Cultura

Uma Serafina no apogeu

Madura e esplêndida, Cristiana Reali encarna no teatro a viúva de A Rosa Tatuada, de Tennessee Williams

Turbilhão. Em um momento estou descabelada, deprimida, e aí me recupero, fico viva, me visto bem", resume a atriz
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Em a rosa tatuada, a peça de Tennessee Williams em cartaz no teatro L’Atelier, em Paris, até 16 de fevereiro de 2013, a brasileira Cristiana Reali encarna a viúva siciliana Serafina Delle Rose. No papel de uma costureira simples, ela gargalha, briga, chora, fica deprimida e se apaixona novamente. Ao longo dessa volubilidade de estados de espírito, uma deliciosa constante é a sensualidade latina que a personagem exibe.

Criada na França desde menina, Cristiana mescla sua experiência adquirida em atuações anteriores no teatro, em seriados de tevê e no cinema. Em A Rosa Tatuada fica claro que a atriz de 47 anos atingiu seu apogeu. O reputado semanário Le Point registra seu “charme e elegância”. Além de ser considerada uma das melhores atrizes de teatro na França, Cristiana protagonizou filmes dirigidos por Claude Lelouch e Georges Lautner. Em Um Estranho em Minha Casa (1992), de Lautner, ela vive o papel de filha do alcoólatra encarnado pelo mítico Jean-Paul Belmondo.

A Rosa Tatuada, interpretada na França pela primeira vez, evoca o filme estrelado por Anna Magnani e Burt Lancaster, dirigido por Daniel Mann em 1955. O papel da viúva Serafina deu à italiana Magnani o único Oscar de sua carreira. Trata-se, portanto, de uma première de peso.

Em um café de Montmartre, não longe do teatro L’Atelier, situado em uma encantadora praça, Cristiana recebe CartaCapital. Entre outras coisas, avalia a possível pressão de interpretar o papel imortalizado por Magnani, justamente num país onde não faltam cinéfilos. Ante a pergunta, a brasileira sorri e com um gesto descarta a possibilidade de pressão.

“Eu quis fazer essa peça porque combina comigo. Tenho tudo para poder encarnar Serafina.” Cristiana relembra que em 2000 interpretou Maggie em Gata em Teto de Zinco Quente, outro forte personagem de Tennessee Williams. Os críticos foram duros. Buscaram semelhanças entre a atriz brasileira e a personagem vivida no cinema por Elizabeth Taylor. Atores, resume Cristiana, têm de receber as críticas sem levá-las demasiado a sério.

A brasileira, concordam os críticos franceses, é a atriz perfeita para interpretar Serafina. E não é preciso ser especializado em teatro para entender os motivos. “Minhas origens ajudam”, resume Cristiana. São sólidas suas raízes italianas, das quais ela tem orgulho, os pais são paulistanos oriundos de descendentes da Bota. Falamos do falecido jornalista Reali Jr. e de Amélia, que vive em Paris. Eles transmitiram a Cristiana um modo de falar, maneirismos e as vicissitudes italianas. “Veja as novelas no Brasil, há muito da Itália no modo de interpretar”, pondera Cristiana, que desde menina passa férias na Itália. Uma de suas duas filhas com o famoso ator e diretor de cinema e teatro Francis Huster se chama Toscana.

Na entrevista, Cristiana mostra-se espontânea. Fala com as mãos, como no surrado jargão associado a italianos. Embora parisiense, ela nada tem do modo de ser reservado da maioria de suas conterrâneas. “Na escola eu era uma francesa, em casa tive uma educação diferente, de brasileira.”

De volta ao personagem que agora interpreta uma mulher que ao conceber um filho vê no seu peito nu uma rosa como aquela tatuada no torso do marido, comenta o quanto essa personagem forte lhe agrada. “Eu adoro o papel porque tenho de mudar meu comportamento o tempo todo”, analisa. “Em um momento estou descabelada, deprimida, e aí me recupero, fico viva, me visto bem.”

Além de atriz ideal para o papel, Cristiana tem tudo a ver com a peça. Escrita em 1951, A Rosa Tatuada tem ritmo veloz, ousado, carregado de energia. Como Cristiana. Nada menos que 13 atores transitam em cena, o que na França é considerado um exagero. O L’Atelier, um teatro audacioso, acreditou na peça, e com motivos.

Numa montagem italiana (nunca no teatro tradicional francês), os exageros de Cristiana e o uso das mãos apreciados pelo diretor Benoit Lavigne fazem sentido. O idioma italiano, falado sem sotaque pela atriz, mescla-se ao francês, e personagens como o padre e as velhas sicilianas são divertidos. Eis a Itália.

