Wakanda Forever: homenagens a Chadwick Boseman mostram legado histórico de Pantera Negra

'Todas as pessoas comprometidas com a luta antirracista usam essa expressão', comenta diretora brasileira

(Foto: VALERIE MACON / AFP)

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A morte do ator Chadwick Boseman, estrela do filme Pantera Negra, que faleceu na sexta-feira 28 aos 43 anos após lutar contra um câncer de cólon, pegou o mundo de surpresa.

Nas redes sociais, artistas, intelectuais e fãs do ator comentam sobre o impacto simbólico de perder aquele que viveu o primeiro super-herói negro no cinema – o Rei T’Challa. A expressão Wakanda Forever, utilizada no filme entre os guerreiros do superdesenvolvido reino de Wakanda, já havia ultrapassado o universo cinematográfico da Marvel desde o lançamento do filme, em 2018.

Boseman era um artista em ascensão: em 2022, deveria estrelar a continuação de Pantera Negra, um sucesso de bilheteria há dois anos, com mais de 1 bilhão de dólares arrecadados em todo o mundo. A obra foi aclamada pela crítica e pelo público e disputou o Oscar de Melhor Filme em 2019.

No início da carreira, Boseman interpretou os ícones negros Jackie Robinson em 42: A História de uma Lenda – que conta a história do primeiro jogador de beisebol negro da liga americana -, e o cantor James Brown em Get on Up. Em ambos, Boseman foi elogiado pelo trabalho nas telas.

“Pantera Negra é absolutamente histórico”

Para a diretora brasileira Sabrina Fidalgo, o impacto da obra protagonizada por Chadwick Boseman pode ser definido como “absolutamente histórico” para além do simbolismo que carrega.


“É um filme maravilhosamente bem realizado, de altíssimo orçamento de um grande estúdio, e é o primeiro filme desse tipo que é protagonizado por atores negros e que tem o herói principal negro. É absolutamente histórico. É uma história que se passa numa nação africana fictícia, de altíssimo desenvolvimento, o que vai de encontro com toda aquela ideia projetada de países africanos e pobreza, muito baseada em estereótipos.”, analisa.

Além disso, Fidalgo acredita que quando uma obra cultural extrapola os limites do filme em si, “isso diz muito”. Para ela, o longa já está em um lugar icônico no imaginário popular global – e parte desse legado se deve à expressão Wakanda Forever.

“Não só as pessoas negras no mundo, todas as pessoas comprometidas com a luta antirracista e com a luta pela diversidade, elas usam essa expressão. As crianças passaram a usar, crianças de todas as etnias. É muito importante o tamanho do legado desse filme.”

Na visão da escritora Joice Berth, a admiração em torno da figura de Chadwick também quebra com um estilo de masculinidade negra carregada de estereótipos – o “marginal, lascivo, agressivo, excessivamente viril”, exemplifica.

“O grande sucesso desse personagem e o grande êxito do autor foi traçar um novo caminho de narrativa de masculinidade negra que foi muito massacrada, humilhada. Ele vem com aquela altivez, com aquela força, mas o mesmo tempo com uma doçura muito grande, com um jeito muito acolhedor. A contribuição do Chadwick foi extremamente positiva nesse sentido de mostrar que o homem negro pode ser sensível, carinhoso, pode amar e ser amado, e isso não vai atrapalhar em nada a potência e a força que tem na sociedade”, analisa.

Wakanda à brasileira

Na análise de Berth, a desumanização gerada pelo racismo encontra um fôlego em uma obra do nível de Pantera Negra. Para as futuras gerações, isso significa ver-se com potência. “Tudo que lida com as imagens tem um potencial político de formação de subjetividades. Isso mexeu com a criançada porque eles também podem ser super-heróis.”, diz.

E os exemplos não estão apenas no futuro. O cineasta Dodô Azevedo relembra a existência do “Wakanda in Madureira”, um encontro de famílias no Rio de Janeiro que surgiu para promover momentos de tranquilidade e convivência em um país com problemas demais para pessoas negras.

“As reuniões de gente preta, principalmente no Rio, acontecem sempre para lamentar alguém que morreu pela polícia. A gente percebeu através do filme que precisávamos nos reunir para comemorar, passar um dia bom. Só se celebrar.”, diz.

Entusiasta da teoria do afrofuturismo, Dodô explica que o termo, também associado à estética de Pantera Negra, não vem de agora e é “toda força afirmativa africana”. “Tudo que é decolonial, que fala sobre um mundo melhor resolvido antes do ocidente começar a colonizá-lo, é afrofuturismo para mim.”, diz.

A força do filme e de suas mensagens pode ser vista nas redes, onde imagens de salas lotadas de espectadores negros viralizaram rapidamente. “O sorriso e os cabelos dos personagens eram parecido com os dela. E a cor da pele… tão igual. Mais um filme que vira febre? Não. Febre é Star Wars. Pantera Negra é sobre se reconhecer.”, escreveu o teólogo Ronilso Pacheco.

Os rappers e compositores Mano Brown e Emicida também publicaram mensagens de homenagem ao ator. Emicida comparou-o ao evento astrológico supernova – “é um evento astronômico nos estágios finais da evolução de algumas estrelas, uma explosão muito brilhante”, escreveu.

 

Ator era atuante nos protestos antirracistas dos EUA

A morte do ator também tem o contexto de acontecer em mais uma onda de protestos antirracistas nos Estados Unidos, ainda motivados pela truculência policial.

Um homem negro, Jacob Blake, foi baleado à queima-roupa por um policial branco na cidade de Kenosha, Wisconsin. Blake sobreviveu aos tiros, mas os médicos temem que ele fique paralítico. Ele chegou a ser algemado na maca do hospital após uma faca ter sido encontrada em seu carro – apesar de não existirem provas de que ele estava com ela no momento dos tiros.

Há cerca de dois meses, os EUA paravam em protestos pela morte de George Floyd, cuja imagem de um policial asfixiando-o com o pé correu o mundo. “Entender nossa história é uma das muitas maneiras de quebrar o ciclo da injustiça social nesse país”, escreveu o ator ao lembrar a data da emancipação dos escravos no estado do Texas.


 

 

Sabrina Fidalgo analisa que “não tem como o cinema não se envolver na política.”, e que o momento da morte do ator deve se tornar um símbolo involuntário, já que o dia 28 de agosto, nos EUA, também é lembrado por ser o dia do icônico discurso “Eu tenho um sonho”, de Martin Luther King.

“O mundo está resolvendo de forma muito aberta e clara esse legado da colonização das Américas e de outras partes do mundo pela Europa. Não dá para separar as coisas, principalmente se tratando de um país como os EUA, e se tratando de um filme como o Pantera Negra, que traz esse protagonismo preto para as telas. A morte dele vindo nesse momento, no dia de uma grande manifestação em Washington, acaba se tornando um grande símbolo desse movimento.”, diz a diretora.

No cenário político, a candidata a vice do partido, Kamala Harris, declarou estar “com o coração partido” pela morte do ator – que, como ela, estudou na universidade Howard, de Washington. “Ele era brilhante, culto e humilde.

Ele nos deixou cedo demais, mas a sua vida mudou as coisas”, destacou Harris. A última mensagem de Bosenan na rede social era justamente para parabenizar a candidata democrata, também negra, pela sua nomeação.

*Com informações da RFI

**Texto atualizado às 16h50

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