Cultura
Uma vida à beira do abismo
A terceira edição da biografia de Casagrande inclui o fim da dependência química e sua saída da Rede Globo


Não raro, algumas pessoas, ao relatar passagens de suas existências, dizem que suas vidas dariam um livro, supondo, evidentemente, que os casos narrados têm interesse público.
A expressão foi citada pelo escritor Marcelo Rubens Paiva no prefácio da primeira edição da biografia de Walter Casagrande Júnior, o Casão, ex-jogador e um dos ídolos do Corinthians. Sua vida rendeu não um, mas três livros.
A biografia Casagrande e Seus Demônios, que o jogador assina com Gilvan Ribeiro, publicada em 2013, ganhou uma versão atualizada, que incorpora acontecimentos dos últimos dez anos. Entre eles estão a luta vitoriosa contra a dependência química e sua polêmica saída da TV Globo, em 2022, depois de mais de 20 anos como comentarista da emissora.
São, ao todo, seis novos capítulos. “Três foram escritos especialmente para este livro: os que tratam de sua volta à militância política para combater a ascensão da extrema-direita, seu envolvimento com a luta antirracista e a saída da Globo”, diz o autor, jornalista com passagens pela Folha de S.Paulo e pela ESPN Brasil.
Outros são atualizações das histórias contadas em Travessia: as Recaídas, os Amigos, os Amores e as Ideias Que Fizeram Parte da Trajetória da Minha Vida, lançado em 2020, no meio da pandemia. “Esse livro trazia episódios que não poderiam faltar na sua biografia, como a morte da mãe, as recaídas mais dramáticas na dependência química e o namoro com Baby do Brasil”, enumera Ribeiro, que conheceu Casagrande no fim da década de 1980.
Casagrande e Seus demônios. Gilvan Ribeiro e Walter Casagrande Jr. Editora Record (336 págs., 69,90 reais) – Compre na Amazon
Nesse período, Casão tinha ido jogar na Itália e, nas férias passadas no Brasil, ia treinar com o time do Corinthians no Parque São Jorge, onde o autor fazia cobertura diariamente, como repórter.
Como jogador profissional, Casagrande aliou a boa técnica à raça. Ao longo da carreira, que teve início numa peneira para as categorias de base do Corinthians, foi um centroavante que marcou presença nos clubes em que atuou, com seus gols e seu empenho em campo. Destacou-se a ponto de ser convocado para a Seleção Brasileira, numa época em que a Seleção ainda tinha prestígio.
Fora das quatro linhas, o atleta sempre teve um comportamento autêntico, com coragem para expor não só seus pontos de vista sobre qualquer outro assunto, mas as próprias fragilidades – em especial, o vício em cocaína e heroína. O efeito das drogas, somado às noites sem dormir, o levou a um surto psicótico e alucinações com visões demoníacas. Nessa fase, chegou a ficar afastado do trabalho como comentarista.
E como um abismo chama outro abismo, Casagrande sofreu um acidente em setembro de 2007: capotou com o seu Jeep Cherokee e bateu em sete carros que estavam estacionados na Rua Tito, no Alto na Lapa, em São Paulo. “Apaguei no carro, perdi os sentidos. Estava debilitado, sem comer havia muito tempo, sem beber água havia muito tempo, me drogando havia muito tempo”, relembra, no livro.
Uma das passagens mais marcantes é aquela em que é descrita sua amizade com Sócrates, seu parceiro no movimento Democracia Corintiana que, nos anos 1980, se posicionou contra a ditadura no Brasil. No domingo em que Sócrates morreu, em 2011, o Corinthians iria disputar a última rodada do Campeonato Brasileiro, contra o Palmeiras, no Pacaembu. Naquele dia, o time conquistou o pentacampeonato.
Determinado, Casagrande superou o abismo da dependência química e se define como uma metamorfose ambulante – tomando emprestadas as palavras de Raul Seixas. O que não mudou é que continua a ser um dos principais comentaristas esportivos do País. •
VITRINE
Nascido na Costa Rica, criado em Porto Rico e professor em Cambridge, Carlos Fonseca é uma voz potente da nova geração de autores latino-americanos. Na abertura de Austral (Instante, 192 págs., 79,90 reais), ele escreve: “Nunca antes estivera no deserto, mas volta e meia o imaginava”.
Noites de Peste (Companhia das Letras, 672 págs., 169,90 reais), do ganhador do Nobel Orhan Pamuk, volta ao começo do século XX para narrar uma doença misteriosa que assola uma ilha fictícia no Império Otomano. Detalhe: o romance foi escrito pré-pandemia.
Antes de a crítica ao ideal de maternidade ter se tornado usual, Elisabeth Badinter debruçou-se sobre as contradições entre natureza e cultura e parir e cuidar. Um de seus livros mais célebres, O Conflito: a Mulher e a Mãe, foi aqui relançado (Rosa dos Tempos, 224 págs., 79,90 reais).
Publicado na edição n° 1330 de CartaCapital, em 02 de outubro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Uma vida à beira do abismo’
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