E energia, como ficou claro, é o que não falta à intérprete. O enredo se desenrola numa comunidade italiana em New Orleans. A costureira Serafina idolatra o marido, um suposto aristocrata siciliano que estranhamente virou caminhoneiro nos Estados Unidos, onde foi morto pela polícia. Ele transportava bananas, conta, com orgulho, a personagem. Debaixo das frutas havia mercadorias ilícitas. Enfim, o marido tinha elos com a Máfia.

Com a morte do companheiro, Serafina o transforma em santo. Suas cinzas ficam guardadas em casa, debaixo da imagem da Madonna, realçada por luzes. Isso até o momento em que vem à tona a vida dupla do falecido, que mantinha um relacionamento com um segundo parceiro. A viúva destrói a jarra com as cinzas e decide mudar de vida. A peça, então, passa por um crescendo com a súbita depressão da personagem.

E eis que surge Alvaro, caminhoneiro siciliano, interpretado por Rasha Bukvic. O ator sérvio faz o papel do amante que toma o lugar do falecido. Serafina apaixona-se e a peça torna-se um primor. A química entre os dois é tangível. E isso é uma surpresa, visto que Bukvic vive em Paris há meia década e é mais conhecido por seus desempenhos no cinema, inclusive ao lado de Bruce Willis.

“Deu certo. Trabalhamos dia e noite por três meses, ele é muito versátil e nos demos muito bem”, celebra. Bukvic tem carisma e muita presença de palco, embora críticos tenham observado que seu italiano tem sotaque. E que importância tem isso? Do mesmo modo que Cristiana, ele é um imigrante, tem o espírito do Mediterrâneo. Bukvic passou três meses com a brasileira, sem os outros atores. “Nos demos muito bem”, atesta ela.

A peça é sensacional não somente porque Cristiana Reali está no auge. O texto de Tennessee Williams é fantástico e a tradução, assinada por Daniel Loazyza, a própria atriz reconhece, favorece sua espontaneidade. Fora o excelente trabalho de direção feito por Lavigne. As cenas de sexo, censuradas no filme estrelado por Burt Lancaster e Anna Magnani, correm soltas na montagem parisiense. A química entre os protagonistas se dá de modo notável a ensejar a bem-sucedida e deliciosa história de amor.

Em a rosa tatuada, a peça de Tennessee Williams em cartaz no teatro L’Atelier, em Paris, até 16 de fevereiro de 2013, a brasileira Cristiana Reali encarna a viúva siciliana Serafina Delle Rose. No papel de uma costureira simples, ela gargalha, briga, chora, fica deprimida e se apaixona novamente. Ao longo dessa volubilidade de estados de espírito, uma deliciosa constante é a sensualidade latina que a personagem exibe.

Criada na França desde menina, Cristiana mescla sua experiência adquirida em atuações anteriores no teatro, em seriados de tevê e no cinema. Em A Rosa Tatuada fica claro que a atriz de 47 anos atingiu seu apogeu. O reputado semanário Le Point registra seu “charme e elegância”. Além de ser considerada uma das melhores atrizes de teatro na França, Cristiana protagonizou filmes dirigidos por Claude Lelouch e Georges Lautner. Em Um Estranho em Minha Casa (1992), de Lautner, ela vive o papel de filha do alcoólatra encarnado pelo mítico Jean-Paul Belmondo.

A Rosa Tatuada, interpretada na França pela primeira vez, evoca o filme estrelado por Anna Magnani e Burt Lancaster, dirigido por Daniel Mann em 1955. O papel da viúva Serafina deu à italiana Magnani o único Oscar de sua carreira. Trata-se, portanto, de uma première de peso.

Em um café de Montmartre, não longe do teatro L’Atelier, situado em uma encantadora praça, Cristiana recebe CartaCapital. Entre outras coisas, avalia a possível pressão de interpretar o papel imortalizado por Magnani, justamente num país onde não faltam cinéfilos. Ante a pergunta, a brasileira sorri e com um gesto descarta a possibilidade de pressão.

“Eu quis fazer essa peça porque combina comigo. Tenho tudo para poder encarnar Serafina.” Cristiana relembra que em 2000 interpretou Maggie em Gata em Teto de Zinco Quente, outro forte personagem de Tennessee Williams. Os críticos foram duros. Buscaram semelhanças entre a atriz brasileira e a personagem vivida no cinema por Elizabeth Taylor. Atores, resume Cristiana, têm de receber as críticas sem levá-las demasiado a sério.

