Cultura

Viola moderna vai do instrumental à fusão com rock

Projeto apresenta um panorama atual em São Paulo da música feita com o uso do instrumento símbolo da cultura caipira

Juliana Andrade. Foto: Caio Csermak/Divulgação
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O mundo da viola teve nas últimas décadas incorporações sonoras. O universo da chamada viola moderna é apresentado em formato de cinco EPs, com quatro faixas cada, lançados pelo Selo Sesc. Trata-se de um mapeamento da Viola Paulista, em seu segundo volume.

A diferença do primeiro volume (com 19 faixas), lançado em 2018, é que naquela edição foram apresentados artistas no começo de carreira ou que já estavam algum tempo na estrada, mas sem o reconhecimento devido. Agora, no volume 2, estão violeiros e violeiras que possuem carreira consolidada e espaço na cena musical.

A curadoria desse importante projeto é de Ivan Vilela, professor, músico, compositor e pesquisador de cultura popular. A iniciativa envolve violeiros ativos nas regiões de Avaré, Bauru, Campinas, Piracicaba, São José do Rio Preto e Sorocaba.

Juliana Andrade, uma das duas violeiras do projeto (a outra é Adriana Farias), desde ainda moça optou pela execução instrumental da viola. O fato de ter feito a escolha gerava total desconfiança de quem as ouvia: “As pessoas não acreditavam em uma viola solada por uma mulher”.

Outro desafio vivido foi o fato de gostar de música caipira desde muito jovem, o que a destoava de colegas da mesma idade “que estavam em outra sintonia”, lembra.

“Tenho uma paixão grande pelo instrumento. Comecei tocando numa viola dinâmica de sete bocas. Sempre achei que essas bocas não foram colocadas ali à toa. A viola tem capacidade de cantar uma música por inteiro, sem que o seu dono violeiro tenha que expressar isso silabicamente”. O pai, violonista, é o principal responsável pela sua paixão ao instrumento.

Viola instrumental costuma exigir mais técnica, dedicação e concentração, e até para construir repertório é mais difícil.

“Viola não foi feita só para tocar pagode [a variante com toque mais aperfeiçoado da viola, entronizado pela dupla Tião Carreiro e Pardim ainda na década de 1960], mas guarânia, cateretês, cururus, choro”, lembra Juliana Andrade.

A música que ela gravou nesse projeto, aliás, é um choro com o parceiro Divino, e foi dedicada ao marido, Cleiton Torres, que é violonista.

Com 25 anos de carreira, a violeira pretende lançar esse ano seu quarto álbum instrumental. Por 12 anos, ela manteve dupla com Jucimara, com a qual lançou quatro CDs onde canta e toca.

Hoje, diz valorizar ainda mais o instrumental e mantém um dueto de cordas com o marido. Na pandemia, Juliana Andrade passou a dar aulas de viola virtualmente só para mulheres.

Moda de heavy metal

Ricardo Vignini trabalha a viola caipira na vertente do rock. O músico tem uma carreira sólida e já lançou 21 álbuns  solos e em grupo.

“Comecei tocando guitarra e em 1996 passei a tocar viola. Fui atrás de conhecer ritmos tradicionais. Depois fui buscar influências de coisas que já tinha tocado”, diz.

Vignini é membro fundador da banda Matuto Moderno, que une rock com música caipira, e faz parte do duo Moda de Rock com o violeiro Zé Helder (que participa também do projeto da Viola Paulista).

“Já toquei viola com Emmanuele Baldini de música erudita a Andreas Kisser (do Sepultura), de Pepeu Gomes e Lenine a Índio Cachoeira, que era meu mestre de viola e produzi alguns de seus discos”, afirma. “É um instrumento que você pode fazer o que quiser. A viola é o fio condutor de minha vida”.

Ricardo Vignini. Foto: Paula Rocha/Divulgação

O violeiro Ricardo Vignini conta que a viola mudou muito nas últimas décadas. “Há 15 anos não tinha nem jogo de cordas de viola disponível”.

Hoje, há uma geração de violeiros “sofisticadíssimos, garoto de 20 anos tocando muita viola”. Segundo ele, as captações do instrumento melhoraram, cursos apareceram e o grau de exigência também.

“A viola tem uma coisa parecida com choro. Se você colocasse o choro há 20 anos atrás era música de velho. Hoje tem uma moçada tocando”.

Apesar de tocar heavy metal na viola, Vignini usa a técnica tradicional do instrumento para executar a música: “Uso o polegar e o indicador alternado para tirar o melhor fraseado”.

E avisa que pra aprender viola, tem que passar obrigatoriamente por Tião Carreiro. “Daí que você pega técnica, senão você virá apenar um tocador de instrumento”.

Como está fazendo 30 anos de carreira, vai relançar os três álbuns apresentados ano passado em formato digital – inclusive um feito durante a pandemia. Ele não abre mão de lançar seus registros fonográficos no formato físico.

“Estou ainda fazendo um disco de viola raiz pela primeira vez, com cururu, polcas, cateretês. Terá músicas minhas, do Índio Cachoeira, do Zé Mulato”, finaliza.

Completam a lista dos violeiros que participam do volume 2 do Viola Paulista (pela ordem alfabética): Arnaldo Freitas, Cláudio Lacerda e Rodrigo Zanc (dupla), Enúbio Queiroz, Fábio Miranda, Fernando Caselato, Fernando Deghi, João Arruda, João Paulo Amaral, Júlio Santin, Lauri da Viola, Levi Ramiro, Márcio Freitas, Neymar Dias, Ricardo Anastácio, Zeca Collares e Wilson Teixeira. Os EPs do projeto estão disponíveis nas plataformas digitais.

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