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Uma saga íntima e também social

‘Flee’ mistura animação e documentário para retratar os desafios enfrentados por um garoto afegão que se descobre gay e tem de romper limites políticos e religiosos

O longa-metragem dinamarquês foi indicado ao Oscar em três categorias - Imagem: Neon/Participant
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Documentário e animação podem parecer, à primeira vista, formatos que não se misturam. Se o primeiro se volta ao retrato de realidades, o outro seria apropriado às ficções improváveis.

Flee é, porém, um filme sobre ultrapassar fronteiras. Portanto, a simbiose entre animação e documentário completa os desafios de Amim, garoto afegão que tem de vencer os próprios preconceitos ao se descobrir homossexual e romper limites impostos por governos e religião.

O longa-metragem do dinamarquês ­Jonas Poher Rasmussen recebeu, no Oscar de 2022, indicações nas categorias melhor animação e documentário, além de filme internacional. Em 2021, venceu o European Awards como melhor documentário e melhor longa de animação.

O filme, que estreou no Brasil na quinta-feira 21 com o longuíssimo subtítulo Nenhum Lugar Para Chamar de Lar, insere-se na família, já madura, das animações documentais.

O gênero, que já vinha se tornando usual nos curtas-metragens, ganhou visibilidade com Valsa com Bashir (2008), do israelense Ari Folman. O filme mesclava subjetividade e imagens de arquivo para narrar a experiência alucinante do diretor como soldado durante a invasão do Líbano, em 1982.

Flee retoma as vantagens da linguagem híbrida para reconstituir uma saga que começa durante a invasão soviética do Afeganistão, em 1979. Amim vivia uma infância despreocupada em Cabul, quando seu pai foi detido e, na sequência, desapareceu. A família decidiu fugir para Moscou, para livrar Amim e o irmão adolescente do alistamento compulsório imposto pelos mujahidins. Na capital russa, onde chega logo após a queda do comunismo, a família vive clandestinamente, enquanto acumula traumas nas sucessivas tentativas de fuga, comprando o serviço de traficantes.

A saga de Amim equivale à de milhões de judeus europeus sob o nazismo, de africanos ou sírios ou ucranianos hoje ou de perseguidos por governos autoritários desde sempre. É isso que torna sua história universal. O uso da animação, por sua vez, permite recriar espaços e situações que não existem mais ou são inacessíveis, como as cenas em Cabul ou as imagens de tráfico humano.

Além disso, a animação, como acontece em Valsa com Bashir, amplifica a subjetividade do relato. O recurso dá acesso à intimidade, revelando não só o que o protagonista viveu, mas também o que sentiu. O uso da entrevista, procedimento comum em documentários, torna-se aqui uma espécie de sessão de psicanálise, na qual o protagonista rememora e devaneia, enquanto as imagens passam do objetivo ao subjetivo.

Flee extrai, assim, sua intensidade de eventos reais. E tudo o que o filme retrata por meio da animação é o que supera as fronteiras da imaginação.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1205 DE CARTACAPITAL, EM 27 DE ABRIL DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Uma saga íntima e também social”

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