um Brasil que não muda. A luta é para que as coisas mudem? Sim. Muita coisa caminhou? Sim. Mas a realidade da Rose, hoje, mesmo batendo os 300 mil seguidores, é a mesma da Carolina Maria de Jesus, há seis décadas. Uma de nossas maiores escritoras ficou famosa nacional e nacionalmente ao pintar um retrato da fome e sua rotina na favela. Rose é minha mãe e minha avó que, nas décadas de 1950 e 1960, também moravam em barracos de madeira no morro do Dendê, no Rio, e demoraram anos para conseguir transformar aquele barraco numa casa de alvenaria.

Casa de alvenaria, o sonho alcançado por Carolina, pela minha mãe, e por poucas famílias brasileiras é o principal sonho da bronzeadora. Ano passado, durante uma chuva, ela perdeu sua casa. Mora num barraco emprestado, paredes de madeira, telhas de amianto, sem um banheiro dentro. Criou uma vaquinha para realizá-lo. Até agora, consegui 5% dos 100 mil reais desejados.

No vídeo que me apareceu hoje, uma mulher encontrava-se com Rose na praia. Emocionada, contava que estava saindo de uma depressão encorajada por ela. E, em certo momento, dizia “isso não tem preço”. A verdade é que tem preço sim. E sabemos que tem. Talvez não para a mulher que protagonizou o vídeo, mas para todas as outras pessoas que cantam esse bendito refrão todos os dias.

Ficar mal de cabeça num país como o nosso é regra, conseguir se manter são é que é o desafio. Conseguir inspirar através do exemplo de quem não esmorece – apesar de o país te dizer todos os dias que você deveria esmorecer – é um desafio quase inalcançável. Que ela alcança.

Então, quando dizemos “Chama a Rose, chama a Rose!”, quem está verdadeiramente disposto a chamar a Rose e investir naquilo que deve investir?


A quem devemos pressionar? Para quem devemos doar e investir? Qual a parte que nos cabe nesse latifúndio e nessa tragédia?

A pergunta, em princípio, pode ser dirigida a um Brasil que traga suas potências para a lama e deveria, sim, dar conta dos quase 20 milhões de famintos que aqui habitam. Mas, uma vez que temos o que temos em todas as instâncias de poder e levaremos tempo para mudar todas as realidades. Lembremos: quem tem fome, tem pressa. Quem tem sonhos, tem pressa. E o Brasil, a curto prazo, não se paga.

Como vamos nos organizar? Fazer o que for possível e o que estiver ao nosso alcance, enquanto sociedade civil, para remediar os problemas causados pelo governo? Porque, enquanto seguimos dizendo que é o governo que tem que fazer o mínimo, pessoas estão morrendo sem esse mínimo, empreendedores em potencial estão perdendo chances de crescer, quando o mínimo poderia acelerá-los. Talentos e mentes brilhantes naufragam na poça de falta de oportunidades que nosso país, que o racismo e outras questões estruturais teimam em manter.

A pergunta vale para pessoas privilegiadas e para quem não goza de todos os privilégios.

Somos um país de 20 (vinte!) novos bilionários em meio ao caos de uma pandemia. Mas também somos mais de 140 milhões de eleitores aptos a votar.

Em ano de eleição, principalmente, é bom não esquecer.

Mas até que o Brasil mude e faça a sua parte, fica o convite para que cada ume de nós façamos a nossa parte também. Quem é as Roses que você quer chamar? E com quem é que as Roses podem contar? E quando chamarem, o que você nós temos a oferecer para movimentar?

Que cada um(a,e) que movimente ao seu redor o que for possível para mudar realmente a vida das Roses, que também somos, em nossas vidas. Um real pra Rose, de cada 300 mil seguidores, pode significar uma casa. Já para o Augusto, rapaz transexual que buscou ajuda nas redes sociais, no dia da visibilidade trans, centavos significam uma caixa do tratamento hormonal que não pode ser interrompido. Para o vizinho, a moeda de troca pode ser simplesmente uma mãozinha no domingo pra virar a laje. Para a irmã da igreja, um card bem feito com informações cruciais podem ser o impulso que faltava para o negócio de bolos dar certo. Uma rede de apoio para uma mãe solo, é menos uma noite de choro. Uma coberta para as pessoas em situação de rua, pode significar uma noite a mais de vida para alguém sim.

Um computador, uma pesquisa numa rede social, um texto escrito num sábado à noite, pode ser o registro de uma história inspiradora que tem tudo para dar certo e vai dar.

Que eu possa contar as histórias de mais Roses.


Estreio minha coluna no site de CartaCapital
Hoje e aqui, eu começo a escrever e reescrever minhas histórias, a furar minha bolha, a ampliar o meu olhar e erguer minha voz e a de outras tantas, a fazer como sempre fiz: a minha parte.

Que seja caminho, que seja circular, que seja movimento, em nome de Exu.

Que seja respeitoso, em favor do meu Ori e dos Oris de meus pares.

Que seja amoroso, estratégico, inspirador e político, em nome de Oxum.

Que seja corajoso, abrupto e revolucionário em nome de Oyá.

Que seja.

Axé!

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