A brasileira, concordam os críticos franceses, é a atriz perfeita para interpretar Serafina. E não é preciso ser especializado em teatro para entender os motivos. “Minhas origens ajudam”, resume Cristiana. São sólidas suas raízes italianas, das quais ela tem orgulho, os pais são paulistanos oriundos de descendentes da Bota. Falamos do falecido jornalista Reali Jr. e de Amélia, que vive em Paris. Eles transmitiram a Cristiana um modo de falar, maneirismos e as vicissitudes italianas. “Veja as novelas no Brasil, há muito da Itália no modo de interpretar”, pondera Cristiana, que desde menina passa férias na Itália. Uma de suas duas filhas com o famoso ator e diretor de cinema e teatro Francis Huster se chama Toscana.

Na entrevista, Cristiana mostra-se espontânea. Fala com as mãos, como no surrado jargão associado a italianos. Embora parisiense, ela nada tem do modo de ser reservado da maioria de suas conterrâneas. “Na escola eu era uma francesa, em casa tive uma educação diferente, de brasileira.”

De volta ao personagem que agora interpreta uma mulher que ao conceber um filho vê no seu peito nu uma rosa como aquela tatuada no torso do marido, comenta o quanto essa personagem forte lhe agrada. “Eu adoro o papel porque tenho de mudar meu comportamento o tempo todo”, analisa. “Em um momento estou descabelada, deprimida, e aí me recupero, fico viva, me visto bem.”

Além de atriz ideal para o papel, Cristiana tem tudo a ver com a peça. Escrita em 1951, A Rosa Tatuada tem ritmo veloz, ousado, carregado de energia. Como Cristiana. Nada menos que 13 atores transitam em cena, o que na França é considerado um exagero. O L’Atelier, um teatro audacioso, acreditou na peça, e com motivos.

Numa montagem italiana (nunca no teatro tradicional francês), os exageros de Cristiana e o uso das mãos apreciados pelo diretor Benoit Lavigne fazem sentido. O idioma italiano, falado sem sotaque pela atriz, mescla-se ao francês, e personagens como o padre e as velhas sicilianas são divertidos. Eis a Itália.

E energia, como ficou claro, é o que não falta à intérprete. O enredo se desenrola numa comunidade italiana em New Orleans. A costureira Serafina idolatra o marido, um suposto aristocrata siciliano que estranhamente virou caminhoneiro nos Estados Unidos, onde foi morto pela polícia. Ele transportava bananas, conta, com orgulho, a personagem. Debaixo das frutas havia mercadorias ilícitas. Enfim, o marido tinha elos com a Máfia.

Com a morte do companheiro, Serafina o transforma em santo. Suas cinzas ficam guardadas em casa, debaixo da imagem da Madonna, realçada por luzes. Isso até o momento em que vem à tona a vida dupla do falecido, que mantinha um relacionamento com um segundo parceiro. A viúva destrói a jarra com as cinzas e decide mudar de vida. A peça, então, passa por um crescendo com a súbita depressão da personagem.

E eis que surge Alvaro, caminhoneiro siciliano, interpretado por Rasha Bukvic. O ator sérvio faz o papel do amante que toma o lugar do falecido. Serafina apaixona-se e a peça torna-se um primor. A química entre os dois é tangível. E isso é uma surpresa, visto que Bukvic vive em Paris há meia década e é mais conhecido por seus desempenhos no cinema, inclusive ao lado de Bruce Willis.

“Deu certo. Trabalhamos dia e noite por três meses, ele é muito versátil e nos demos muito bem”, celebra. Bukvic tem carisma e muita presença de palco, embora críticos tenham observado que seu italiano tem sotaque. E que importância tem isso? Do mesmo modo que Cristiana, ele é um imigrante, tem o espírito do Mediterrâneo. Bukvic passou três meses com a brasileira, sem os outros atores. “Nos demos muito bem”, atesta ela.

A peça é sensacional não somente porque Cristiana Reali está no auge. O texto de Tennessee Williams é fantástico e a tradução, assinada por Daniel Loazyza, a própria atriz reconhece, favorece sua espontaneidade. Fora o excelente trabalho de direção feito por Lavigne. As cenas de sexo, censuradas no filme estrelado por Burt Lancaster e Anna Magnani, correm soltas na montagem parisiense. A química entre os protagonistas se dá de modo notável a ensejar a bem-sucedida e deliciosa história de amor.

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